Retalhos das Memórias de um ex-Combatente


Rebenta minas!

Foi-nos há dias entregue na Companhia um aparelho esquisito, a que chamaram “rebenta minas”. Foi uma surpresa. Era uma viatura Unimog, à qual estava ligado uma espécie de cabeçalho tendo, ligada na ponta, uma travessa que formava um “T” com o cabeçalho. Nessa travessa estavam montadas seis rodas com amortecedores. Estas rodas eram cheias de água para serem mais pesadas para, segundo os entendidos, facilitar o rebentamento da mina no caso de o rodado passar por cima dela.

Toda a gente o foi ver, aproveitando para fazer o seu comentário.

Reparei que a manobra do “caranguejo” era comandada por um volante montado à direita do volante da viatura, por meio de cabos de aço, que se ligavam do volante ao “T”.

Olhei para as rodas. Só tinham movimento na vertical. “Mau, como é que esta geringonça muda de direcção ao chegar a uma curva?!”

O Sargento mecânico resolveu experimentar a novidade, para ver como aquilo era! Ele ao volante da viatura, diz-me:

– Comanda tu o aparelho, que tens bom físico; eu conduzo o Unimog.

E lá fomos nós. Saímos do acampamento e dirigimo-nos ao campo de futebol, com a maralha atrás para ver como era!

Enquanto fomos a direito, tudo correu bem. O pior foi quando o Lino resolveu ir dar uma volta! Aí foi o cabo dos trabalhos...

– Pára… pára… pára... páááára! – Gritei.

Mas não fui a tempo. O Lino bem que virou a direcção do Unimog mas o “caranguejo” tinha que ser arrastado lateralmente pelo outro volante e eu não consegui arrastá-lo. Lá foi a baliza ao chão!

Fiquei estupefacto. Quando vi o rebenta minas ser-nos entregue com toda a pompa e circunstância, transportado por uma viatura civil, julguei que fosse outra coisa. Todos pensámos que seria uma coisa operacional. Afinal logo à primeira experiência desiludiu-nos, e a baliza do campo de futebol é que as pagou!

Esta experiência demonstrou duas coisas:

1ª – Este sistema era de difícil manobra. Poderia por exemplo ter sido instalado numa GMC, viatura mais pesada com um sistema que ao chegar à curva o levantava, voltando a pousá-lo depois de a curva ter sido feita. Não esquecer que o inimigo nos observava e passaria a pôr as minas nas curvas da estrada, e lá se ia tudo pelo ar. A geringonça levantava, a viatura fazia a curva, e antes que o aparelho pousasse no chão já a GMC tinha ido pelos ares!

2ª – O aparelho continuaria montado no Unimog mas os Comandos em vez de mecânicos teriam de ser hidráulicos para facilitar a manobra.

Haveria ainda a possibilidade de aproveitamento do material existente. Bastava alterar a fixação das rodas, permitindo que elas também se movessem para a esquerda e para a direita, como a direcção de qualquer viatura. Tínhamos, então, a manobra facilitada.

Mas isto foram conjecturas de Sargentos, depois da experiência feita. E quem somos nós para nos permitirmos pensar melhor do que os “crânios” do “ar condicionado”? Nós só temos a prática. Mais nada! Eles é que sabem pensar... pensam eles!

O assunto deve ter sido devidamente estudado por Suas Excelências, sentadinhas à secretária, bem acomodadas pelo “ar condicionado”, por causa do calor. Naturalmente de régua e esquadro em punho, passando para o papel aquilo que as suas iluminadas cabeças lhes ditavam.

Aquela geringonça foi aprovada e mandada executar. O resto não era com eles. Os que andavam na mata que se desenrascassem.

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O rebenta-minas da CCE 306, em Pangala

 

Quando formos ao reabastecimento a São Salvador, espero que não nos obriguem a levar este monstro. Mais vale o “picanço”!