Acesso à hierarquia superior.

VASCO PRATOLINI

e a geração perdida


Olhar sagaz, calvície pouco densa, faces sobre rotundo, nariz direito, lábios grossos, testa reveladora dum espírito concludente, eis, no físico, Vasco Pratolini, bastião da actual literatura italiana.

Natural dessa perene cidade de Botticeli e Giotto – Florença – o romancista Pratolini tem narrado com mãos de artífice toda a magnitude e expressão dessa urbe de pintores. Em todos os seus livros se repercute a grandeza e moldura da cidade e as agonias e jovialidade do seu povo, que, ora emerge desordeiro e prenhe de paixões bravias e pecaminosas, ora, sombrio e inânime, cogita nos seus problemas sociais e políticos.

No entanto, e nisto está a universidade dos seus temas, nela parece encerrar-se toda a Humanidade com os seus subjectivismos, aviltamentos, bizarrias, crenças, cobardias... Nela se retrata uma sociedade extraviada pela contingência do futuro humano e desigualdade social.

Em plano de proeminência, porém, Pratolini põe o problema cruciante da juventude desassossegada. A ela tem dedicado as suas páginas mais expressivas.

Vejamos «Um herói do nosso tempo»: Dele brota uma Virgínia, vítima das inconstantes políticas que têm macerado o género humano, e um Sandrino impudente, vicioso, rebelde! Viúva após o advento do fascismo, Virgínia fechou-se num isolamento crudelíssimo, medrosa, fugindo ao convívio, caindo no erro que atormenta a sociedade: a Solidão. Mas a solidão encerra fragmentos de sensualismo. Na sua medula há apetites selvagens. A sombra de voluptuosidades «afrodisíacas» é seu favo.

E Virgínia não pôde fugir. Revolta-se e transige.

É neste momento que Pratolini estuda a juventude. Experimenta-a. Simboliza-a na figura de Sandrino. E a prova é terminante: Hipocrisia, libertinagem. É isto que ele extrai do «negativo».

Hipocrisia que torna Virgínia num ser erotómano. Libertinagem que a lança no amantismo. E sabe explorá-lo. Hostilizá-Ia. Sugar-lhe dinheiro. Fugir-lhe. Assassiná-la!...

Comédia e drama Retrato da adolescência presente, pintando com tintas vigorosas, Pratolini / 25 / procura no íntimo do adolescente a sua miséria e devassidão. Modela com mestria o seu desejo de vida fácil e ociosa. Desvenda os seus artificialismos. Põe-lhe o corpo e o espírito a nú. Analisa os seus instintos. Rompe-lhe o véu negro com que se envolve, para assim poder sacar dele as causas dos seus desmandos. De quem a culpa?

Eis a interrogação que se nos insinua como teia envolvendo uma luminosa clarabóia, em quase todos os seus romances. Da sociedade? Da desigualdade pedagógica que se verifica entre os vários sistemas? Do afã da vida moderna? Da incúria a que os pais votam os filhos? Da guerra?

Várias soluções têm tentado dar os ficcionistas através de influentes obras de alto valor moral e literário, tomando por foco estes desagradavelmente agradáveis – como diria Olavo D'Eça Leal – casos barulhentos da cognominada «geração perdida».

Dentre eles destacamos Alberto Morávia, um dos pretendentes ao Prémio Nobel, apresentando o seu extraordinário romance: Agostinho.

Nele se narram os complexos que certa mãe acometida de tara sexual pode proporcionar num filho ainda sem exuberância da vida. Vulto bem igual ao de Virgínia – viúva, opulenta, corpo atraente – esta mulher cai também na vida crápula com um jovem ansioso por prazer e dinheiro, desprezando quase por completo a educação do seu filho, cujo nome dá o título ao romance.

É neste campo – o abandono materno – que Morávia descobre o vírus que corrói a juventude. A ele liga outra praga: o «vício-sexo». Vício que germina muitas vezes no ambiente familiar e que leva ao efeminismo precoce.

Mas deixemos Alberto Morávia, para finalizarmos este perfil literário de Vasco Pratolini, guião do renascer duma juventude sadia. A sua obra escalpeliza todos os podres que a corrompem: o «don juanismo», como no caso do Aldo, de «Raparigas de Sanfrediano»; a politiquice de Osvaldo, em «Crónica de Pobres Amantes»...

Como obra de análise social destacamos, no entanto, «Um Rapaz de Florença».

Nela está expresso todo o espírito de luta do povo florentino, que Pratolini tanto ama e espera influencie os seus irmãos de «infortúnio-social», para o renascer forte e sadio de uma maior compreensão entre os homens.

perfil por

manuel pereira gamelas

 
 

 

página anterior início página seguinte