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As
mulheres de Salerno
(Do Visconde de Benalcanfor)
O Visconde de Benalcanfor foi um dos
mais brilhantes escritores da ilustre pleiade do seu tempo.
Nas suas obras, hoje injustamente
esquecidas como tantas outras que honram a nossa literatura, ha
descrições magistrais feitas com um pincel de artista, elegante e
animado, que sabe fazer-nos apaixonar pelos seus quadros cheios de
poesia e de luz.
Recortamos o trecho que se segue do seu
primoroso livro Na Italia, em que o distinto escritor compara as
mulheres de Salerno ás mulheres da nossa beira-mar, que como aquelas
devem ter os mesmos vestigios da beleza e do sangue das fenícias,
das gregas e das musulmanas.
«Salerno, cujas colinas formosamente contornadas
em curvas caprichosas se miram nas ondas azues que veem morrer á
praia, umas após outras soltando gemidos cadenciados e abalando-a
com vibrações sonoras...
A’ medida que vamos entrando pela cidade, cresce
o movimento da povoação.
Dar-se-ha o caso de que tão grande atividade seja
o estado normal dos habitantes? Estaremos por acaso entre os
inglezes ou os belgas da Italia do Sul? Os raios intensos do sol de
Napoles, as auras do golfo, que amoleceram em ocios elegantes os
antigos romanos, já não exercerão seus naturais influxos de
indolencia? Ao passo que revolvia no animo estas perguntas, os typos,
que perpassavam, as cores garridas que me feriam a vista, as frutas
dentro dos cabazes que as belas camponezas levavam á cabeça, os
cestinhos de flôres pendentes dos braços roliços das ramilheteiras
do campo, cujos olhos scintilavam debaixo da mantilha encarnada em
que envolviam o rosto, seIllelhantes ás de algumas pinturas de
Pompeia, mostraram-me a causa de tão desusada animação.
Era o dia da maior feira mensal de Salerno. As
aldeia e a cidade confluiam, pois, para ela numa corrente comum.
As mulheres de Salerno teem não sei que
afinidades com os belos e puros tipos das mulheres dos nossos
ilhavos.
São esbeltas de corpo, o perfil irrepreensivel de
correcção.
Atravez da cutis dourada pelo sol e da opulencia
de contornos, transparecem-Ihes a riqueza e a seiva da vida.
Como elas se parecem com as nossas formosas
varinas nos requebros airosos da cintura, na ondulação dos quadris,
principalmente se, andando depressa, susteem na cabeça um cabasinho,
uma bilha de agua!
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Do mesmo modo que na Andaluzia, o calido
sangue árabe misturou-se com o sangue helenico que girava nas veias
dos colossos da Grande-Grecia. A beleza das formas, o ritmo, o
cadenciado dos movimentos denuncia-lhes a procedencia grega. A côr
da tez, o corte particular dos olhos, o brilho ás vezes selvagem das
pupilas acusam o cruzamento com outra raça bem diferente da atica.
Contemplando-as, acode-nos logo á
memoria que os mouros fixaram por largo tempo o seu predomínio nesta
região. Não ha que duvidar: aqueles tipos são formosos.»
Rubor de Levante
RETRATO
Bluse rubra de papoilas
Girasoes de fulvo oiro.
Um colar de contas moiro
Sobre o rubro das papoilas.
– Uma aurora japoneza
Com raiados arabescos
De morangos os labios frescos
Como aurora japoneza.
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Veio o sol do Sol Nascente
Ao deserto chamejante
Dar-lhe beijos de bacante
– Luz d'amor do sol nascente.
E noivando assim o sol
Lá nasceram de escarlate
Bluse… lábios – olhos mate –
– De noivar assim o sol:
– Uma aurora japoneza
Com raiados arabescos.
De morango os labios frescos
Como aurora japoneza!
Jorge Severo. |
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