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1ª edição, Aveiro, Edição do Clube dos Galitos, 1960, página 31 a 35.


Há mais de meio século

O Clube dos Galitos

escreveu uma página na história do ciclismo português

 

AVEIRO, que foi das primeiras cidades da Península a interessar-se, tão entusiástica como conscientemente pelo Desporto, inaugurou o seu primeiro velódromo localizado no Rossio — em 1 de Junho de 1895. O segundo, que seria, afinal, o último, construiu-se uma novena de anos mais tarde, no transfigurado Cojo, por iniciativa do Clube dos Galitos, donzel ainda, mas já pletórico de seiva, empreendedor e ousado.

Depois de um período rico de competições, corolário assaz lógico da paixão desencadeada no meio citadino pela velocipedia, sobreveio o esmorecimento. Foi então que, tomando em suas mãos a bandeira do ciclismo, abandonada pelos antigos prosélitos, a levou a flutuar de novo nos luminosos céus aveirenses. Paralelamente, um fenómeno, aliás comum a todo o mundo, se verificava — a democratização do Desporto. E, assim, o gosto pelo ciclismo, que irrompera nas classes privilegiadas, nos meios da chamada mocidade de bom-tom, transplantou-se para o seio da burguesia, popularizando-se rapidamente.

A inauguração do Velódromo do Clube dos Galitos despertou na cidade vincadíssimo entusiasmo. O «Campeão das Províncias», bissemanário de grande formato e larga audiência regional e até nacional, dava fé desse calor ao inserir, em 30 de Julho de 1904, a notícia, que vale a pena transcrever, do histórico evento desportivo. Vejamo-Ia...

 

«Vai grande animação para a corrida de bicicletas que o Clube dos Galitos tenciona realizar amanhã, no Ilhote. Eis o programa, que é, como se vê, deveras atraente:

1.ª corrida, «Pintainhos» — 3 voltas (1.500 metros) — 1.º prémio, medalha de vermeil; 2.º, medalha de prata; 2.ª corrida, / 32 / «Franguitos» — 6 voltas (3.000 metros) 1.º prémio, medalha de vermeil; 2.º, medalha de prata; 3.ª corrida, «Frangos» — 8 voltas (4.000 metros) — 1.º prémio, medalha artística, oferecida pelo Sr. Domingos Martins Vilaça; 2.º, medalha de prata; 4.ª corrida, «Galitos» — 10 voltas (5.000 metros) — 1.º prémio, medalha artística oferecida pelo Sr. Manuel Fernandes Lopes; 2.º, medalha artística oferecida pelos Srs. Souto Ratola & Irmão; 3.º, medalha de prata; 5.ª corrida, «Tandens» — 10 Voltas (5.000 metros) — Prémio único, dois objectos de arte, iguais; 6.ª corrida, «Consolação» — 3 voltas (1.500 metros) — Para todos os corredores não premiados nas corridas antecedentes; prémio único, objecto de arte. A distribuição dos prémios é feita no próprio local.

Júri: presidente, José Prat; vogais, António Maria Ferreira e Manuel Lopes da Silva Guimarães; juiz de partida, Francisco Freire; juiz de chegada, José de Pinho; contador de voltas, Manuel G. Moreira; cronometrista, Eugénio Costa; fiscais de pista, todos os sócios do clube.»

A actividade do Clube dos Galitos não se quedou pela inauguração do velódromo. De um periódico local, datado de 22 de Outubro do mesmo ano, respigamos todo um relato de outra jornada ciclista, relato assaz curioso, pois que nos dá a ambiência do recinto:

«As corridas de bicicleta promovidas pelo Clube dos Galitos e realizadas, no domingo passado, no Cojo, atraíram ali numerosa concorrência. No recinto, que estava vedado com as «empenadas» da Feira de Março, via-se um coreto onde tocou a Filarmónica Amizade, o pavilhão destinado à Direcção e aos membros do Júri, e, ao longo da pista, uma longa fila de cadeiras onde tomaram lugar reservado muitos espectadores, vendo-se os outros de pé para melhor seguirem o torneio dos lidadores.

Feita a chamada, entraram no desfile geral os corredores.

A 1.ª corrida foi disputada por Eduardo Trindade, José dos Santos Alexandre e Alfredo da Silva Gouveia. Ganhou o 1.º prémio Eduardo Trindade e o 2.º Santos Alexandre.  / 33 /

Aspecto da inauguração do Velódromo do Cojo.

