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Mapa da Ria de Aveiro (1960)

Acerca deste mapa

Quando um amigo aveirense de longa data me trouxe dois mapas da Ria de Aveiro, de formato quadrado, com um metro de lado, foi para mim uma surpresa. Há trinta ou quarenta anos que não via um documento impresso em «ozalid». Na altura, por mais que espevitasse os neurónios para classificar este tipo de documento, a palavra adequada nunca me surgiu, embora soubesse que estava, algures, bem escondida e coberta de poeira, em algum recanto  do meu cérebro. Para cúmulo do azar, o amigo e detentor desta verdadeira preciosidade também não sabia ou não se lembrava do nome. Passado algum tempo, quinze ou mais dias, em plena conversa com uma colega de profissão sobre algo que nada tinha a ver com isto, foi como se um relâmpago súbito e imprevisto saltasse de uma nuvem inexistente. Saiu-me a palavra OZALID, completamente descontextualizada. Parei a conversa. Antes que o diabo me pregasse a partida, peguei num pedaço de papel e registei-a. Ainda um tanto incrédulo, como que duvidando do que acabara de me acontecer, abri o computador e escrevi, no motor de busca, «ozalide». Será que quer dizer «OZALID»? -- interrogou-me a máquina, perante o registo incorrecto que fizera no pedaço de papel. Respondi afirmativamente. E tinha a confirmação.

A primeira vez que observei este sistema de registo gráfico em superfícies de grandes dimensões, era eu ainda um jovem na casa dos 15 ou 16 anos. Por esta altura, a minha vida repartia-se essencialmente por três localidades à beira-mar situadas: Espinho, Porto e Aveiro. No Porto, porque era aqui que frequentava o ensino liceal; em Espinho, porque era aqui que vivia; em Aveiro, porque era aqui a casa da minha avó, onde passava as férias pequenas e alguns fins de semana, quando não era a avó paterna que se deslocava para Espinho, para estar na companhia do filho e do neto.

Em Espinho, descobri o que era o OZALID graças ao arquitecto Sérgio Gonçalves, um amigo ligado também a Aveiro, porque a sogra, com o mesmo nome da minha avó, era natural daqui. No seu «atelier», vi-o muitas vezes desenhar os projectos sobre folhas de «papel de engenheiro», uma espécie de papel vegetal, com a diferença de serem mais encorpadas e resistentes. Todos os desenhos ou os traçados dos projectos eram feitos a tinta da china e as letras escritas com a ajuda de escantilhões, com diferentes tamanhos de letra. Acabados os projectos em folhas de grandes dimensões, tudo quanto estava desenhado a tinta da china era transferido para as folhas de «oazalid», do mesmo tamanho, por meio de um processo com algumas semelhanças com a fotografia. Nesta, as imagens são obtidas sobre a película recorrendo a uma máquina fotográfica, obtendo-se um negativo. Revelado o rolo na câmara escura, as imagens em negativo são passadas para positivo mediante um processo de impressão por contacto ou por projecção com um ampliador. Utilizando-se um ampliador, a imagem do negativo é projectada sobre a folha de papel fotográfico, cortada nas dimensões pretendidas, que podia ir desde o formato 24x36 cm ao formato 9x12. Os diferentes formatos obtinham-se dividindo sucessivamente a folha ao meio, sempre em ambiente de laboratório, porque as folhas de papel não podiam ser expostas à luz branca. Os fomatos, por ordem decrescente, a partir de uma folha 18x24, eram 12x18 e 9x12 cm. Depois da imagem do negativo projectada durante uns segundos no papel fotográfico, este era revelado e obtinha-se a imagem positiva. A folha em «papel de engenheiro» com o projecto ou as imagens desenhadas a nanquim era colocada sobre a folha de «ozalid», de iguais dimensões, um quadrado com cerca de 1 metro de lado, e o conjunto (ou sanduiche) formado pela «matriz» translúcida e o ozalid era exposto a uma fonte de luz. Em seguida, a folha de «ozalid» era sujeita a uma espécie de revelação que fazia lembrar os processos da fotografia. Havia, no entanto, uma grande diferença entre estes dois processos de obtenção de imagens. Enquanto, na fotografia, eu tinha de trabalhar sob ténue luz, quase às escuras, no laboratório fotográfico do meu pai, construído na cave da moradia dos professores na Escola Primária nº1 de Espinho, onde vivia, as folhas de «ozalid» eram sujeitas a um processo de revelação dentro duma câmara de madeira com o formato de um prisma quadrado, uma espécie de caixa fechada com pouco mais de um metro de altura e que ocupava reduzido espaço, recorrendo a uma solução de amoníaco. E este procedimento fazia-se sem necessidade de recurso a câmaras escuras.

