Eu nasci em Aveiro, ao que suponho na
proa de alguma bateira. Fui baptizado à mesma hora, nas águas da nossa
Ria. Abriram-se-me os ouvidos ao som cadenciado dos remos no mar, ao pio
estrídulo das famintas gaivotas, ao praguedo inocente dos pescadores.
Encheu-se-me o peito à nascença do ar salgado da maresia. S. Francisco
de Assis chamava a estas coisas irmãos, chamava a estas coisas irmãs: o
irmão Vouga, o irmão luar que à noite o prateia, os irmãos peixes, as
irmãs espumas, areias, estrelas.
Mas aqui há mais que uma simples
fraternidade, há mais que a suave harmonia da natureza e da alma de
Aveiro; chego a crer que há uma verdadeira incarnação, o encontro de
duas coisas do mesmo ser.
Nós, os de Aveiro, somos feitos, dos pés
à cabeça, de Ria, de barcos, de remos, de redes, de velas, de montinhos
de sal e areia, até de naufrágios.
Se nos abrissem o peito, encontrariam lá
dentro um barquinho à vela, ou então uma bóia, ou uma fateixa, ou então
a Senhora dos Navegantes.
Assim plasmado de Aveiro, com os beiços
a saber a salgado, a pingar gotas de ria por todo o corpo, por toda a
alma, como poderia eu não estar agora aqui a aplaudir a pista de remo
que já se avista?!
Eu sou uma nesga, embora minúscula,
desta deliciosa aguarela de Aveiro; eu sou um pedação da nossa terra,
que, embora já gasto, ainda pode clamar até ser ouvido:
A pista de remo, mas tem que ser! |