Papel das Ciências Sociais e Humanas
na escola e na sociedade hoje
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Alcino Cartaxo   
Coordenador do Departamento de Ciências Sociais e Humanas

 

«Nunca, no decurso da história humana, foram postos à disposição de uma geração de homens tantos meios intelectuais e instrumentais. No entanto, a dificuldade de agir sobre um mundo instável e mal conhecido, naquilo que ele tem de totalmente novo, e a fraqueza dos poderes aparentes face aos novos poderes mais secretos nunca foram tão manifestos. Nunca o universo da imagem foi mais desenvolvido e, no entanto, essa expansão da transparência é enganadora. Por trás da maior visibilidade esconde-se o poder sobre a construção social e cultural da realidade. Nunca os meios de conhecimento, os acessos directos aos distribuidores do saber foram tão diversificados e tão aperfeiçoados. E, no entanto, a incerteza, a procura de pontos de referência, a inquietude provocada pelas falhas do sentido, afectam intensamente a experiência dos nossos contemporâneos.» (Georges Balandier, Le Désordre, Le Dédale, Conjugaisons)

 

Estamos numa encruzilhada, onde a mudança é a certeza que nos atrevemos a testemunhar. Neste desconforto, caminhamos, cada vez mais rapidamente, de uma sociedade da informação para uma sociedade do conhecimento. A escola deve transmitir cada vez mais saberes e um saber-fazer evolutivos, adaptados à civilização do conhecimento, como bases das competências do futuro. À educação cabe fornecer os instrumentos de que os jovens necessitam para uma apreciação crítica de um mundo complexo e turbulento. É necessário que ela disponibilize saberes que sirvam aos jovens para uma adequada integração e reintegração nas oportunidades diversas e múltiplas que a vida vai mostrando e pondo à disposição desta geração. Para tal, deve organizar-se em torno de algumas aprendizagens fundamentais, tais como: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver em comum, aprender a ser. Esta integra as três precedentes e apresenta algumas referências e preferências :

·        desenvolvimento da pessoa

·        educação para a autonomia e para o pensamento crítico, o que remete para a descoberta e para a experimentação;

·        educação para uma cultura da paz, da não-violência e da cooperação;

·        construção de jovens cidadãos.


Por outro lado, não podemos desligar do desenvolvimento de consciências plurais e tolerantes, consciências capazes de objectivar os conceitos de respeito e de democracia nas práticas quotidianas. Neste espaço de construção de valores e de consolidação de consciências sociais e críticas, as Ciências Sociais e Humanas poderão prestar um serviço relevante. E isto na medida em que se trata de um território multidisciplinar atento à realidade passada, presente e futura, onde o singular e o universal se cruzam e estabelecem diálogos fecundos e abertos. Nas palavras de Prigogine, estamos no “fim das certezas”, ou na “era da incerteza”, nas palavras de Charles Andy. Mas tal não nos condena à descrença e ao sentimento da incapacidade. O ser humano é capaz de encontrar as saídas oportunas e adequadas. Porque não estamos reféns de um determinismo estrito e absoluto, como se nos tornássemos prisioneiros das armadilhas do tempo e dos contextos sociais, políticos, culturais, ideológicos, económicos. É verdade que somos condicionados, interna e externamente, por factores múltiplos, por circunstâncias multiformes, mas também é verdade que o ser humano é dotado de capacidades suficientes para decidir e escolher , para optar e comprometer-se com o seu mundo. O lugar das Ciências Sociais e Humanas, na construção de futuros e na organização de vias de acesso a outros mundos mais humanizados e mais dignos do ser humano, é, hoje, um activo na contabilidade deste universo. Num tempo em que o imediatismo e o instantâneo, em que a noção de tempo se perdeu no espectáculo dos acontecimentos mostrados no momento, em que a tirania do tempo presente nos esconde as janelas para o passado e para o futuro, o papel das Ciências Sociais e Humanas não pode limitar-se a uma mera constatação.

