O GRANDE TRIUNFO DO "MÔLHO DE ESCABECHE"
EM LISBOA

Panorâmica Geral do COLISEU DOS RECREIOS - Foto tirada na 3ª Representação (13-Junho-1941)


As pessoas que foram ao Coliseu não devem ter ficado surpreendidas da maravilha. Os que não foram e agora quiserem ler estas breves notas, não terão, também, de se admirar do louvor sem restrição que atribuímos ao espectáculo de amadores apresentado ao nosso público. Na verdade, o nosso colega Artur Inez, que a Aveiro se deslocou como nosso enviado especial para assistir a uma das representações do "Môlho de Escabeche", nas impressões que nos deu disse-nos já da sua admiração, que ontem, aliás, aos olhos de todos, se confirmou absolutamente. Parece-nos, porém, que mais que o próprio espectáculo em si há que louvar o seu significado, o que tudo aquilo, depois de feito e pronto, representa de esforço contínuo, de boa vontade, perseverança, aplicação de horas vagas a uma tarefa de resultados visíveis.

Se se disser a uma pessoa ignorante do nosso meio que aquele espectáculo, tão limpo, tão bem ordenado, tão curioso em todos os seus aspectos, é obra de amadores, de gente de trabalho, que tem o seu dia ocupado nas mais diversas profissões e que apura as suas horas livres para se distrair ainda num esforço novo — o entusiasmo subirá de ponto. Todos se comportam em cena com um entusiasmo magnífico — o entusiasmo próprio de quem cumpre uma tarefa em que se empenhou por divertimento em vez de executar obrigações de ofício. Mas, apesar disso, apesar de todo o sentido de deformação profissional estar dali ausente, com que adorável naturalidade todas aquelas raparigas fazem os seus papéis, acentuam as intenções desejadas, sorriem constantemente e vêm de Aveiro a Lisboa afrontar, na maior casa de espectáculos da península, um público que lhes é inteiramente desconhecido! Seria injusto pretender distinguir alguns elementos em particular — pois que todos são igualmente dignos do melhor aplauso. Mas, pela qualidade do papel que lhe coube, veja-se com que graça extraordinária foi feito, no primeiro acto, aquele papel da "Enguia de Escabeche". Não vemos por aí, no nosso Teatro Oficial, quem fizesse aquilo com mais graça, acento e intenção.

É nos quadros de fantasia — e eles são numerosos — que a revista tem, entretanto, os seus momentos de mais vivo entusiasmo, pois as rábulas e "sketchs" não resultam grandemente, tanto pela dificuldade de ouvir, numa sala de tais dimensões, o que diz um artista isolado, como, ainda, pelo sentido quase sempre local da crítica. Mas nos quadros de fantasia — a casa veio abaixo, justamente, com o reboliço do aplauso. A apoteose final, de complicada maquinaria, é uma coisa quase nova para o público da capital.

Uma nota nos parece digna de salientar-se: apesar de ser a revista um espectáculo, de sua natureza, essencialmente musical, sabemos o que são, às vezes, os grupos musicais dos nossos teatros da especialidade... Pois o grupo de Aveiro não está com meias medidas: chega a Lisboa e atroa os ares com uma orquestra privativa, trinta figuras em que, decerto, o entusiasmo é tão grande como entre os improvisados mas consumados actores e actrizes!

Os numerosos aveirenses, residentes em Lisboa, que ontem foram até ao Coliseu, defrontavam-nos, o mais amigavelmente possível, com a evidente razão do seu orgulho — como se nos interpelassem:

— Então que nos dizem a isto? Ou julgavam que lá a terra tinha alguma coisa a aprender por aqui?..

Efectivamente, os nossos revisteiros e seus organizadores e intérpretes é que não perdiam nada em matricular-se na universidade teatral de Aveiro — a ver se se desemburravam...


 

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