FIGURAS EM AVEIRO LIGADAS AO DESPORTO

António Almeida: um jogador polivalente

Quinta-feira, 17 de Dezembro de 1998 – pág. 17 Daniela Sousa Pinto

António de Almeida nasceu há 57 anos (1941), no antigo Congo Belga. Veio para Portugal com 6 anos. Um homem que adora o futebol e que recorda com muita alegria todos os bons momentos vividos no futebol. Mas não sente saudade, porque tudo na vida tem um momento e «o que lá vai lá vai...» Aposta numa vida regrada, mas já não pratica muito desporto. O único exercício que faz é o habitual passeio que dá, todas as noites, com a sua cadelinha pelo Parque Municipal. E a pesca. Depois, aproveita para ir ao campo do Beira Mar. Vai conviver com amigos que, por ali, ainda vão aparecendo...

 

A sua actividade de futebolista iniciou-se aos 16 anos, na Associação Académica de Coimbra. Ali, jogou quatro anos. Depois, veio o serviço militar e, dois anos passados, foi destacado para Timor, onde esteve cerca de dois anos e meio. «Empataram-me quatro anos e meio de vida.» Afastado tantos anos da vida académica, desistiu de estudar. «Depois de quatro anos e tal sem pegar num livro, estava meio enferrujado, e sentia-me velhote ao lado dos miúdos. Estive muito tempo fora de Coimbra, e esta cidade deixou de me dizer grande coisa.» Foi então que surgiu o convite do Beira Mar. A Académica fez alguma pressão para que António Almeida não saísse, mas decidiu e alinhou na equipa aveirense. Em Aveiro, conheceu a sua esposa e foi ficando. E de tal maneira se apaixonou pela cidade e não só , que jogou no Beira Mar durante 13 anos. Não ganhou muito dinheiro, apenas o necessário para poder viver.

Depois de ter deixado o Beira Mar, jogou dois anos em Águeda, onde aos 34 anos terminou a sua carreira. Saiu do Beira Mar com alguma mágoa, porque a atitude do clube para com este homem que se dedicou à equipa de corpo e alma, não foi a mais correcta: "Se lhes deixei de interessar dever-me-iam ter dito isso directamente e de outra maneira. Pelos anos de entrega, por respeito, deviam ter tido outra atitude. Depois de 13 anos a representar o Beira Mar, deixei de saber quando era o fim do mês. E não tiveram coragem de me dizer que estava dispensado. E um dia disseram-me apenas: "Almeida, arranja clube!"

1979/80 - Campeões Nacionais da II Divisão Norte

Foi um jogador muito duro, mas nunca foi expulso. "No campo havia luta, mas cá fora éramos amigos. Não havia tanta maldade. E eu fiz muitas faltas, mas porque tinha muita força.» Atitudes vergonhosas como aquelas a que se assistem no futebol, considera-as indignas e uma falta de respeito próprio e para com os outros. Para comportamentos destes apenas castigos pesados lhe parecem a solução.

«Joguei sempre por amor, mas não entendo muito bem o que quer dizer "amor à camisola". Joguei por amor próprio, porque não gostava de perder e fazia tudo por tudo para evitar as derrotas. Não gostava de sair do campo envergonhado, cada vez que perdia.»

Ainda tirou um curso de treinadores, mas não se tem aventurado nessas lides. Mas mantém-se atento a tudo o que se passa no futebol. Um futebol que não reconhece.

O futebol de hoje é completamente diferente do futebol do seu tempo. E tamanhas são as diferenças, que António Almeida não resiste a contar uma história, para ele exemplo das diferenças de profissionalismo: «Íamos ter jogo com o Sporting e estávamos na Cruz Quebrada, em estágio. No dia do jogo, o treinador, antes de irmos para o estádio falou connosco o que era normal antes dos jogos e disse-nos que tínhamos 5 minutos para arrancar. Ora, eu precisei de ir urinar e, como tinha tempo, fui ao quarto de banho. Quando cheguei o autocarro já tinha ido embora. Apanhei um táxi e fui ter a Alvalade. Quando lá cheguei estavam os meus colegas equipados e ninguém tinha dado pela minha falta. Isto, hoje, é impensável!»

