PRESUNÇÃO E ÁGUA BENTA
Xaile antigo e xaile moderno

         Declamado

        Xaile antigo 

Já ninguém me admira! Noutras eras,
Em que me imperava o meu trajar à moda,
Fiz palpitar os corações deveras
E fiz andar muita cabeça à roda.

O meu xaile, o meu gesto harmonioso,
A meia branca e chinelinha preta,
O meu rosto tão pálido e formoso
Sem ter pintura ou cor de tabuleta,

Todo o conjunto do meu corpo belo,
Que fez tanta paixão, tanta conquista,
Metia estas tricanas num chinelo,
Todas ficavam a perder de vista.


        Xaile moderno

Foste assim admirada nesse tempo?!
E esse passado ainda te envaidece?!
Era questão de gosto de momento!
Quem feio ama... lindo lhe parece.


        Xaile antigo

Oh filha, tem juízo!
Vê lá se tens a cor da minha boca...


        Xaile antigo

Ridícula!


        Xaile moderno

Então a tua saia,
De comprida, nem tem graça moderna.
Qualquer rapaz bem chic até desmaia
Ao ver o traço fino desta perna!


        Xaile antigo

Coquete! E és assim tão descarada!...
Não sei como é que podes ter agrado!


        Xaile moderno

Mas porque estás, amiga, tão zangada?
Sou um prolongamento do passado
E tudo isto, afinal,
É fluir da tradição.


        Xaile antigo

Que eu não te quero mal...


        Xaile moderno

E eu também não.

 

    Cantado

         Xaile antigo

O meu xaile de viva cor,
Tão formoso e tão garrido.
Não perdeu inda o frescor
Apesar de ser antigo.

Vede o garbo e a sua graça
Sobre as formas delicadas
Da tricaninha que passa
Relembrando eras passadas.


        Xaile moderno

O meu xaile à portuguesa,
De tanta graça que encerra
Dá mais graça e mais beleza
Às moças da minha terra.

Lembram lindas toutinegras
As tricaninhas mais belas
Que usam xaile de franjas negras

Suspenso dos ombros delas.

 

                                            

                                                 Xailes de Aveiro  (Quadro XV)

 

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