Acesso à hierarquia superior.

1ª edição, Aveiro, Edição do Clube dos Galitos, 1960, páginas 23 a 26.



Nascimento e Baptismo
 

DA lembrança de alguns, por ouvirem dizer outros, ainda há quem saiba como nasceu e o que foram os gloriosos primeiros anos do Clube dos Galitos. Gloriosos na medida em que, saindo de nada, pela vontade de um punhado de rapazes, em pouco tempo adquiria na cidade uma projecção notável e inesperada, mercê de realizações em tudo e por tudo dignas da maior admiração.

Já lá vão 56 anos — uma vida. Poucos são os que restam desse primeiro grupo de rebeldes que, contra os respeitáveis, se levantaram em toda a sua estatura para cantar... de galo.

Da Comissão Instaladora do Clube só é vivo José de Pinho. Neste arquivo cumpria recolher as palavras do que agora é dos mais antigos sócios da agremiação, verdadeiramente uma saudade viva.


Ainda o mais solicitante tema de conversa para José de Pinho é o seu Clube, que ajudou a nascer, que ajudou a fazer, acompanhando a colectividade em todas as sortes da sua evolução com o mais brioso sentido de presença, com integral devoção.

Bastou perguntar como nascera e porquê o dissídio no seio do Recreio Artístico.

/ 24 / — Havia um desafio marcado entre dois ciclistas do Recreio, o João de Sousa Gomes, o chapeleiro, e o Canha, para uma corrida da Barra a Aveiro. Nós, os dos Galitos, éramos mais pelo João Chapeleiro. Aquilo teve muitas peripécias; às tantas o Canha não queria correr, depois não queria o João. Finalmente correram e parece-me que ganhou o João. Foi daí que nasceu a cisão.

— Mas que teve depois momentos mais agudos.

— Pois. Vieram as eleições e nós concorremos. Depois duma Assembleia em que até houve pancada. Foi isto: o Máximo Henriques(1) tinha-se atirado aos «velhos» e um sócio disse que queríamos acabar com o Recreio, que não éramos sérios! Dei-lhe logo uma bofetada. Mas, voltando às eleições: nós quisemos consultar o caderno dos sócios e a Direcção não o facultou, ainda nos dirigimos às autoridades, julgo que era então Governador Civil o Conde de Águeda. Pelo menos, a esse respeito, nos dirigimos a ele. Que não queria meter-se nisso, que não queria influenciar... mas estava por eles.

E como é que eu soube que era preciso consultar o caderno? Começo a ver uns velhotes da beira-mar que há muitos anos não estavam inscritos como sócios, alto! Que eles andam a arranjar votos. Mas nós fomos às eleições e podíamos ter ganho. Perdemos por 35 votos.

E antes assim porque por isso é que se fez os «Galitos». Foi então que saímos do Recreio.

— Já com intenção de formar novo Clube?

— Já resolvidos a formar novo Clube. Ainda nos falaram para entrar no «Mário Duarte», mas nós éramos bastantes para criar um Clube novo.

A primeira reunião foi por cima do «Mário Duarte», no antigo prédio da Moagem, ali à Ponte das Almas.

Então se decidiu dar-lhe o nome e a bandeira. O nome...

— Os Galitos...

— Sim. Nessa célebre assembleia do Recreio Artístico tinham dito a nosso respeito: «onde há galos de fama que vêm galitos cá fazer?»

Ai são galitos? Pois foi o nome que nós escolhemos. / 25 /

Composição de José de Pinho a ilustrar o programa das primeiras regatas que se efectuaram na Cale, da Gafanha às Pirâmides. Pág. 25

/ 26 / E no distintivo estão umas rolhas porque, também nessa assembleia, nós usámos da palavra sem deixar falar os velhos — tínhamos combinado tudo antes — e o Manuel Christo, de quem eu era muito amigo, até tinha andado a aprender nas oficinas dele, disse: «é preciso meter-lhes uma rolha na boca!"

Lá estão as rolhas na bandeira.

— Mas voltando à criação...

— Era então preciso uma casa. Sabe, onde reunimos pela primeira vez foi num sótão. Não eram instalações capazes, nem eram as que nós queríamos. E eram clubes de mais numa casa.

— Mas, nesse tempo, arranjar casa nesta cidade não foi fácil.

— Não. Onde é que a íamos arranjar? Por sorte, entretanto o Sr. Domingos Leite deixou a casa em que morava, onde agora é o Ultramarino(2). Arrendou-se, mas ainda precisou de muitas obras. Lá nos instalámos.

— Aí então começou verdadeiramente a obra dos Galitos.

— É Verdade, a partir de então o Clube cresceu muito. Tínhamos a simpatia da cidade, era um grito de liberdade.

No Clube chegou a haver uma lista negra daqueles que mais se destacaram, contra nós, no Recreio Artístico. Mais tarde, a alguns deu-se-lhes um traço e eles vieram para nós.

— Foi a maioridade do Clube...

— Foi e rapidamente alcançámos grandes sucessos: os festejos a Santa Joana e depois com o Grupo Cénico. Levámos à cena várias zarzuelas em anos seguintes. Foi isso que deu grande nomeada ao Clube.

Desde que a bandeira do Clube foi içada pela primeira vez, pelo José Bernardes da Cruz, ainda antes da inauguração, muita volta deu o Mundo.

Deixamos José de Pinho a reviver uma juventude cheia de entusiasmos, generosa, esforçada que tanto contribuiu para o prestígio e grandeza do «Clube dos Galitos.»

_____________________

(1) - Máximo Henriques casou por volta de 1912/13 com Alice Henriques de Oliveira e faleceu em 1917, tendo deixado um descendente, o Prof. Henrique de Oliveira. Marceneiro de profissão, foi um dissidente do Recreio Artístico e um dos elementos que esteve na origem do clube "Os Galitos". Dele tivemos conhecimento em 1985, por altura do funeral de Henrique de Oliveira, altura em que foi oferecida ao autor desta nota uma fotografia em que figura Máximo Henriques a ajudar a fotografar o emblema dos Galitos, uma estatueta possivelmente em gesso, representando um galo encristado e com as plumas levantadas, apoiado numa pata e com a outra levantada, segurando ostensivamente uma rolha de champanhe com que tapariam a boca dos mais velhos, que insultaram os novos apodando-os de «galitos». Nota de HJCO

(2) - Este banco já não existe na actualidade, sendo actualmente as instalações da Rota da Luz.


 

  Página anterior Índice Página seguinte