FIGURAS EM AVEIRO LIGADAS AO DESPORTO

«O Magalhães do Beira Mar»

Quinta-feira, 5 de Novembro de 1998 – pág. 19 Daniela Sousa Pinto

António Pereira de Magalhães nasceu, em Lisboa, há 74 anos (1924). No recreio da escola, era avançado; mas, um dia, calhou ir para a baliza e... por ali foi ficando. Passou, para grande orgulho seu, pelas balizas do Sporting e do F. C. do Porto. No Beira Mar jogou, também, como guarda-redes e, ainda hoje é recordado pelas gentes desta cidade como «o Magalhães do Beira Mar». A história de um grande guarda-redes.

 

Vestiu a camisola de muitos clubes, durante uma carreira que durou até aos 32 anos e que se iniciou aos 17. Ligou-se ao futebol por amor. Atleta de uma época em que este desporto era muito mais violento, tem algumas marcas deixadas pelas lutas travadas nos campos pelados. É sportinguista, mas admira o F. C. do Porto, porque "tem um grande presidente Pinto da Costa."

O primeiro clube onde alinhou foi o Chelas. Na sua estreia deixou que "os adversários a célebre equipa do Estoril Praia marcassem 5 golos, logo na primeira parte! Mas, na segunda, eu já ia aos pés do Carvalho!"

Em 1941, foi jogar para o Sporting, equipa onde foi sempre suplente. "Antigamente, os suplentes não se equipavam. Chegávamos à cabina e o treinador dizia quem ia jogar. Não havia substituições". Teve Szabo como treinador, "um excelente técnico que fez do filho, que não era guarda-redes, um bom guarda-redes". Foram os melhores anos da sua vida.

No Sporting jogou duas épocas, antes de ir para a tropa, em 1943. Cumpriu o serviço militar nos Açores e aí vestiu a camisola do Marítimo de S. Miguel, voltando, entretanto, para o clube dos "Leões".

O Beira Mar contratou-o em 1946, onde fez três temporadas. Em 1948/49, foi para o Porto. Já comum na época, o clube aveirense ficou a dever-lhe algum dinheiro, "mas ganhou bastante com a minha transferência para o FC Porto." Saiu do Porto por causa de algumas politiquices, e "tive a pouca sorte de ir para o Salgueiros. Não fiquei lá muito tempo, porque só vi o tesoureiro uma vez! Não pagavam!" A seguir, ainda alinhou no Famalicão e no Vianense. Regressou ao Beira Mar, onde jogou mais duas épocas.

Aos 32 anos, deixou de jogar e foi trabalhar para Cacia "acabou o futebol". As saudades são muitas. Abandonar o futebol não foi fácil, mas a vida é assim, e Magalhães bem se pode orgulhar dos seus momentos de glória. Tempos bem vividos em que "o futebol era outra coisa! Agora não se joga como se jogava antigamente: havia a carga ao guarda-redes; os campos não eram de relva, mas de terra; jogávamos sem luvas e até as bolas eram diferentes quando chovia ficavam com um peso doido! Agora, parece que têm medo de ir aos pés dos jogadores..." Tempos diferentes em que o futebol se jogava "por amor a uma arte" que hoje em dia é paga a peso de ouro. Naquela altura, "não éramos considerados profissionais, porque o regime não o permitia e, por isso, os clubes não eram obrigados a pagar. E muitas vezes não pagavam mesmo!"

Do Sporting e do F. C. do Porto não tem razão de queixa. Estes clubes "pagavam bem. No Sporting recebia 1.000 escudos por mês e no F. C. do Porto ainda ganhava mais: 3 contos por mês. Não nos faltava nada." Feitas as contas, e contados os anos que nos separam da época de que Magalhães nos fala, era realmente um bom salário. Mas registe-se que "foi nestes clubes e na primeira temporada que fiz pelo Beira Mar que ganhei mais dinheiro." Mesmo assim, foi a trabalhar na fábrica de Cacia, como caldeireiro, que conseguiu amealhar alguns trocados que lhe permitem viver sem grandes sobressaltos.

Hoje, ainda gosta de ir ver "a bola", mas vai menos vezes porque, o "aborrece o sistema empregado pelos grandes clubes." Também não perde os jogos da televisão, aos quais assiste com grande emoção e para aflição da esposa, com quem casou há quase 50 anos, que se assusta com os gritos que ele dá: "Passa a bola! Força! É falta!"

Os problemas nos ossos são as medalhas que carrega num corpo que em tempos foi capaz de voar... Não escondeu a alegria que sentiu, quando o lembrámos que é muito querido entre os aveirenses... Este é, porventura, o maior prémio que este homem pode receber. É um pai vaidoso, um avô babado, mas não teve, ainda, ninguém que lhe seguisse as pisadas. Deixou de acreditar na paixão dos jogadores, mas continua um amante do futebol.

A equipa do Beira Mar em 1946.


Ora, bolas!  

António Magalhães conta

«Tive um treinador que me fazia voar de um lado ao outro da baliza por cima de um banco comprido!»

«O Azevedo coroava a assistência com grandes exibições. Foi um senhor do futebol que até jogava com as costelas partidas.

Onde ele ia, as pessoas levantavam-se! Foi um grande guarda-redes!»

"Estive para ir para o Celta de Vigo, mas a minha falecida sogra não me deixou. E ainda bem! Em Espanha, pagavam muito mal e a peseta era muito fraca.»

«O Sporting, quando era o Sporting, tinha o Albano sempre à linha e o Jesus Correia jogava no outro extremo, os jogos eram: bola apanhada; bola chutada.»

«Choca-me que um jogador ganhe para cima de 20 mil contos por mês! No meu tempo nem se podia reivindicar pelo salário!»

«Nunca vai haver outro como o Manuel Marques o mãos-de-ouro. Ele era um grande massagista.»

«O Figo é o melhor jogador português a jogar no estrangeiro. Não é qualquer um que é capitão do Barcelona!»

 

O Jogador: António Magalhães

Posição: Guarda-redes

Características: Ágil, com muita flexibilidade. Não tinha medo de ir aos pés dos adversários.

 

 

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