FIGURAS EM AVEIRO LIGADAS AO DESPORTO

A outra face de António Sousa

Quinta-feira, 1 de Outubro de 1998 – pág. 18 Rui Grave

No início de uma época difícil para o Beira Mar, quisemos saber se é verdade que por detrás de um grande homem está sempre uma grande mulher. Em entrevista exclusiva com Isaura Sousa, ficámos a saber que o homem que treina a equipa de Aveiro não é uma pessoa vulgar.

 

«Ele não queria ser treinador de futebol»

«O meu marido, quando jogava futebol, dizia sempre que nunca viria a ser treinador, que não tinha feitio para isso. Acontece que somos amigos íntimos do Manuel José e do João de Freitas (jornal "A Bola") e foi juntamente com eles que comecei a "montar a tenda" ao Sousa.

Informei-me; o João de Freitas fez um pedido de inscrição, o Manuel José deu um empurrãozinho no momento da verdade e, às tantas, já o meu marido estava de tal modo envolvido na artimanha, que não teve argumentos para resistir.

Começou por treinar a Sanjoanense e agora treina o Beira Mar.

Concluiu, recentemente, o curso de "nível 4", que durou três semanas, custou cerca de 170 contos e foi algo penoso, principalmente devido às aulas teóricas de medicina.

Mas, a grande escola do Sousa tem nome de homem  − José Maria Pedroto.

Foi com ele que o meu marido aprendeu a fazer uma equipa e é a ele que considera o "mestre".

 

«Admiro-o como marido, como pessoa e como treinador»

CP − Como conheceu António Sousa?

IS Nasci em S. João da Madeira e ele também. Sou professora de Educação Física e sempre gostei de desporto. Conheci o Sousa quando ele era ainda jogador da Sanjoanense. Tudo começou por ser uma amizade. Brincávamos um com o outro, tínhamos artigos comuns; sempre com o futebol pelo meio, claro.

CP − O que lhe despertou mais a atenção nele?

IS − Admirei a sua humildade. Ele foi sempre uma pessoa muito simples; nunca foi vaidoso, sempre conversou com toda a gente, enfim, era cativante.

CP − Quem tomou a iniciativa?

IS − Ele diz que fui eu. Na minha opinião, houve um interesse simultâneo.

CP − Namoraram durante quanto tempo?

IS − Cerca de três anos, dos quais os mais difíceis foram os dois que passei em Lisboa a estudar. Nessa altura ele escrevia-me muitas vezes e pedia-me para regressar.

CP − É um poeta?

IS − Não propriamente, mas tem muito gosto pela escrita e eu notava que a nossa separação o afectava muito. Ele conseguia transmitir essa saudade e isso era importante para mim.

CP − E resolveram casar.

IS − Casámos no primeiro ano em que ele veio jogar para o Beira Mar, em Julho de 1978. Hoje, temos dois filhos: o Ricardo, que é sénior do F. C. do Porto, e a Mara, de 15 anos.

CP − Fale-nos de António Sousa como pessoa.

IS − É extremamente simpático. Apesar de ser o que hoje é, não se deixa envaidecer. Por vezes, é mal interpretado porque é uma pessoa muito fechada, muito introvertida, principalmente fora do círculo de amigos.

 CP − E consigo?

IS − Comigo fala muito. Posso afirmar que sou a sua "grande confessora". É a mim que confia as mágoas, os desgostos e as alegrias. É uma das coisas que se exige da pessoa com a quem partilhamos a vida.

 

«Gosta de saber tudo o que a Comunicação Social diz»

CP − O António Sousa é uma pessoa curiosa?

IS − Gosta de saber tudo o que a Comunicação Social diz dele e dos jogos do Beira Mar. Preocupa-se e, por vezes, fica desgostoso com o que é publicado, sobretudo se considera que algo não corresponde à verdade ou que se cometeu alguma injustiça. Até chego ao ponto de tirar notas; ele gosta de saber tudo.

CP − Falou-nos da pessoa; fale-nos um pouco do marido.

IS − (riso) Ele é atencioso, meigo, preocupa-se com tudo o que esteja relacionado com a vida familiar; se está "fora" tem a preocupação de telefonar para casa.

É o Príncipe dos meus sonhos de menina.

CP − O futebol não o faz esquecer a vida familiar?

IS − Fora do estádio, gosta de ouvir as opiniões dos outros e aceita-as. Só das tácticas de jogo é que não abdica; são só dele, pois tem consciência de que a sua decisão foi pensada com calma e que ninguém, melhor do que ele, conhece o plantel.

CP − Ainda recorda o Jogador com saudade?

IS − Claro. Foi um jogador que conseguiu estar presente em todas as grandes provas nacionais e se sagrou campeão em todas elas. Foi campeão europeu, venceu a Taça Intercontinental, esteve no Campeonato Europeu, no Mundial de 86, no México...

 

«Foi uma grande injustiça... o meu marido sofreu calado»

CP − Atingiu todas as metas que poderia atingir?

IS − A minha maior mágoa foi não ter conseguido. atingir os 500 jogos na I Divisão; ficou a 14 jogos de diferença. Estávamos na época de 1994/95 e foi uma grande injustiça que a Direcção do Beira Mar cometeu. Ele tinha dado muito ao clube, estava em final de carreira e o treinador que veio para cá − Filipovic − não teve discernimento nem sensibilidade suficientes para compreender que há momentos de importância vital na vida das pessoas.

O meu marido foi dispensado; ainda jogou no Gil Vicente mas a época não lhe correu bem.

