Natural
de Vagos, Fernando Manuel Valente nasceu a 10 de Fevereiro de 1930.
Com
apenas três anos, os pais mudaram-se para Aveiro, primeiro para a rua
José Estêvão, depois para a beira-mar, local onde residiu durante
grande parte da infância.
Nos
tempos em que o futebol era jogado descalço e com uma bola de trapos,
conheceu Carlos Sarrazola, com quem posteriormente haveria de ingressar
nos juniores do Beira Mar.
Da sua
adolescência recorda o voluntarismo de alguns "carolas", responsáveis
pela criação de clubes
−
não federados
−
como os "Pequenos Azuis" ou o "Beira Ria".
Considera
que os seus melhores momentos
futebolísticos foram vividos ao nível do amadorismo, "onde existe uma
camaradagem que não se encontra no futebol profissional e onde se joga
por amor à camisola". Um amor que nasceu quando era ainda muito jovem
(12-13 anos), ao envergar pela primeira vez a camisola beiramarense, por
capricho de um treinador que sabia fazer as delícias da garotada.
Após a
época de 1947/48, já ao serviço dos juniores do Beira Mar, Fernando
Valente passa pela equipa de "reservas"
− actualmente extinta
− na qual
jogavam os excedentes do plantel ou os que, por questões de idade, se
encontravam em fase de transição.
Vai
encontrar Sarrazola um ano mais tarde na equipa principal, onde se
mantém até aos 28 anos, sem conhecer outro clube que não o Beira Mar.
Protagonista de uma carreira futebolística
tranquila e sedentária, nem o Serviço
Militar Obrigatório (SMO) conseguiu contrariar essa tendência. Não só
cumpriu o SMO em Aveiro, no Regimento de Cavalaria nº 5 (onde está hoje
a GNR), como, beneficiando do facto de um dos directores do Beira Mar
ser o "sargento Carvalho", obtém permissão para abandonar o quartel às
15 horas. Era o "estatuto de jogador"
a sobrepor-se ao dever do recruta.
Casou em
1956 com Maria Helena, vizinha de infância e irmã de Carlos Vieira
−
outro jogador de futebol que, oriundo
da escola beira-marense, acabaria por vencer um Campeonato Nacional da
I Divisão, ao serviço do F. C. do Porto.
Abandonou
o Beira Mar em 1958 e partiu para o Quanza Sul, Angola, onde se
estabeleceu, primeiro no ramo da
fotografia e, mais tarde, como agricultor e comerciante de algodão e
café.
Aí, tem
uma breve experiência como jogador, mas foi como treinador que levou a
Associação Recreativa de Amboim (ARA) à vitória no Campeonato Distrital
e à consequente disputa do Campeonato Provincial.
Curioso é o facto de
o ARA haver constado no totobola Português e de Fernando Valente ter
aproveitado a "estadia" em África de alguns soldados do Continente.
Nomes como os de Cipriano, a esse tempo jogador do Boavista, ou Júlio do
Amarante, então a cumprir serviço militar no ultramar,
acabaram
por reforçar o plantel do ARA e de conceder grandes alegrias ao técnico
Valente.
A 4 de
Setembro de 1975, regressou a
Portugal, mas deixou em Amboim parte do sonho: "aquela imensidão quase
infinita tem qualquer magia que nos prende; por mim tinha morrido lá".
Aos 68
anos, ainda acompanha o Beira Mar, mas só através da televisão ou dos
jornais e os "tiros à baliza" foram
substituídos por cartuchos de
caçadeira.
Para um
amante das virtudes do amadorismo, a caça − além de paixão − é, por
certo, um desporto adequado.
Ora,
bolas!
Fernando Valente conta:
FOI UM AR
QUE LHE DEU
"Uma vez,
durante um jogo, tentei centrar uma bola para a área mas, como o vento
estava bastante forte, a bola acabou por entrar na baliza.
No final
do jogo, nos balneários, não fui capaz de confessar que a intenção era
fazer um centro. Eram «parabéns» a mais para
serem ignorados.»
MAIS VALE SÓ...
«Quando
cheguei a África, no meu primeiro treino como jogador, constatei que os
balneários do clube ficavam situados a mais de dois km do campo. Depois
de muito andar, cheguei ao local, mas só encontrei lá um dos
dirigentes. Quando perguntei pelo resto do plantel, respondeu-me: "Os
outros jogadores?
Não sei se vêm; eles ficaram de
aparecer"... Acabei por treinar sozinho».
RECEITA CASEIRA
«Dois
jovens jogadores do Beira Mar, oriundos de Lisboa, tinham por hábito
passar um tempo infinito ao espelho, nos balneários, arranjando o cabelo
antes de saírem do local de treinos.
Tanta
vaidade merecia uma brincadeirinha, pelo que lhes dissemos que cá na
terra o que se usava no cabelo era ovo
batido, em vez de brilhantina.
Escusado
será dizer que, no dia seguinte, nem pentear o cabelo conseguiam.»
O RIO DA SAUDADE
«Dizia-se
em Amboim, África, que quem bebesse água do rio Mazungue nunca mais
deixaria aquelas terras. Tenho pena que tudo não passe de uma lenda.» |