No início de uma época difícil para o
Beira Mar, quisemos saber se é verdade que por detrás de um grande homem
está sempre uma grande mulher. Em entrevista exclusiva com Isaura
Sousa, ficámos a saber que o homem que treina a equipa de Aveiro não é
uma pessoa vulgar.
«Ele não queria ser treinador de futebol»
«O meu marido, quando jogava futebol,
dizia sempre que nunca viria a ser treinador, que não tinha feitio para
isso. Acontece que somos amigos íntimos do Manuel José e do João de
Freitas (jornal "A Bola") e foi juntamente com eles que comecei a
"montar a tenda" ao Sousa.
Informei-me; o João de Freitas fez um
pedido de inscrição, o Manuel José deu um empurrãozinho no momento da
verdade e, às tantas, já o meu marido estava de tal modo envolvido na
artimanha, que não teve argumentos para resistir.
Começou por treinar a Sanjoanense e
agora treina o Beira Mar.
Concluiu, recentemente, o curso de
"nível 4", que durou três semanas, custou cerca de 170 contos e foi algo
penoso, principalmente devido às aulas teóricas de medicina.
Mas, a grande escola do Sousa tem nome
de homem − José Maria Pedroto.
Foi com ele que o meu marido aprendeu
a fazer uma equipa e é a ele que considera o "mestre".
«Admiro-o como marido, como pessoa e como treinador»
CP − Como conheceu António Sousa?
IS
− Nasci em S. João da Madeira e ele
também. Sou professora de Educação Física e sempre gostei de desporto.
Conheci o Sousa quando ele era ainda jogador da Sanjoanense. Tudo
começou por ser uma amizade. Brincávamos um com o outro, tínhamos
artigos comuns; sempre com o futebol pelo meio, claro.
CP − O que lhe despertou mais a atenção
nele?
IS − Admirei a sua humildade. Ele foi
sempre uma pessoa muito simples; nunca foi vaidoso, sempre conversou com
toda a gente, enfim, era cativante.
CP − Quem tomou a iniciativa?
IS − Ele diz que fui eu. Na minha
opinião, houve um interesse simultâneo.
CP − Namoraram durante quanto tempo?
IS − Cerca de três anos, dos quais os
mais difíceis foram os dois que passei em Lisboa a estudar. Nessa altura
ele escrevia-me muitas vezes e pedia-me para regressar.
CP − É um poeta?
IS − Não propriamente, mas tem muito
gosto pela escrita e eu notava que a nossa separação o afectava muito.
Ele conseguia transmitir essa saudade e isso era importante para mim.
CP − E resolveram casar.
IS − Casámos no primeiro ano em que ele
veio jogar para o Beira Mar, em Julho de 1978. Hoje, temos dois filhos:
o Ricardo, que é sénior do F. C. do Porto, e a Mara, de 15 anos.
CP − Fale-nos de António Sousa como
pessoa.
IS − É extremamente simpático. Apesar
de ser o que hoje é, não se deixa envaidecer. Por vezes, é mal
interpretado porque é uma pessoa muito fechada, muito introvertida,
principalmente fora do círculo de amigos.
CP − E consigo?
IS − Comigo fala muito. Posso afirmar
que sou a sua "grande confessora". É a mim que confia as mágoas, os
desgostos e as alegrias. É uma das coisas que se exige da pessoa com a
quem partilhamos a vida.
«Gosta de saber tudo o que a Comunicação Social diz»
CP − O António Sousa é uma pessoa
curiosa?
IS − Gosta de saber tudo o que a
Comunicação Social diz dele e dos jogos do Beira Mar. Preocupa-se e, por
vezes, fica desgostoso com o que é publicado, sobretudo se considera que
algo não corresponde à verdade ou que se cometeu alguma injustiça. Até
chego ao ponto de tirar notas; ele gosta de saber tudo.
CP − Falou-nos da pessoa; fale-nos um
pouco do marido.
IS − (riso) Ele é atencioso, meigo,
preocupa-se com tudo o que esteja relacionado com a vida familiar; se
está "fora" tem a preocupação de telefonar para casa.
É o Príncipe dos meus sonhos de
menina.
CP − O futebol não o faz esquecer a
vida familiar?
IS − Fora do estádio, gosta de ouvir as
opiniões dos outros e aceita-as. Só das tácticas de jogo é que não
abdica; são só dele, pois tem consciência de que a sua decisão foi
pensada com calma e que ninguém, melhor do que ele, conhece o plantel.
CP − Ainda recorda o Jogador com
saudade?