Estas Ciências não se limitam à construção de um conjunto de conhecimentos. Estes conhecimentos são portadores de sinais indicadores de realidades, de universos, de espaços, de apelos. Os dados trazidos à superfície são outros tantos convites à transformação de mentalidades e de comportamentos, são outros tantos compromissos que o cientista deve assumir como atitude resultante das investigações e do conhecimento produzido. São outros tantos convites à acção, à assunção do papel de porta-vozes de um universo de exclusões. As Ciências Sociais e Humanas devem assumir o papel de advogados dos queixosos, dos dominados e dos excluídos de toda a ordem, devem desempenhar o papel de advogados de defesa, denunciando arbítrios e advogando necessidades. Este território pronuncia, ou deve pronunciar, o discurso dos subúrbios, dos subterrâneos, deve fazer falar os sem voz, deve dar lugar aos silêncios. Elas são os tradutores do processo social e humano no seu conjunto, são o campo das culturas revisitadas. Na linguagem de Boaventura Sousa Santos, elas, as Ciências Sociais e Humanas, procuram a produção de um conhecimento-emancipação e não tanto de um conhecimento-regulação, pois o “o conhecimento-emancipação não aspira a uma grande teoria, aspira sim a uma teoria da tradução que sirva de suporte epistemológico às práticas emancipatórias, todas elas finitas e incompletas e, por isso, apenas sustentáveis quando ligadas em rede”.

Muito embora o esforço de separação de campos constitua um objectivo sempre vivo na coisa científica, este é um terreno onde se nota uma grande dificuldade em estabelecer uma linha de demarcação entre juízos de valor e juízos de facto. Este continente científico não é um espaço neutro. Todos nós somos portadores de um universo social, cultural, humano e ideológico que conduz à feitura de discursos e de linguagens nem sempre facilitadores da objectividade científica. Somos todos filhos do tempo. A Ciência devolveu, nos contextos da contemporaneidade, o sujeito à sua pátria que é constituída pela multidão de objectos e de eventos, de acontecimentos e de situações, que fervilham no nosso espaço comum. Não confundamos, porém, a objectividade e a cumplicidade pessoal com o mundo que habitamos e interiorizámos.

A objectividade destaca-se na aplicação rigorosa e sistemática das metodologias adequadas que permitam a identificação dos pressupostos, dos preconceitos, dos valores e dos interesses subjacentes a toda a investigação científica. Mas não deduzamos, daqui, o não reconhecimento do direito/do dever legítimos de o cientista tomar posição e assumir os compromissos e as consequências dos resultados do seu trabalho. Todo o conhecimento é contextualizado pelas sua condições sociais de produção e, por isso, ele só progride se puder transformar, positiva e progressivamente, tais condições. É nesta lógica de sentido e de acção colectiva que as ciências sociais e humanas não podem deixar de contribuir para a construção de espíritos capazes de não olhar, apenas, a realidade, mas de confirmar a sua capacidade de agir e de transformar, de assumir compromissos, de tomar posição. Com estes pressupostos, as ciências sociais e humanas poderão agir sobre os indivíduos no sentido de produzirem comportamentos “inconformistas” e atentos à necessidade comprovada da mudança. É este o caminho das Ciências Sociais e Humanas, sob pena de se encolherem nos seus nichos e de lá se limitarem a uma comprometedora piscadela de olho.

Avancemos, para que conste, alguns dados recentes (fonte: Boaventura Sousa Santos, 2000):

No que respeita à promessa da igualdade, os países capitalistas avançados detêm 21% da população mundial, mas controlam 78% da produção mundial de bens e serviços e consomem 75% de toda a energia produzida. Os trabalhadores do Terceiro Mundo do sector têxtil ou da electrónica ganham 20 vezes menos do que os trabalhadores da Europa e da América do Norte na realização das mesmas tarefas e com a mesma produtividade. Dos anos 80 até aos nossos dias, a alimentação disponível nos países do Terceiro Mundo foi reduzida em 30%. A área de produção de soja no Brasil, porém, daria para alimentar 40 milhões de pessoas se nelas fossem cultivados milho e feijão. Mais pessoas morreram de fome no séc. XX do que em qualquer dos séculos precedentes. A distância entre países ricos e países pobres  e entre ricos e pobres no mesmo país não tem parado de aumentar. No que respeita à liberdade, a violação dos Direitos Humanos em países democráticos e em paz assumem proporções preocupantes. Quinze milhões de crianças trabalham em regime de cativeiro na Índia. Os incidentes raciais na Inglaterra aumentaram 276% entre 1989 e 1996. A violência sexual contra as mulheres, a prostituição infantil, os meninos da rua, os milhões de vítimas de minas anti-pessoais, a discriminação contra os toxicodependentes, os portadores de HIV ou os homossexuais, os julgamentos de cidadãos por Juizes sem rosto na Colômbia e no Peru, as limpezas étnicas e os chauvinismos religiosos, jornalistas mortos ao serviço da informação, são apenas alguns exemplos da liberdade amordaçada. A promessa da paz não tem encontrado eco nos corredores do poder. Entre o séc. XVIII e o séc. XX, a população mundial aumentou 3.6 vezes, enquanto os mortos na guerra aumentaram 22.4 vezes. A queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria parecia trazer uma esperança de paz, mas o resultado foi o aumento de conflitos entre Estados e no interior dos Estados. Em relação às condições ecológicas, nos últimos 50 anos, o mundo perdeu cerca de um terço da sua cobertura florestal; as empresas multinacionais detêm, hoje, direitos de abate de árvores em 12 milhões de hectares da floresta amazónica. Um quinto da humanidade já não tem, hoje, acesso a água potável.