Tirei pela primeira vez proveito desta técnica de obtenção de imagens de grandes dimensões anos mais tarde, já no meu terceiro ano de faculdade, quando precisei de uma planta com a localização de todas as Gafanhas da região de Aveiro. Fiquei a dever esse mapa à Câmara Municipal de Ílhavo, corria o ano de 1967. Depois de um inquérito linguístico realizado na Gafanha do Carmo, durante o período de férias da Páscoa em Aveiro e, mais tarde, durante as férias grandes, passou esse mapa a fazer parte do relatório que entreguei para avaliação pelo meu professor de Linguística Portuguesa. Voltei a contactar com esta técnica de obtenção de mapas e imagens já definitivamente enraizado em Aveiro, na década de 1980, graças a um amigo, o arquitecto Barroca, com quem tive oportunidade de trabalhar e conviver durante bastante tempo.

Na segunda década do século XXI, o «ozalid» é um processo praticamente extinto. O aparecimento dos computadores e o seu acelerado desenvolvimento a partir da década de 1990, com «plotters» de grandes dimensões e fotocopiadores que reproduzem todo o material impresso com a maior das facilidades, fez com que todas as técnicas tradicionais desaparecessem.

Para as gerações mais novas, que quase só conhecem as maquinetas informáticas e também quase deixaram de recorrer às brincadeiras tradicionais de antanho, vejamos, socorrendo-nos de informação mais técnica, o que vem a ser o «ozalid». E não será necessário recorrermos a enciclopédias ou a livros técnicos. Basta-nos utilizar o motor de busca do computador e escrever a palavra «Ozalid». Eis o  que a pesquisa nos permite descobrir, por intermédio da Wikipedia:

«Ozalid é um tipo de papel usado para imprimir provas tipográficas no processo de impressão offset monocromático clássico. Através de um processo químico, com a exposição a luz ultravioleta e a gás amoníaco, este papel permite reproduzir a imagem a preto e branco de um original negativo em fotolito (também chamado "filme"), papel vegetal ou outro tipo de transparência. Este sistema poupava o recurso à complexa impressão offset. Assim, a impressão neste papel passou a ser sinónimo da última prova de um trabalho antes de ser definitivamente impresso, isto é, antes de se fabricar a chapa que dará entrada nas máquinas de offset.»

Claro que esta definição não corresponde àquilo que pude observar na prática. Para cúmulo, não tem qualquer semelhança com aquilo que pude observar in loco. Com ela, qualquer leigo na matéria fica a saber praticamente o mesmo, ou seja, quase nada, porque o procedimento nem sequer é explicado. Em termos práticos, não tivesse eu observado o que anteriormente descrevi e hoje nem saberia da sua existência. Portanto, sistematizando o que anteriormente expliquei, o arquitecto ou a pessoa que efectuou o desenho colocava a folha em «papel de engenheiro» sobre a folha de «ozalid». Depois, o conjunto, com a folha de papel de engenheiro voltada para cima, era sujeito a um «banho» de luz ultravioleta. Em seguida, era separada a matriz em papel de engenheiro e colocada a folha de ozalid, uma folha quadrada com um metro de lado, dentro de uma caixa de madeira com capacidade adequada, ou seja, a câmara de revelação do «ozalid» era um prisma quadrangular de madeira com pouco mais de um metro de altura e uma base quadrada com cerca de 50 cm de lado. Um dos lados era uma porta com dobradiças, que permitia abrir e fechar a caixa. Pendurado o «ozalid» dentro da câmara, pendurado ou simplesmente metido no interior, era colocada a solução de amoníaco na base e fechada a porta, para que os vapores do amoníaco não contaminassem o ambiente. Ao fim de certo tempo, abria-se a caixa e retirava-se a folha. O gás de amoníaco tinha «comido» todo o produto químico da superficíe do «ozalid», excepto a parte que não fora exposta à luz, correspondente ao desenho a tinta da china, que não deixou passar a luz ultravioleta. Com este processo, podíamos obter tantas cópias da matriz quantas quiséssemos. No final, a matriz era guardada, mantendo-a perfeitamente direita e sem dobras, para futuras utilizações ou, muito simplesmente, para funcionar como arquivo histórico.