IS − Claro. Foi um jogador que
conseguiu estar presente em todas as grandes provas nacionais e se
sagrou campeão em todas elas. Foi campeão europeu, venceu a Taça
Intercontinental, esteve no Campeonato Europeu, no Mundial de 86, no
México...
«Foi uma grande injustiça... o meu marido sofreu calado»
CP − Atingiu todas as metas que poderia
atingir?
IS − A minha maior mágoa foi não ter conseguido. atingir os
500 jogos na I Divisão; ficou a 14 jogos de diferença. Estávamos na
época de 1994/95 e foi uma grande injustiça que a Direcção do Beira Mar
cometeu. Ele tinha dado muito ao clube, estava em final de carreira e o
treinador que veio para cá − Filipovic − não
teve discernimento nem sensibilidade suficientes para compreender que há
momentos de importância vital na vida das pessoas.
O meu marido foi dispensado; ainda
jogou no Gil Vicente mas a época não lhe correu bem.
Sei que se tratou de um "caso de
Direcção", e que os sócios estiveram fora dele; tanto que o Sousa adora
o Beira Mar e só "vê" Aveiro.
Mas, na altura, sei que o meu marido
sofreu calado.
CP − Inevitavelmente, o Sousa
treinador...
IS − O meu marido tem uma maneira
diferente de treinar. Aparentemente, tudo parece simples; ele "brinca"
com os jogadores e sabe que a boa disposição é meio caminho andado para
obter o que quer deles. Acima de tudo, considera os jogadores seus
amigos e não subordinados: Um exemplo: se estivermos a jantar em
qualquer lado e entrar um jogador, o Sousa não hesita em convidá-lo para
a nossa mesa. É um bom avaliador de pessoas, dá muita importância ao
trabalho, ao empenho, talvez mais do que à técnica. Mesmo em casa, tenta
incutir esse espírito no filho. Os jogadores costumam dizer que se for
necessário até "comem a relva", o que demonstra bem a entrega e a
confiança que depositam no meu marido.
CP − A experiência como jogador acabou por enriquecer o
treinador?
IS − Sem dúvida. Tem muito mais calma;
tem percepção de que não vale a pena gritar para dentro do campo, quando
o nervosismo dos jogadores não os deixa ouvir uma única palavra dele.
Prefere esperar pelo intervalo ou pelo final do jogo para poder falar
com eles num local onde possam ouvi-lo...
CP − Como é que uma adepta do F. C.
Porto encarou o jogo contra o clube do marido?
IS − Assim que cheguei a Aveiro, alguém
me perguntou: «quem vai apoiar hoje, o F.C.P. ou o Sousa?». Respondi que
o F.C.P. não precisava dessa vitória para conseguir o "penta", por isso
apoiei o Beira Mar.
Aliás, o Porto não tem nada a dizer,
porque o Beira Mar jogou muito bem. Fiquei feliz por ter visto alguns
dirigentes do F. C. P. a cumprimentar o meu marido e a dar-lhe os
parabéns, incluindo Pinto da Costa.
«Adorava ver o Sousa a treinar o F. C. P.»
CP − Sei que conhece Pinto da Costa pessoalmente. Está fora de causa um futuro do António Sousa no F. C. P.?
IS − Eu adorava ver o Sousa a treinar o
Futebol Clube do Porto. Já falámos nisso, eu e o Pinto da Costa, mas
tudo não passou de uma brincadeira.
Penso que o Sousa pode ter uma boa
carreira à sua frente mas, como ele costuma dizer: «devagar,
devagarinho..."
Ainda está tudo a começar e há que ir
com calma e pensar no presente.
CP − O presente é o Beira Mar, a I Divisão e uma época
difícil. Perante isto, porque decidiu António Sousa ficar no Beira Mar?
IS − Ele decidiu ficar. Não é pessoa
que vire costas às dificuldades nem a ninguém. Pensei na hipótese de ele
poder ir treinar outra equipa, por uma questão de prudência, porque
ninguém consegue fazer milagres sem um pouco de sorte. E o Sousa não
quis entrar em loucuras. Prefere que todos os jogadores recebam o
ordenado no fim do mês. Ele sabe que todos têm encargos e que todos
precisamos de dinheiro para viver. Por exemplo, se a Direcção do Beira
Mar resolvesse não pagar aos jogadores, tenho a certeza de que iria ter
um "grande chato" à porta.
CP − O que espera dos sócios do Beira
Mar para esta época?
IS − Espero que todos apoiem a equipa
do Beira Mar, os técnicos e a Direcção. Haverá dias de tristeza, mas
também os haverá de alegria e de vitória. Não é num dia que se chega a
Roma.
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