Um conjunto de dados que nos obriga a questionamentos críticos sobre a natureza moral da sociedade que habitamos. E estas interrogações carecem de respostas. O filósofo alemão Horkheimer dizia que “a razão não pode ser transparente para consigo mesma enquanto os homens agirem como membros de um organismo irracional”. Por isso, a luta por objectivos emancipatórios deve preencher a nossa agenda, deve estar em permanente estado de alerta no contexto das Ciências Sociais e Humanas.

Somos cidadãos de um mundo onde o humano e o natural precisam, cada vez mais e urgentemente, de restabelecer o diálogo rompido há muitos anos. Estamos certos de que este universo de saberes não deixará de estar atento à viagem no tempo de todo este mundo que os nossos olhos observam e com o qual conversam no dia-a-dia. Não se trata, de forma nenhuma, de uma reificação deste continente curricular, até porque, neste particular, nenhum saber instituído poderá ignorar os apelos do quotidiano. Ou não trabalhamos todos, todos mesmo, para a construção de uma Terra mais confortável e mais humanizada, não obstante a fragmentação disciplinar dos saberes?

A imensidade de problemas que, hoje, nos coloca a cultura contemporânea, onde a sociedade do espectáculo faz do homem a vedeta principal, onde a banalização dos afectos e da intimidade se anunciam como produto mercantilizável, apela, apela-nos, para um trabalho colectivo, cada vez mais colectivo, onde os saberes, não abdicando das suas fronteiras, estabeleçam relações de boa vizinhança. O retorno à nossa casa comum está na ordem do dia.

As Ciências Sociais e Humanas pertencem ao conjunto dos saberes que olham a realidade de um forma universal, mas também plural. Isto deve-se, sabemo-lo bem, ao facto de a realidade sobre que estes saberes trabalham ser um produto das práticas históricas, portanto, sociais, do homem/dos homens e das mulheres. Daqui, decorre a essencial pluralidade de perspectivas e de mundividências de que a história se faz eco. Somos herdeiros de uma fragmentação ideológica que se traduz na diversidade e na multiplicidade de olhares sobre o mundo que habitamos. Porque fruto de um universo epistemológico marcado por referências múltiplas, constituem um espaço de polémica, de conflitualidade, de difíceis consensos, mas também de contínua auscultação da realidade presente, da mesma realidade. É, assim, este nosso continente, assumido na sua diferença e na sua liberdade, na procura de diálogos e dos consensos possíveis.

Sabemos como está a situação destes saberes, na sociedade contemporânea. O imediatismo, a invasão do espaço social e humano pela técnica e a consequente tecnicização do pensamento, a afirmação de valores ligados ao culto da imagem e do consumo, são, em certa medida, obstáculos à cidadania plena das Ciências Sociais e Humanas. A escola, um microcosmos social, não esconde essa tendência. Como inverter esta realidade, esta tendência? Uma pergunta que não terá, por certo, resposta a breve prazo.

Não nos pretendemos arautos de coisa nenhuma, muito menos de um pensar único e exclusivo, mas convenhamos que estes saberes abrem oportunidades críticas, exploram vias de acesso ao universo/aos universos humanos, sociais, culturais e ideológicos, sobre as realidades de um mundo em acelerada quanto perigosa mundialização.

Entremos, por momentos, no universo das Ciências que preenchem as cadeiras disciplinares deste território curricular.

Todo o ser humano é palco de um coração que pula e que simboliza o espaço da afectividade, feito de desejos e de sentimentos. Que o diga a Psicologia que abre pistas de acesso a um auto-conhecimento, desvelando conflitos e contradições, compreendendo atitudes e comportamentos. A Psicologia, ao debruçar-se sobre a conduta humana, proporciona um melhor conhecimeno pessoal e social, o que se revela de uma presença indispensável em investigações que respeitem à coisa social, em colaboração com as outras ciências sociais. Mesmo porque a Psicologia do Trabalho, a Psicologia das Organizações, a Psicologia da Educação, a Psicologia Clínica ou do Desenvolvimento, etc., aí estão para o confirmar. Sabemos, aliás, do campo de intervenção desta ciência. Sabemos das solicitações que a sociedade actual dirige ao campo da Psicologia. Sabemos da procura, cada vez mais intensa, das múltiplas valências da Psicologia. A Escola está, como seria de esperar, no grupo dos grandes consumidores da Psicologia.

