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Anjos da Guarda numa sociedade egoísta

 
           
 

 

 

obres  sempre os tereis; a Mim, nem sempre Me tereis... "Estas palavras foram ditas um dia pelo maior revolucionário que surgiu sobre a terra. E poucos, neste conturbado século, nesta desenfreada maratona da vida mundial, nesta luta pelo poder, nesta ânsia de soberania terrestre, as terão meditado, vivido profundamente.

Pedem-me um texto em honra da memória dos abnegados Bombeiros Novos, comemorando os seus 75 anos de vida. Hesitei um pouco no que escrever, no que dizer, ao coração desses Anjos da Guarda de uma Sociedade egoísta.


Escrevo... Não escrevo? Hesitei; porque dizer banalidades é chover no molhado. Dizer novidades, é difícil, para quem já tanto escreveu no romance feito pelos sem farda, para que os da farda tingida de tanta generosidade, de tanto sangue, de tantas queimaduras!

Pobres sempre os tereis; a Mim, nem sempre Me tereis... porque eu vou para o Pai. Parafraseando o Mestre, diremos que pobres sempre os haverá neste mundo carente de auxílio, mas bombeiros que correm para o fogo com a mesma generosidade, a mesma ânsia com que correm para beijar a irmã, a mãe, a esposa, os filhos, nem sempre abundou para apagar chamas, cicatrizar chagas de carne feitas, ou de espírito atribulado.

Temos registado mil e um factos no nosso calcorrear de também servir, mil e um casos de abnegação dos homens que envergam a farda do voluntariado. Estultícia seria registarmos os que mais nos sensibilizaram, a agulheta que mais trabalhou. Autênticos actos que enalteceriam qualquer santo que hoje veneramos nos altares.

O bombeiro perde a sua cabeça para se lembrar da do seu irmão. Perde os seus haveres para salvar os de quem, porventura, eram superiores aos seus. Perde o amor dos filhos, quantas vezes, para defender os de quem, quiçá, nunca lho agradecerá! Perde-se, enfim, a si mesmo, para encontrar o outro. Perde-se muitas vezes pelas curvas, porque optou pelas rectas para chegar mais depressa ao seu semelhante que sofre.

O Bombeiro é o homem que, ao fazer o seu compromisso, morre para si, para que o seu irmão viva. Aqui reside toda a / p. 40 / razão da sua existência bombeiral. E até mesmo quando pratica exageros, porventura condenáveis pela sociedade que não está imbuída do altruísmo do correr para o fogo, para as labaredas, o bombeiro continua a ser herói da sua loucura.

Já o escrevemos algumas vezes: há momentos na vida, já tive alguns que me apetecia beijar as mãos negras do fumo, encharcadas de lama, salpicadas de sangue, desses homens que saindo do aconchego dos seus lares, quer seja noite cerrada, ou noite luarenta, quer chova ou neve, não olham a perigos para conseguirem os seus objectivos – salvar vidas e haveres.

Mas não me atrevo a terminar sem contar um dos casos que mais me impressionam nesses soldados da Paz.

Eles, que tudo dão, vêem-se ainda na obrigatoriedade de andar com o saco às costas pedindo (oh, paradoxo!) para melhor poderem servir aqueles a quem batem à porta. É dos actos bombeirais que mais me impressiona, que mais me revolta, em tão nobre e altruísta missão.

A culpa não é do povo, porque o povo é generoso e dá, por vezes, muito do que lhe fará falta, mas é, essencialmente, dos poderes, dos poderes constituídos que há muito deviam ter estruturas capazes de evitar que houvesse bombeiros de sacos às costas. A sua arma não é a taleiga, mas a agulheta, o machado...

Para vós, homens de Aveiro, Soldados da Paz da Corporação desse grande homem, que foi Guilherme Gomes Fernandes, vai o nosso agradecimento; e permitam-me que, com toda a delicadeza, com ternura, com amor reconhecido, vos beije as vossas mãos, porventura calejadas, quiçá queimadas, pelos dois fogos que um dia vos devoraram... Na vossa pessoa beijo, também, todos os bombeiros do meu País, de todo o Mundo.

Aos que já sucumbiram, paz à sua alma.

 
 

Daniel Rodrigues

 
 

págs. 39 e 40

   

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