Para a 2.ª corrida, apresentaram-se oito corredores. Procedendo-se a duas corridas eliminatórias, ficaram em campo António da Cruz Bento, Francisco Pereira de Melo, Manuel Ferreira Canha e João da Cruz Pericão. Correu também o Sr. Raul Pinheiro, do Porto, chegando em 1.º lugar o Sr. Canha, em 2.º o Sr. Pinheiro, sendo a corrida protestada por este senhor.

Na 3.ª corrida, tamdens, chegou em 1.º lugar o Sr. António da Cruz Bento, que tinha por companheiro o Sr. António Rodrigues Jerónimo.

Na 4.ª corrida ganhou o 1.º prémio o Sr. Canha, e o 2.º o Sr. Pereira de Melo.

Na 5.ª corrida, campeonato, ganhou o 1.º prémio o Sr. António da Cruz Bento, seguindo-se-lhe o Sr. Pericão.

Na 6.ª corrida venceu o Sr. António Capela, seguindo-se-lhe o Sr. Pompílio Ratola.

As corridas foram muito interessantes, despertando geral entusiasmo. Afirmaram-se excelentes corredores António da / 34 / Cruz Bento, Manuel Ferreira Canha Júnior, João da Cruz Pericão e Francisco Pereira de Melo.

Parabéns aos promotores das corridas.»

 

A rivalidade entre Manuel Ferreira Canha, que se revelaria sobretudo um bom estradista, e António da Cruz Bento, a impor-se como excelente «pistard», começava a amanhecer, galvanizando multidões que, pressurosas, acorriam à beira das estradas ou a bordar o anel do velódromo.

Na imediata temporada de ciclismo, o entusiasmo em Aveiro pelo desporto do pedal aqueceu ao rubro... Num jornal, de 5 de Julho de 1905, podem ler-se, entre outras, as seguintes linhas, que transcrevemos também sem a menor alteração, a fim de conservarem todo o seu sabor...

 

«As corridas de bicicleta efectuadas no domingo último, no Velódromo dos Galitos, despertaram, como havíamos previsto, verdadeiro interesse. O «match» entre António da Cruz, (o Balão) e Manuel Canha, os dois primeiros actuais corredores de Aveiro, levou ali, tomadas de curiosidade, centenares de pessoas, e foi, de facto, a corrida que maior entusiasmo despertou. O percurso, de 16 voltas, foi feito rapidamente, seguindo um na esteira do outro, até que, à 14.ª, o Balão, numa «embalage» feliz, se colocou na dianteira, não mais sendo atingido. À penúltima volta, a roda da frente do Sr. Canha tocou no pedal esquerdo do seu competidor, que se aguentou no balanço, e partiu, como era natural, alguns raios a essa roda, prosseguindo na sua marcha vencedora. Foi aclamado pela multidão e levado depois em triunfo pelos seus amigos.

Mais tarde, no final das corridas, foram a banda dos «Voluntários» e numerosas pessoas felicitar seu pai, O nosso velho amigo Sr. António Cruz, à porta de quem se queimaram dezenas de foguetes, como numa entrega de ramo

 

E o autor da local não se exime a comentar, ele também com uma pontinha de mal escondido entusiasmo: «Foi uma tarde cheia para os espectadores.»

/ 35 / A fundação do Clube dos Galitos, que veio insuflar sangue novo à vida associativa aveirense, arrancando inclusivamente o burgo ao marasmo em que caíra, contribuiu deveras para que o ciclismo atravessasse uma hora doirada e, com ele, o desporto português.

As corridas de bicicletas, com os seus ídolos, inocularam-se na alma popular, e o próprio cancioneiro aveirense, como prova provada dessa verdade, regista alusivas trovas: 

O Balão foi a Lisboa,
teve a sorte de ganhar;
Ganhou o primeiro prémio,
mas não lho quiseram dar.


O Balão foi às corridas
com sapatos de pelica;
quem perdeu foi o Capela,
quem ganhou foi o Bailica.
 

António da Cruz Bento, o Balão, Francisco Pereira de Melo, o Bailica, José dos Santos Capela já hoje não são mais do que acerbas saudades. Eles e tantos outros, talvez todos os que com eles competiram nas memoráveis tardes do velódromo do Cojo, do velho e desaparecido IIhote. Mas as suas façanhas perduram na fria História e na florida Lenda.

Por seu turno, a Colectividade subsiste, garbosa e dada a iniciativas, eternamente enraizada nas margens da laguna, castiça sala de visitas de Aveiro. Lá diz efectivamente a cantiga, preciosa gema do cancioneiro regional:

O Clube dos Galitos
tem janelas para a Ria,
p’ra ver passar as tricanas
a toda a hora do dia.

João Sarabando


 

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