Por sua vez, o trabalho filosófico centra, predominantemente, a sua atenção num ser portador de um pensamento que lhe permite a relação cognitiva e reflexiva consigo mesmo e com o mundo que o envolve, orientando para o questionamento pessoal, para o comportamento dialógico, para uma leitura atenta do mundo de hoje, na busca de um sentido para as coisas que gravitam nesta nossa pátria comum. A Filosofia não pode deixar de se assumir como um bloqueio ao exercício sistemático da irracionalidade que sempre espreita a sua oportunidade nas brechas esquecidas ou intencionalmente fabricadas pelas sociedades contemporâneas, isto é, urge preservar a razão enquanto capacidade lógica de argumentação a partir da realidade observável. De qualquer modo, esta razão não detém o monopólio do saber. Há outras leituras e outras interpretações. Há outras racionalidades. À Filosofia cabe, porém, organizar o pensamento global, reflectindo as conjunções e as disjunções da multiplicidade de eventos que o nosso quotidiano produz. Não somos os donos, muito menos os polícias, da reflexão. Não há monopólios da razão, não há monopólios do pensamento. Mas podemos, através das oportunidades que pudermos e soubermos promover, desenvolver e despertar uma outra consciência do real, uma outra forma partilhada de ler o real, o “nosso” real colectivo.

A Geografia situa-nos no espaço, abrindo acessos à compreensão e à organização do Planeta, um universo onde os seres humanos estabelecem relações cada vez mais complexas com a natureza e consigo mesmos, com o espaço cultural; coloca o ser humano no centro das suas preocupações, tem em conta as preocupações e inquietações do mundo actual, presta um bom serviço à coexistência territorial do conjunto das ciências sociais e humanas.

A História situa-nos no tempo, procurando revelar o que foi a evolução do homem no seio de culturas. O tempo é, hoje, a dimensão que une o universo e, ao mesmo tempo, constrói o diverso e o mantém. O olhar da história saberá estabelecer o diálogo entre passado, presente e futuro. A nossa memória colectiva passa por este território e chegará até nós para que saibamos que fomos, somos e seremos. Esta dimensão temporal, tal como a referência espacial, não pode deixar de interessar a todas as ciências sociais dadas as contextualizações de que os fenómenos sociais e humanos são devedores. Só a história pode desocultar as coordenadas temporais dos fenómenos estudados pelas Ciências Sociais e Humanas no seu conjunto, como fornecer os caminhos trilhados pelo homem e pela mulher ao longo do tempo/dos tempos. Todos somos devedores do trabalho da história e do historiador.

A Economia ocupa-se da produção, circulação, repartição e consumo das riquezas, sob o aspecto material simbolizado pelo dinheiro, e sob o aspecto humano simbolizado pelo trabalho, participando no desenvolvimento dos povos. Ela sabe que os desequilíbrios económicos existem ao nível do Planeta. É seu campo de trabalho a participação na construção de modelos de desenvolvimento que possam gerar consciências atentas e capazes de distinguir o que serve e o que não serve ao ser humano. Por isso, poderá prestar um papel significativo na promoção de uma consciência crítica ao nível da denúncia de situações precárias e de exclusão.

As transformações da democracia contemporânea não se devem tanto ao desenvolvimento do papel efectivo do Juiz, mas, antes, à importância do espaço simbólico que este tem vindo a ocupar, ou seja, à própria possibilidade da sua intervenção. O espaço simbólico da democracia emigra, silenciosamente, do Estado para a Justiça. Perante as falhas do poder, a esperança passa para a justiça. Actualmente, qualquer cidadão pode recorrer à justiça quando se sente lesado. Pode mesmo dizer-se que o Direito deixou de ser o instrumento da manutenção para ser o da contestação: surge como a fonte de uma sociedade que se constitui na procura de si mesma.