De acordo com a informação fornecida por um aveirense que foi desenhador e topógrafo na CMA (Câmara Municipal de Aveiro) e na JAPA (Junta Autónoma do Porto de Aveiro), os ozalides eram «revelados», para utilizarmos uma expressão por analogia com a fotografia, dentro de uma caixa de madeira com a forma de um prisma quadrangular, com cerca de 40 cm e porta de guilhotina. Esta caixa estava pendurada na parede, num canto do patamar das escadas do sótão, onde estava instalada a Sala de Desenho, no edifício dos actuais Paços do Concelho. O «ozalid» era enrolado e metido no interior. Colocada a solução de amoníaco, era fechada a porta de guilhotina e, ao fim de algum tempo, estava o trabalho concluído.

Actualmente, se as matrizes que permitiam obter os ozalides ainda existirem, nem será necessária a relativa trabalheira que dava o processo de duplicação. Bastará repetir o que fizemos com os exemplares em «ozalid» que nos foram emprestados. Colocámo-los no chão, numa zona com boa exposição solar, pegámos no telemóvel, com uma maior resolução que a máquina fotográfica digital, e tirámos as fotografias às duas metades do mapa da ria. Depois, descarregámo-las para o computador. Auxiliados por uma boa ferramenta de tratamento gráfico de imagens, não só juntámos as duas metades, como procedemos à limpeza e correcção de pequenas deficiências causadas pelo tempo.

Para servir de documento, ilustramos este texto com a imagem de uma das metades do mapa, tal como ficou registada no telemóvel. Só não reproduzimos as biqueiras dos sapatos, que a objectiva também apanhou, porque os sapatos nada têm de especial para os nossos objectivos.

Dito tudo isto, que não é pouco, lamentamos que no original não constem nem a data nem a autoria deste trabalho. Também não é de admirar que os autores não tenham colocado os respectivos nomes, uma vez que a base de trabalho destes e de outros mapas eram geralmente as cartas topográficas do exército. Seja como for, não deixou de ser uma excelente trabalheira. E estes particularmente valorizados pelas ilustrações e textos explicativos em três línguas, coisa que não se encontra nas cartas do exército, que fomos obrigados a conhecer e utilizar durante o nosso período de dois anos de serviço militar. Sabemos que, muito provavelmente, a nossa «relíquia» da Ria de Aveiro será da década de 1960, porque um dos desenhos apresenta o centro da nossa cidade com a ponte-praça tal como os aveirenses a passaram a conhecer a partir de 1952, ano em que foram concluídas as obras de transformação das duas antigas pontes de Aveiro numa única. De acordo com a consulta efectuada no «Calendário Histórico de Aveiro», inserido no espaço «Aveiro e Cultura», em 25 de Maio de 1952, «foram inaugurados três melhoramentos de importância decisiva para a cidade: a ponte-praça, o reservatório de água para o abastecimento da rede urbana e, na Quinta das Agras, o novo edifício do Liceu Nacional de Aveiro, de acordo com o “Correio do Vouga” de 31-5-1952. Logo, o mapa da Ria terá de ser posterior a esta data.

Relativamente às páginas disponibilizadas na Internet, tivemos a preocupação de as programar tendo em conta as modernas tabletes e telemóveis, bem como os computadores mais recentes, com ecrãs tácteis. O mapa está reproduzido em quatro resoluções: mil, dois mil, três mil e cinco mil píxeis de largura. Escolhida a resolução, bastará ampliar a imagem colocando os dedos indicador e polegar sobre ela e afastando-os. Para os sistemas com Windows anteriores às actuais versões, por exemplo, Windows XP Pack 1 e 2 (ou mesmo sistemas anteriores), o utilizador poderá clicar sobre o rectângulo colorido colocado ao lado da indicação do tamanho da imagem. Esta opção é também válida para os modernos sistemas, permitindo, inclusive, uma maior qualidade de visualização.

Para tornar legíveis os quadros explicativos manuscritos no original, efectuámos a sua reprodução fac-similada.

E chega de explicações. Resta-nos desejar que o presente trabalho possa ter alguma utilidade para todos vós. E que venha também a ser útil para os pescadores desportivos, porque este mapa da Ria de Aveiro tem a invulgar característica de indicar as diferentes espécies de peixe que por cá existiam. Esperemos que a informação ainda seja válida nos tempos que correm.

Aveiro, 29 de Julho de 2017

Henrique J. C. de Oliveira

 

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