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Agachada na duna, ao norte da Ria que a baba, defendida dos açoites asperos das nortadas por uma cintura de pinheirais sadios, vive sua vida intensa de comercio a populosa vila de Ovar.

Sem tradições fidalgas e heroicas, sem monumentos religiosos ou profanos a namorar a lubrica curiosidade dos artistas, os seus quinze mil habitantes criam-se no culto fanatico do trabalho honrado e povoam, transformando-o com o suor do rosto e as eternas canceiras duns musculos daço inquietos, o vasto areal, regado e sadio, que o mar ha seculos lhes deixou em usufruto.

Terra sombria e plana, onde não se topa um ponto que dê, num relance, a impressão rigorosamente exacta da sua importancia notavel, a ela coube, pelos seus encantos misteriosos e ainda pela fatalidade das coisas, ser a feliz inspiradora dum livro que se ha de ler emquanto houver portuguezes, porque se não pode esquecer o nome do grande espirito que se chamou Joaquim Gomes Coelho.

São estas palavras agradecidas para a memoria do autor das Pupilas do Senhor Reitor, que não se esquecem nesta terra os retratos fieis que ele desvendou das almas bem portuguêsas do João Semana e do Reitor, da Margarida e do José das Dornas e outra coisa, mais que uma amorosa e infinda saudade, lhe não pode dar quem já lhe deu toda a delicada poesia daquelas paginas.

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Povo nascido nas cabanas duns tristes pescadores, contemplativo, pacato e laborioso, na medula lhe vem o aventureiro espírito dos seus maiores e a pratica feição do homem do comercio, cauteloso, prudente e ladino.


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Especie corrompida de lazzaronis, vivendo a vida sobria dos homens do mar, cheios de filhos e cheios de miséria, o pescador daqui não cultiva sériamente a sua profissão, porque tem ancestrais apetites de errar pelos pinhais e mantem o culto pitoresco do soalheiro, antes de ir tagarelar para a taberna as suas desavenças e os seus negocios. Desta classe cada vez mais minguada, – embora a industria da pesca seja exercida atualmente por seis companhas – é que saem os tipos mais perfeitos e mais sadios das varinas que Portugal conhece, que Lisboa ouve no estribilho ainso dos seus pregões e das suas cantigas e vê solidariesadas na dor profunda que a uma aflija. Porém, derivando ha já bastantes anos para o Brazil o exodo da terra natal, que é bela e boa aos seus olhos de navegantes, de lá só voltam os homens, quando podem transformar em vivenda alegre o palheiro sobrio e desconfortavel, que lá tornarão mais vezes, teimosos em sacudír a fortuna, a amealhar umas libras para a velhice cansada. Assim, dia a dia, suor a suor, sobresalto a sobresalto, se tem feito esta vila enorme, duma área de mais de sete quilometros arruados sem que o Estado com ela dispendesse um ceitil, sem que a politica para ela abrisse generosa a saca das suas benesses, sem falar agora na Republica que em troca do antigo edificio do hospital, mandou o terceiro batalhão de 24. Ao dr. Afonso Costa, pela extinção das ordens religiosas que, comodamente, iam já vivendo no paiz, deve a Misericordia a casa onde está belamente instalada e que era o nomeado colegio das Irmãs Dorothêas.

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Sabendo bem quanto a vida custa, é que na própria terra, na Bairrada, pelo Douro, por esse mundo fora, confiando absolutamente no esforço próprio, cada vareiro, avolumados uns tostões, põe a tenda no limiar da habitação, estende os riscados e corta o bacalhau pelas feiras e pelas aldeias e leva ás costas, pelas dobras povoadas do Marão, o cabaz pesado da sardinha do Furadouro.

 

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Lutando para viver tem o heroismo calmo dos fortes e exgotado, numa modesta abastança – que nesta terra rarissimas são as fortunas importantes – mantem o rigoroso principio da economia ordenada.

Assim, subido um grau na hierarquia social, com umas tintas singelas de civilisação, o seu intimo modifica-se, orienta-se o seu instinto, e o lazaroni irrante elos pinheirais e o palrador bulhento da taberna e soalheiro, transmuda-se no homem de vontade disciplinada e calculista, que é, segundo as circunstancias, prudente e arrojado, mas sempre trabalhador e activo.

Consequentemente, o comercio e as industrias locais não podiam ser coisas mínimas e, tomando largo desenvolvimento, tem a estação do caminho de ferro a render anualmente á Companhia a bagatela duns cem contos de réis. Pouco é, sem duvida, para quem a esta terra não concede, em troca, justas exigencias minimas de horarios, mas alguma coisa significa, em confronto com todas as terras do distrito e com muitissimas do paiz, de valioso pela iniciativa local, de importante e de notavel pelo desassombro, livre de protecções, com que se vae desenvolvendo dia a dia.

E se os acasos caprichosos da natureza dessem a este povo a valvula expansiva dum modesto porto maritimo, com o seu genio pertinaz a dirigir a levada avassalante do seu ouro, então se veria quanto pode e quanto valhe uma vontade energica. Infelizmente, a praia do Furadouro não consente a pesca nos meses de inverno e a Ria, pelo mau estado da Barra, não nos presta – á parte estrumes e peixe – senão um pequeno comercio de embarcados.
 

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Mas, apesar de tudo, da ingratidão do solo, da carencia dum porto de mar, do alheamento em que tem vivido das protecções e favores, este povo tem certo um largo futuro economico, um papel de especial destaque no distrito. Ele será, desembaraçado do fanatismo que o amordaçou, pelo seu espírito bairrista, mas empreendedor e economico, alguem com forte voz para ditar de alto a sua vontade, fazendo do torrão querido o jardim que os turistes busquem para, na deliciosa frescura das suas veigas, poderem ouvir como se levantam, dentro de enormes oficinas, ladainhas formidaveis ao eterno deus do trabalho.

Assim será.

 

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Quartel: – 3.º Batalhão de infanteria 24.

Fabricas: – Conservas; a Varina; Ceramica (telha); Moagens de cereais; Iluminação electrica e tração mecanica.

Misericordia: – (hospital para os povos do concelho).
Bombeiros Voluntarios: Associação dos Socorros Mutuos; Beneficencia Escolar; Club; Duas filarmónicas; Tres hoteis.

Medicos (7); Advogados (7); Farmacias (6); Fotografos: (2); Marchantes (6); Colegios (2) um para o sexo masculino e outro para o feminino; Semanarios (3); Agencias bancárias; Companhas de pesca (6): Teatro, etc, etc.

Oleiros: – (Louca encarnada sem vidrar) 11.

Camara Municipal: – Presidente, dr. Pedro Chaves; Vice presidente, Celestino de Almeida; Vogais: José de Oliveira Lopes, José da Silva Bonifacio, Fernando Artur Pereira, Manoel Dias de Carvalho, Manoel Pereira Dias (em licença).

27 – 9 – 1912

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