A Política abre a via de acesso do cidadão aos diferentes níveis da organização social, procura construir caminhos de integração do cidadão na vida social, cultural e política, procura situar o indivíduo no lugar social que lhe cabe por direito e por dever. A Política diz respeito ao cidadão num Estado que organiza a vida colectiva. É, nas palavras de alguém, a ciência da liberdade. É também o espaço de exercício da liberdade e da cidadania.

A Sociologia lança o seu olhar sobre a sociedade, procurando, através de uma confirmação da situação, apresentar novos cenários que promovam, de facto, bem-estar e conforto existencial. Procura compreender o comportamento do homem nos diferentes níveis de inserção: grupo, organização, instituição, civilização, sociedade global, e nos diversos meios de vida: família, trabalho, tempos livres, religião, comunidade, etc. A Sociologia constitui uma encruzilhada de saberes, propondo estudos a outros campos da actividade humana: científica, cultural, social, artística, humanística, de lazer, educacional, política, etc. Neste domínio do saber, poderão abastecer-se outros saberes. Por isso, esta disciplina escolar presta um serviço relevante, quer enquanto promotora de uma consciência esclarecida da sociedade, quer enquanto fabricante de alternativas de desenvolvimento e de perspectivas sociais. Ela constrói cenários “produtores” de uma mentalidade de mudança e de inovação a todos os níveis da vida do cidadão.

Nas palavras de Wittgenstein, «crer em Deus significa ver que a vida tem um sentido». Na verdade, a experiência da contingência, da incerteza, da insatisfação dos desejos, da angústia, da morte, da sua finitude e da sua impotência, vai conduzir o homem para além do quotidiano, do imediato, para além da pura sobrevivência. Aqui, entra a Educação Moral e Religiosa. Para além da sua dimensão de transcendência, é, também, um fenómeno histórico, universal, cultural e social, não abdicando das suas coordenadas espácio-temporais. Neste sentido, ela não pode ignorar os contributos das ciências sociais e humanas para reforçar conhecimentos e contextos. Mas os outros ramos do saber sabem, também, que a religião existe. E que, em muitas circunstâncias das suas investigações, solicitam o fenómeno religioso como alternativa ou como resposta. O fenómeno religioso acompanhou o homem desde o começo do tempo e ele aí está para participar na construção de sentido/de sentidos do mundo , do homem, da vida.

A Contabilidade e Administração de Empresas tem um papel importante na organização de saberes indispensáveis para a formação do cidadão consciente de si enquanto portador de responsabilidades no campo das suas obrigações cívicas. O Saber fazer é uma das marcas presentes nos nossos objectivos educacionais. Por isso, cabe-lhe um papel insubstituível no desenvolvimento de consciências cidadãs. O conhecimento dos nossos direitos e deveres como suportes da nossa cidadania constitui uma parte importante da formação pessoal, social e cívica. Num tempo em que se traz para a ribalta o problema da literacia/iliteracia, há informações e saberes que ajudam o indivíduo a desenvolver a autonomia e a consciência do que deve ou não deve fazer, do que pode ou não pode fazer, do que são os seus direitos e deveres enquanto cidadão.

Com todos estes saberes e estes contributos, lançámo-nos na construção de um guião que nos possa levar à criação de um Clube da Cidadania. Um trabalho que nos tem ocupado algum tempo, que nos tem proporcionado momentos de discussão e de análise dos diversos assuntos envolvidos, mas que, também, nos tem mostrado que é possível encontrar intersecções na procura de saberes que, a pouco e pouco, foram preenchendo os “espaços vazios” de um projecto colectivo.

Finalizemos com Brecht

Nunca digam - isso é natural!  
Diante dos acontecimentos de cada dia.  
Numa época em que reina a confusão,  
Em que corre o sangue,  
Em que o arbitrário tem força de lei,  
Em que a humanidade se desumaniza...  
Não digam nunca: isso é natural!  
A fim de que nada passe por ser natural!


Bibliografia referenciada

1.      Maccio, Charles (1998), As Ciências Sociais em Movimento. A Humanidade perante a Mudança, Lisboa, Instituto Piaget.

2.      Santos, Boaventura Sousa (2000), Porque é que é tão difícil construir uma Teoria Crítica?, Revista de Comunicação e Linguagens, nº 28 (Outubro), pp. 83-99.

3.      Spire, Arnaud (2000), O Pensamento Prigogine, Lisboa, Instituto Piaget.

4.      Valadier, Paul (1997), A Anarquia dos Valores. Será o Relativismo fatal?, Lisboa, Instituto Piaget.


* Texto apresentado no Conselho Pedagógico da Escola Secundária José Estêvão de Aveiro, em 28 de Março de 2001.

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