FIGURAS EM AVEIRO LIGADAS AO DESPORTO

Fernando Valente

Quinta-feira, 8 de Outubro de 1998 – pág. 19 Rui Grave

Natural de Vagos, Fernando Manuel Valente nasceu a 10 de Fevereiro de 1930.

Com apenas três anos, os pais mudaram-se para Aveiro, primeiro para a rua José Estêvão, depois para a beira-mar, local onde residiu durante grande parte da infância.

Nos tempos em que o futebol era jogado descalço e com uma bola de trapos, conheceu Carlos Sarrazola, com quem posteriormente haveria de ingressar nos juniores do Beira Mar.

Da sua adolescência recorda o voluntarismo de alguns "carolas", responsáveis pela criação de clubes não federados como os "Pequenos Azuis" ou o "Beira Ria".

Considera que os seus melhores momentos futebolísticos foram vividos ao nível do amadorismo, "onde existe uma camaradagem que não se encontra no futebol profissional e onde se joga por amor à camisola". Um amor que nasceu quando era ainda muito jovem (12-13 anos), ao envergar pela primeira vez a camisola beiramarense, por capricho de um treinador que sabia fazer as delícias da garotada.

Após a época de 1947/48, já ao serviço dos juniores do Beira Mar, Fernando Valente passa pela equipa de "reservas" actualmente extinta na qual jogavam os excedentes do plantel ou os que, por questões de idade, se encontravam em fase de transição.

Vai encontrar Sarrazola um ano mais tarde na equipa principal, onde se mantém até aos 28 anos, sem conhecer outro clube que não o Beira Mar.

Protagonista de uma carreira futebolística tranquila e sedentária, nem o Serviço Militar Obrigatório (SMO) conseguiu contrariar essa tendência. Não só cumpriu o SMO em Aveiro, no Regimento de Cavalaria nº 5 (onde está hoje a GNR), como, beneficiando do facto de um dos directores do Beira Mar ser o "sargento Carvalho", obtém permissão para abandonar o quartel às 15 horas. Era o "estatuto de jogador" a sobrepor-se ao dever do recruta.

Casou em 1956 com Maria Helena, vizinha de infância e irmã de Carlos Vieira outro jogador de futebol que, oriundo da escola beira-marense, acabaria por vencer um Campeonato Nacional da I Divisão, ao serviço do F. C. do Porto.

Abandonou o Beira Mar em 1958 e partiu para o Quanza Sul, Angola, onde se estabeleceu, primeiro no ramo da fotografia e, mais tarde, como agricultor e comerciante de algodão e café.

Aí, tem uma breve experiência como jogador, mas foi como treinador que levou a Associação Recreativa de Amboim (ARA) à vitória no Campeonato Distrital e à consequente disputa do Campeonato Provincial.

Curioso é o facto de o ARA haver constado no totobola Português e de Fernando Valente ter aproveitado a "estadia" em África de alguns soldados do Continente. Nomes como os de Cipriano, a esse tempo jogador do Boavista, ou Júlio do Amarante, então a cumprir serviço militar no ultramar, acabaram por reforçar o plantel do ARA e de conceder grandes alegrias ao técnico Valente.

A 4 de Setembro de 1975, regressou a Portugal, mas deixou em Amboim parte do sonho: "aquela imensidão quase infinita tem qualquer magia que nos prende; por mim tinha morrido lá".

Aos 68 anos, ainda acompanha o Beira Mar, mas só através da televisão ou dos jornais e os "tiros à baliza" foram substituídos por cartuchos de caçadeira.

Para um amante das virtudes do amadorismo, a caça − além de paixão − é, por certo, um desporto adequado.


Ora, bolas!

Fernando Valente conta:

FOI UM AR QUE LHE DEU

"Uma vez, durante um jogo, tentei centrar uma bola para a área mas, como o vento estava bastante forte, a bola acabou por entrar na baliza.

No final do jogo, nos balneários, não fui capaz de confessar que a intenção era fazer um centro. Eram «parabéns» a mais para serem ignorados.»

MAIS VALE SÓ...

«Quando cheguei a África, no meu primeiro treino como jogador, constatei que os balneários do clube ficavam situados a mais de dois km do campo. Depois de muito andar, cheguei ao local, mas só encontrei lá um dos dirigentes. Quando perguntei pelo resto do plantel, respondeu-me: "Os outros jogadores? Não sei se vêm; eles ficaram de aparecer"... Acabei por treinar sozinho».

RECEITA CASEIRA

«Dois jovens jogadores do Beira Mar, oriundos de Lisboa, tinham por hábito passar um tempo infinito ao espelho, nos balneários, arranjando o cabelo antes de saírem do local de treinos.

Tanta vaidade merecia uma brincadeirinha, pelo que lhes dissemos que cá na terra o que se usava no cabelo era ovo batido, em vez de brilhantina.

Escusado será dizer que, no dia seguinte, nem pentear o cabelo conseguiam.»

O RIO DA SAUDADE

«Dizia-se em Amboim, África, que quem bebesse água do rio Mazungue nunca mais deixaria aquelas terras. Tenho pena que tudo não passe de uma lenda.»

 

O Jogador: Fernando Valente

Posição: médio direito

Características: boa visão de jogo, organizador de jogo

 

 

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