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A Porcelana em Portugal

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A Fabrica da Vista-Alegre

 

A fabrica da Vista Alegre, que ocupa uma extensa arca, está situada no concelho de Ilhavo, num dos seus mais apraziveis logares. E' quasi uma vila, esse logar, não só pelo seu grande agrupamento de casas, todas destinadas aos operarios da fabrica, mas pelo numero dos seus habitantes.

Coisa curiosa: o concelho de Ilhavo, que ainda ha poucos anos pouca população possuia, tem hoje mais habitantes que a propria cidade de Aveiro, tal foi o movimento de progresso que nele se operou, assim como na Gafanha, que lhe está anexa.

Mas vamos á fabrica, que visitámos detidamente em todas as suas dependencias e oficinas.

Para conhecimento de quem nos lêr, convem dizer que todas as materias primas gastas na fabrica da Vista Alegre são portuguezas. E' já um alivio para as condições economicas do paiz possuir uma tão grande industria, que tudo o que gasta é nosso.

Pena é que não seja mais protegida, pois tem a fazer-lhe uma enorme concorrencia a industria congenere estrangeira, que hoje não apresenta melhores condições de fabrico.

Todo o kaolino com que se faz a louça de porcelana para meza, para adornos, para essas bugigangas que nos encantam e para os brinquedos de crianças, é tirado de S. Vicente das Pereiras, concelho de Ovar; o feldspato vem de Mangualde e a argila do Casal dos Ovos, proximo de Leiria.


Como se transforma o kaolino nas lindas

e variadas especies de louça

de porcelana

 

São curiosos os preparativos do kaolino, desde a sua entrada na fabrica, Não se calcula a porção de engenhos e mãos por que passa um prato. O kaolino é vasado em grandes tinas de agua e peneirado, depois de um bom banho de tres a quatro dias.


 

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A parte mais fina que sai da peneira é novamente submetida a demorado banho, passando ainda por outra peneira mais fina.

Esta massa é colocada em taboas compridas que mulheres conduzem para um vasto secadouro, onde está até endurecer, o que leva tres ou quatro dias. Depois desta operação é conduzido o kaolino para umas enormes mós movidas a vapor, que o reduzem a pó, passando a outras peneiras finissimas, depois do que é transformado em massa em uns curiosos aparelhos que o tornam maleavel para o trabalho a que se destina.

Assim preparado, é distribuido pelas inumeras oficinas e transformado em pratos, jarros, bacias, vasos, jarras para flôres, etc.

Cada especie tem os seus operarios proprios e oficinas também apropriadas.

Depois do kaolino em massa ter sido passado aos moldes de gesso, modelados em outra oficina e convenientemente acondicionados em caixas proprias, feitas de barro, são estes levados ao forno, onde se apinham em altas linhas e recebem um calor intensissimo durante quatro dias, que é quanto dura a cozedura.

Arrefecido o forno, as enormes pilhas de caixas são dali retiradas, procedendo-se então á abertura das mesmas caixas e tirando-se delas as peças que cozerem, fazendo-se uma seleção rigorosa para a classificação das qualidades.

Toda a louça, depois de cosida, é passada pelo banho de vidro, voltando outra vez ao forno para que o esmalte pegue. Uma grande parte da louça e outros objétos ficam apenas com este trabalho, mas a que tem de levar desenhos e ornamentos passa para a impressão, que é feita sobre as varias peças por meio de uma chapa de cobre aquecida a fogo fortissimo. Daqui vão para a oficina de pintura, onde uns vinte artistas lhes dão os tons necessarios, voltando ao forno para que as tintas não desapareçam quando as vasilhas levarem qualquer liquido quente.

Só depois deste ultimo preparo é que as louças são embaladas e mandadas para todos os diversos pontos do paiz, colonias e Brazil, onde teem larguissima extração.

 


AVEIRO

Paços do concelho

 

Uma vista da ria e da cidade


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Os operarios da Vista Alegre convivem de

uma maneira que devia ser seguida em

outros centros fabris

 

A fabrica da Vista Alegre está prestando hoje serviços muito apreciaveis. Em outros tempos, peça que se partisse, de um jogo de louça, não conseguia nunca substituir-se, ficando para sempre incompleto. Hoje não. Qualquer peça que falte é prontamente substituida naquela fabrica, ficando de maneira a não poder distinguir-se das peças restantes. Este serviço custa caro, porque tem de se fazer o mesmo trabalho de muitos para um só exemplar, mas é um alivio para as pessoas que tiverem incompletos os seus aparadores.

A fabrica foi fundada em 1824 por José Pereira Pinto Basto, estando ainda hoje na posse da mesma familia tão conhecida em Lisboa e Porto, sendo superiormente administrada pelo sr. Teodoro Pinto Basto.

O pessoal operario e artistico conputa-se em quatrocentas pessoas, entre as quaes umas sessenta mulheres. Todo o trabalho é pago de empreitada, havendo operarios que conseguem bons salarios.

O pessoal da fabrica da Vista Alegre não precisa abandonar o delicioso logar em que vive para ir em busca de distrações. Tem de tudo, ali mesmo.

Os que gostarem de passeios em barcos teem um braço da ria que passa ali e segue para Vagos e Sôza, terminando no Bóco; os que se dedicarem á caça, egualmente teem muito perto extensas matas, onde ha peças em abundancia.

Alguns operarios formaram uma banda, que aos domingos delicia os seus companheiros no principal largo da Vista Alegre, e tambem não lhes falta um excelente teatro, em que varios amadores, pertencentes ao mesmo pessoal, exibem os seus dotes dramaticos.

O pessoal da fabrica fórma uma especie de colonia, em que todos se estimam e respeitam, procurando simultaneamente entreter-se nas horas em que o trabalho os deixa livres.

Dão um excelente exemplo de vida, que podia ser seguido nos centros fabris mais numerosos, onde não ha a solidariedade tão necessaria a classes que vivem do mesmo trabalho.

A fabrica é visitada anualmente por milhares de pessoas, entre as quaes muitos estrangeiros, que louvam sinceramente os esforços empregados na produção da finissima louça, que tem adquirido tão justificada fama.


Couto Brandão.