Os treinos não eram, para António Almeida, muito duros. «Quando era miúdo, treinava poucas vezes, fazia alguma preparação física, banhos e massagens... Não era duro! No Beira Mar cheguei a apanhar um treinador que dava uns treinos puxaditos e a fazer dois treinos por dia, mas estou convencido de que os treinos de hoje são mais duros.»

Hoje não se joga o futebol que o apaixonou, «o futebol artístico, com habilidade, espaço... Há outra dinâmica...» A beleza do futebol, os dribles, a festa dos golos, já não fazem parte do espectáculo... «As super-defesas tiraram beleza aos jogos. Ou aparecem os super-craques, aqueles que num espaço reduzido conseguem furar a defesa ou então não há golos.»

Ainda treinou as camadas jovens do Beira Mar. Uma equipa «excepcional que durante 12 meses e 14 dias não teve uma única derrota». E onde um dos seus filhos chegou a ser seu pupilo, mas nos balneários e no campo, o pai António Almeida passava a ser o Sr. Almeida. «Nos treinos eram todos iguais. Em casa era o meu filho.» Depois, treinou algumas equipas do regional, mas acabou por pôr de lado esta faceta. «Gosto de treinar, mas prefiro os mais pequenos: dos 9 aos 15 anos. Os mais velhos são sempre mais mafiosos... Já namoram, inventam dores de cabeça...»

É um homem feliz, que adora o ambiente familiar e que hoje tem um motivo maior para viver: «Sou pai duplamente. O meu netinho tem nove meses e é uma maravilha estar com ele». Os seus dois filhos ainda deram uns pontapés na bola, mas não quiseram continuar. Quem sabe se o neto dá a alegria de seguir as pisadas do avô, que, por enquanto, só quer aproveitar as primeiras palavras e os primeiros passos, e graças do bebé...


Ora, bolas!

António Almeida conta:

«Quando fui jogar para a Académica, a principal condição que o meu pai pôs, para me deixar jogar, foi a de que eu não ganhasse dinheiro. Recebia, mas o meu pai nunca soube.»

«Cada vez que perdia um jogo, era uma noite em que não dormia!»

«O José Maria Pedroto incutiu-me o espírito da polivalência.»

«Nunca penso que seria bom que o tempo voltasse para trás. O tempo passa, e isso é irreversível.»

«A vida de treinador é muito ingrata. E eu sou muito comodista e pouco aventureiro.»

«Quase todo os dias vou ao estádio do Beira Mar. Conheço poucos jogadores, mas conheço o roupeiro, os directores, o treinador...»

«Não gosto da palavra saudades. O que passou, passou...»

«Gosto muito da Académica, porque foi a equipa onde comecei, e do Beira Mar, porque dediquei muitos anos da minha vida a este clube. Mas sou benfiquista. E a verdade é que eu nem gostava do Benfica, mas, quando comecei a conviver com os jogadores deste clube, percebi que eles não eram os carniceiros que todos diziam ser. No Benfica existia um grande espírito de companheirismo e de amizade.»

«Há dois anos que não vou ver o Beira Mar jogar. Mas os jogos dos juvenis não perco! Os miúdos ensinam-nos muito, porque vemos a verdadeira entrega.»

« Num jogo com a CUF dei um toque ao Monteiro, sem o magoar; mas ele caiu-me em cima da perna e parti o perónio. O rapaz até me escreveu uma carta a pedir-me desculpa! Eu respondi, para lhe dizer que ele estava totalmente desculpado, até porque a culpa tinha sido minha. Fui eu quem fez a falta! Ainda havia esse respeito.»

 

Jogador: António Almeida

Posição: jogou a todas as posições menos a guarda-redes

Características: muita força e polivalência.

 

 

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