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Encontros - Júlio Resende e Vasco Branco



VASCO BRANCO — A CIDADE DE TODAS AS COISAS

 

Tenho um amigo que diz, recorrentemente: «se tivesse nascido em Aveiro teria sido pintor». Seria uma frase mais não se desse o caso de ter nascido em Aveiro e efectivamente ser pintor. Creio que, neste surrealismo, produto de uma mesa-de-cabeceira forrada a Boris Vian, o alcance das suas palavras vão para Vasco Branco, ou melhor, para o que ele representa. 

Dentro do real que cada um comporta em si, casos pessoais há, em que a ficção de todas as parábolas do mundo e da nossa condição humana estão presentes numa só pessoa. Vasco Branco encerra em si a multiplicidade dos seres, a origem do homem, a diversidade de todas as coisas e tudo. A pintura, a literatura, a música, o cinema são a vida em si própria. Nada mais há para além disto. Tudo o resto são fragmentos, irreconhecíveis no tempo, incapazes de ligarem épocas, associarem gente.

Ser tudo é muitas vezes ser nada. Esbatida nos pormenores, rigores e conceitos da especialização, argumento tecnocrático do conhecimento, ser tudo pode, porém, ser mais do que isso. Pode ser universal entre nós, representar todas as coisas sem ser sacro. Aglutinador no turbilhão de momentos em que, acredito, todos os pensares dão à costa em simultâneo, mundo ingerível, impossibilidade total. Outros momentos, parece que tudo coube, algures em lugar que não se sabe, lugar tranquilo dos sentidos e do desenho.

Transformar o caos em beleza tem sido uma das suas tarefas, porque parece achar belo o caos, campo pleno de oportunidade de estabelecer relações insuspeitas. É daí que as coisas nascem e se multiplicam.

Tenho outro amigo que diz: «se tivesse nascido em Aveiro teria sido escritor». Seria uma frase mais não se desse o caso de ter nascido em Aveiro e efectivamente ser escritor. Creio que, assim seja ou não, pouco importa porque, como Camus, percorre todos os sítios e todas as coisas numa espécie intemporal da idade dos porquês.

Tenho ainda outro amigo, às vezes nem tanto, porque de nós nem sempre somos amigos, que dizia: «se tivesse nascido no Porto, teria gostado de ir viver para Aveiro, viver a cidade diferente, e ser realizador de cinema». Seria uma frase mais não se desse o caso de ter efectivamente nascido no Porto, viver em Aveiro, mas não ter conseguido ser cineasta. Acredito que o cinema é a vida e que esta é outra coisa qualquer, como sei que juntar tudo isto só está ao alcance de figuras únicas.

Vasco Branco é uma cidade de gente de saber e vontade de ser. O tirante essencial de uma ponte símbolo de cultura, comunicação e liberdade. O modo improvável como todas as coisas podem estar dentro de nós e nós sermos a essência da matéria que molda o mundo.

O Vereador da Cultura
Pedro Ribeiro da Silva,
na sala do Lugar do Plano, Abril 2005

 

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