Sei que se tratou de um "caso de Direcção", e que os sócios estiveram fora dele; tanto que o Sousa adora o Beira Mar e só "vê" Aveiro.

Mas, na altura, sei que o meu marido sofreu calado.

CP − Inevitavelmente, o Sousa treinador...

IS − O meu marido tem uma maneira diferente de treinar. Aparentemente, tudo parece simples; ele "brinca" com os jogadores e sabe que a boa disposição é meio caminho andado para obter o que quer deles. Acima de tudo, considera os jogadores seus amigos e não subordinados: Um exemplo: se estivermos a jantar em qualquer lado e entrar um jogador, o Sousa não hesita em convidá-lo para a nossa mesa. É um bom avaliador de pessoas, dá muita importância ao trabalho, ao empenho, talvez mais do que à técnica. Mesmo em casa, tenta incutir esse espírito no filho. Os jogadores costumam dizer que se for necessário até "comem a relva", o que demonstra bem a entrega e a confiança que depositam no meu marido.

CP − A experiência como jogador acabou por enriquecer o treinador?

IS − Sem dúvida. Tem muito mais calma; tem percepção de que não vale a pena gritar para dentro do campo, quando o nervosismo dos jogadores não os deixa ouvir uma única palavra dele. Prefere esperar pelo intervalo ou pelo final do jogo para poder falar com eles num local onde possam ouvi-lo...

CP − Como é que uma adepta do F. C. Porto encarou o jogo contra o clube do marido?

IS − Assim que cheguei a Aveiro, alguém me perguntou: «quem vai apoiar hoje, o F.C.P. ou o Sousa?». Respondi que o F.C.P. não precisava dessa vitória para conseguir o "penta", por isso apoiei o Beira Mar.

Aliás, o Porto não tem nada a dizer, porque o Beira Mar jogou muito bem. Fiquei feliz por ter visto alguns dirigentes do F. C. P. a cumprimentar o meu marido e a dar-lhe os parabéns, incluindo Pinto da Costa.

 

«Adorava ver o Sousa a treinar o F. C. P.»

CP − Sei que conhece Pinto da Costa pessoalmente. Está fora de causa um futuro do António Sousa no F. C. P.?

IS − Eu adorava ver o Sousa a treinar o Futebol Clube do Porto. Já falámos nisso, eu e o Pinto da Costa, mas tudo não passou de uma brincadeira.

Penso que o Sousa pode ter uma boa carreira à sua frente mas, como ele costuma dizer: «devagar, devagarinho..."

Ainda está tudo a começar e há que ir com calma e pensar no presente.

CP − O presente é o Beira Mar, a I Divisão e uma época difícil. Perante isto, porque decidiu António Sousa ficar no Beira Mar?

IS − Ele decidiu ficar. Não é pessoa que vire costas às dificuldades nem a ninguém. Pensei na hipótese de ele poder ir treinar outra equipa, por uma questão de prudência, porque ninguém consegue fazer milagres sem um pouco de sorte. E o Sousa não quis entrar em loucuras. Prefere que todos os jogadores recebam o ordenado no fim do mês. Ele sabe que todos têm encargos e que todos precisamos de dinheiro para viver. Por exemplo, se a Direcção do Beira Mar resolvesse não pagar aos jogadores, tenho a certeza de que iria ter um "grande chato" à porta.

CP − O que espera dos sócios do Beira Mar para esta época?

IS − Espero que todos apoiem a equipa do Beira Mar, os técnicos e a Direcção. Haverá dias de tristeza, mas também os haverá de alegria e de vitória. Não é num dia que se chega a Roma.

 


A esposa

Nascida a 25 de Janeiro de 1956, Isaura Maria Pinho Ferreira de Sousa é mulher, amiga e confidente do "homem-chave" do Beira Mar. Juntamente com António Sousa e os seus dois filhos, vive em S. João da Madeira, numa bonita casa com piscina, onde a família nos recebeu com cortesia.

Depois de um longo e agradável serão, sobrou a sensação de que o sucesso também pode ser sinónimo de humildade.

 

A filha

A Mara é a simpática filha do casal. Tem 15 anos, é estudante e ambiciona transportar uma raquete de ténis na mão direita e um cartão de jornalista, na esquerda. A sua ligação ao pai é evidente na proximidade da relação que os une.

Duas horas de entrevista... abraçados. «Tenho mais razões de queixa da minha mãe do que do meu pai.»

Mara: «O meu pai é o meu maior ídolo; não por ser meu pai, mas por ser como é. Por vezes chama-me a atenção para certas coisas, mas penso que é essa, também, a função dos pais.

Sinto necessidade de lhe mostrar que também tenho algum valor. Gostava de ser tenista e treino há dois anos, mas não quero que os meus pais me vejam jogar, por enquanto. Também gostava de ser jornalista».

 

O filho

Ser filho de António Sousa é um privilégio que se paga em tributo de responsabilidade. Aos 19 anos, Ricardo é sénior do F. C. do Porto; treina afincadamente para fazer parte dos 16 convocados e procura no valor próprio um futuro como o do pai.

«Em casa, raramente falamos de futebol.»

Ricardo: «já fui treinado pelo meu pai, na Sanjoanense, e sempre senti nele um treinador exigente dentro do campo. É uma pessoa muito calculista, muito calma, e consegue transmitir essa calma aos jogadores, sem se tornar autoritário, Para mim é um exemplo e um ídolo. Está a começar a carreira de treinador e, este ano, já conseguiu três pontos muito importantes. Pena que tenha sido contra o Porto.»

 

 

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