Aida Viegas, Abandonar Angola. Um olhar à distância. Aveiro, 2002, pp. 7-8.


Um Olhar à Distância

A distância no espaço e no tempo apaga a dor e a revolta, clarifica o discernimento, estabiliza, e deixa que floresçam novas esperanças no nosso olhar que pode ser selectivo ou abrangente, transmitir raiva ou ternura, inconformismo ou resignação ... Feitiço, lenda, realidade, pesadelo e ... saudade!... Tudo é Angola.

A Angola do verbo abandonar conjugado a doer tem profundas cicatrizes cujo testemunho, “a geração dos retornados,” não poderia deixar de legar...

 

Dado o poder que nos assiste de nos indignarmos, e pretendendo não tanto ajuizar sobre a gestão da culpa nem tão pouco analisar questões políticas mas antes relatar um pouco do drama vivido pelos civis que, estando em Angola, foram espoliados de seus haveres, com risco de suas próprias vidas, procurámos retratar a tragédia e o desespero vividos por tantas famílias reduzidas à mais ínfima miséria, tantos seres humanos destroçados psicologicamente, corridos da terra que ajudaram a defender e a progredir e recebidos com tão grande hostilidade na terra que os viu nascer.

 

Patenteando a sensação de que Angola, tal como a lendária Atlântida, se sumiu, não da crosta terrestre mas sim do rol das preocupações do mundo, questionamos a razão pela qual os Angolanos continuam a ser trucidados por granadas que semearam na sua terra em lugar de pão, massacrados, desenraizados de suas casas, desmembradas as suas famílias, ou mortos do modo mais ignóbil, à fome, numa terra onde tudo cresce quase espontaneamente, através de uma guerra da qual não se vislumbra o fim.

 

A descolonização portuguesa ultrapassou tudo o que se poderia imaginar, os acontecimentos sucederam-se de modo tão imprevisível que mais pareciam ficção.

 

Na nossa narração a imaginação insistiu tanto que acabou por entrar neste ou naquele espaço mais ou menos ficcionado; mas eis que sentimos haver saldado uma dívida que tínhamos para com aqueles que, não tendo vivido estes tempos em Angola, os julgavam sem terem ouvido um testemunho. Poderemos de agora em diante reiniciar um velho hábito de viver a saborear a vida, pese-nos embora a certeza de que há guerras que não mais acabam dentro de nós...  


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