Artur Jorge Almeida, Casas Nobres de Aveiro: Casa dos Morgados da Pedricosa, In: "Boletim da ADERAV", n.º 1,  Janeiro de 1980, pp. 17-18.

Casas Nobres de Aveiro
I - Casa dos Morgados da Pedricosa


Poucos são já os exemplares de casas nobres existentes em Aveiro. A arquitectura senhorial nunca atingiu, na zona litoral do país, uma importância elevada, quer pelo número, quer pela qualidade artística. É certo que existem bons exemplares, inclusivamente na Região de Aveiro, como por exemplo as casas dos Condes de Carvalhais e dos Marqueses da Graciosa. Tais exemplos são, contudo, excepções.

Em Aveiro, grande número das casas nobres desapareceu, entre elas as mais importantes. Importa pois inventariar as existentes e investigar a História a elas ligada.

Para iniciar este trabalho, escoIhemos um edifício de alto valor para a História de Aveiro. Trata-se da casa dos Morgados da Pedricosa, existente na Rua de Santa Joana Princesa.

É um pequeno paço, do primeiro terço do séc. XVIII, de fachada relativamente simples, mas de agradável aspecto estético, enquadrada por pilastras toscanas e cimalha da mesma ordem; no andar nobre, quatro sacadas de lintel, friso e cornija, bacias com dois cachorros, grades de varões anelados. Os vãos inferiores foram modificados sem que, contudo, o seu carácter fosse prejudicado.

A meio da fachada o seguinte brasão esquartelado: o I e IV com as armas dos Eças; o II e III com quatro bandas. Como diferença pessoal uma brica carregada de flor de lis. Elmo, paquife e timbre do primeiro. O II e III quartéis correspondem às armas dos Botelhos.

O interior da casa encontra-se guarnecido com preciosos painéis de azulejo, oitocentistas, de temática histórica.

Pertenceu, segundo o genealogista Moura Coutinho, a um ramo dos Eças de Santa Comba Dão. Era seu proprietário José Maria de Sá Barreto de Eça e Noronha, o qual casou com D. Maria do Carmo de Lima Praça, filha de José Basto da Maia Pereira e de sua mulher, D. Custódia José de Lima Praça. Tiveram um filho de nome António de Sá Barreto de Eça Figueira e Noronha (que era presidente da Câmara de Aveiro quando se procedeu à compra, em 1851, da marinha denominada Rossia, com o fim de ampliar e regularizar o Campo do Rossio) o qual casou com D. Henriqueta Emília da Luz, filha de Joaquim Martins da Luz, bacharel em Direito, capitão de fragata graduado, cavaleiro das Ordens de Cristo e de Avis, e de sua mulher D. Justa Rufina de Mascarenhas. António de Sá Barreto teve duas filhas: D. Maria Bárbara da Luz de Eça e Noronha, casada com Clemente Pereira Gomes de Carvalho, professor liceal e reitor do Liceu de Aveiro de 1869 a 1871, sem geração, e D. Adelaide Emília da Luz de Eça e Noronha, que foi mulher de José Maria Pereira de Couto Brandão, de Estarreja, de família nobre e que foi 1.º oficial do Governo Civil de Aveiro, os quais tiveram geração.

O referido José Maria de Sá Barreto de Eça e Noronha foi filho de José Joaquim de Sá Barreto de Eça, que casou em Angeja com sua prima D. Francisca Liberata de Figueiredo Mourão, filha herdeira do Desembargador dos Agravos da Casa da Suplicação, Manuel Mourão Botelho Figueira e de sua mulher D. Josefa Mourão, de Vila Real, e neto paterno de José de Sá Barreto, professo na Ordem de Cristo e Desembargador da Relação do Porto, e de sua mulher D. Teresa.  

Brasão existente a meio da fachada da casa dos Morgados da Pedricosa, na rua de Santa Joana Princesa, em Aveiro.

Esta D. Teresa era filha de D. António de Eça, que serviu no regimento da praça de Almeida, em 1702, e foi capitão-mór de Santa Comba.

Nesta casa viveu o Desembargador Francisco Manuel Gravito da Veiga e Lima, o qual nasceu em Lisboa em 1776 e era filho do Desembargador Francisco António Gravito Simões da Veiga e de sua mulher D. Antónia Benedicta de Lima. Em 1870, com a nomeação de seu pai para o cargo de Superin­tendente das Obras da Barra, veio para Aveiro.

Francisco Manuel Gravito casou com D. Mariana Teixeira Pinto de Azevedo Cabral e dela teve uma filha, D. Maria Emília Teixeira Gravito, nascida a 31 de Janeiro de 1813, a qual casou com Francisco Infante de Lacerda de Sousa Tavares, irmão dos 1.0 e 2.0 Barões de Sabroso, de quem não houve geração. Com a morte desta, em Lisboa, a 26 de Fevereiro de 1894, acabou a família dos Gravitos, pois seus tios António José e João Crisóstomo morreram solteiros e sem geração. Francisco Manuel Gravito foi fidalgo da Casa Real, Desembargador dos Agravos da Casa da Suplicação, Corregedor Cível da Corte e Deputado.

Foi nesta casa que se realizou, a 15 de Maio de 1828 (conforme refere o Dr. António Christo), a reunião a que assistiram o Desembargador Joaquim José de Queirós, o Coronel José Júlio de Carvalho, Francisco António de Abreu e Lima e Francisco Silvério de Magalhães Serrão e onde foi resolvido iniciar, em Aveiro, no dia imediato, a revolução liberal contra as pretensões do Rei D. Miguel I. Convém notar que, na madrugada do dia 16, houve outra reunião, esta em casa do Corregedor Abreu e Lima, com a presença de Rocha Colmieiro, Queirós, Serrão e José Júlio de Carvalho, onde foram tomadas as últimas decisões e dado o início à movimentação de tropas.

Com a derrota deste movimento, foi Gravito preso por um oficial de caçadores, em Julho de 1828, na casa a que nos temos vindo a referir, dando entrada nas cadeias da Relação em 10 de Agosto do mesmo ano. Após um julgamento bastante tumultuoso, foi condenado a ser levado pelas ruas públicas do Porto, com baraço e pregão, até à Praça Nova, onde seria enforcado e, depois disso, lhe seria cortada a cabeça para ser afixada no lugar do delito. Ser-lhe-iam, também, confiscados todos os bens. A sentença foi executada a 7 de Maio de 1829, sendo a sua cabeça exposta em frente da Casa da Câmara de Aveiro.

Embora Gravito habitasse esta casa da Rua de Santa Joana Princesa, (outrora chamada de Jesus e anteriormente de Nossa Senhora, tendo chegado mesmo, com o advento da República, devido ao feroz anti-clericalismo em que esta foi fértil, a chamar-se de Miguel Bombarda), foi posto o nome de Rua do Gravito à antiga Rua de S. Paulo. Nessa rua existe uma casa que foi mandada fazer pelo pai de Gravito, a qual era morada de seu irmão António José, casa esta que foi comprada por Francisco Manuel Couceiro da Costa. A ela nos referiremos em próximo artigo.

A casa da Rua de Santa Joana Princesa veio a pertencer a Carlos da Silva Mello Guimarães, depois à Sociedade Testa & Amadores, seguidamente a Amadeu Augusto Amador, sendo recentemente adquirida pela Câmara Municipal de Aveiro aos herdeiros deste último, pelo que, desde já, apelávamos no sentido de que as obras a realizar e futura utilização tivessem em conta o alto valor histórico que a esta casa anda associado.

ARTUR JORGE ALMEIDA

Página anterior   Página inicial   Página seguinte