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Oaristys
Idilio de Teocrito
Os ldilios de Teocrito não teem rivais na
literatura antiga. A sua, graça natural e campestre, a franqueza da
sua expressão, a sua adoravel singeleza, são superiores, talvez, ás
Bucolicas de Virgilio.
Teocrito esqueceu os encantos das cortezãs e os
artificios das elegantes citadinas.
O amor dos pastores do seu tempo é o entrecho dos
seus adoraveis Idilios.
Ela – Foi um moço como tu, foi
Páris, quem perdeu a prudente Helena!...
Dafnis – Dize antes que foi
Helena quem seduziu o jovem Páris com suas caricias.
Ela – Não sejas tolo, meu
satirosinho! um beijo, tu bem o sabes, não tem mal nenhum!
Dafnis – (abraçando-o). E
portanto a um simples beijo pode seguir-se, sem mal nenhum, uma doce
volupia!
Ela – Ah! isso não, pastor! Então
cerro-te os meus labios. Não quero os teus beijos!
Dafnis – Cerras os labios? Não
faças isso. Vá, da-me um beijo que depois... Eu saberei beijar de
novo a tua boca…
Ela – Se assim é, malicioso, vai
dar beijos ás tuas vitelas! Será bom. Mas nunca o faças a uma
rapariga ainda inocente e virgem como eu.
Dafnis – Deixa-te disso, filha da
Deuza do Amor. A tua juventude vai passar tão depressa como um
sonho.
Ela – Tambem as hervas secam e as
rosas rescendentes de frescura se desfolham e murcham.
Dafnis – Olha a minha razão!
Tambem eu já estou a envelhecer e nem por isso deixo de beber só
leite e mel!
Ela – Pois bebe á vontade o leite
das tuas cabras e o mel das tuas abelhas, mas não chegues a mão;
afasta os teus labios.
Dafnis – Queres passear comigo por
debaixo destas oliveiras? Se soubesses o que te diria!...
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Ela – Não; não quero. Já muito me
deixei eu levar pelas tuas palavras enganadoras!
Dafnis – Vem comigo por debaixo
dos ulmeiros: vais ouvir a frauta com que encanto os meus rebanhos e
namoro as Deuzas das torrentes.
Ela – Guarda para ti essa muzica,
Agradam-me pouco os teus convites!
Dafnis – Pois então tremo pela
colera de Patia!
Ela – Que me ilnporta Pafia,
contanto que Artemisia me favoreça!
Dafnis – Não digas assim.
Acautela-te, não venhas a cair-lhe na rêde!
Ela – Que ela me castigue quando
quizer. Repito-te, Artemisia me protegerá!
Dafnis – Ah! Jovem! tu não
poderás escapar a Eros. Nenhuma rapariga linda lhe escapou jámais!
Ela – Mas hei-de eu escapar-lhe,
por Pan! Quantos me teem requestado sem nenhum me tocar o coração!
Dafnis – Tens razão; sou eu um
desses. Tambem eu queria conquistar o teu amor...
Ela – Mas para quê, amiguinho? O
casamento só traz cuidados e desgostos.
Dafnis – Mas o que se procura com
o casamnto não é a dor, nem o aborrecimento; são venturas e
alegrias!
Ela – O quê? pois não se diz que
a mulher teme o seu marido?
Dafnis – Bem pelo contrario. Quem
governa o marido, é a mulher. E que tem ela a temer, creança?
Ela – Ora o que eu temo… As
flechas de Ilithye são crueis. Vejo tantas…
Dafnis – Mas a tua Deuza,
Artemisia, sabe aliviar as dores do parto…
Ela – Deixa-lo! tenho horror aos
filhos. O meu corpo, que hoje é belo e jovem, fanar-se-ia depressa.
Dafnis – Se tu deres vida a
creanças belas, viverás uma vida cheia de encantos com os teus
proprios filhos.
Ela – E se eu deixar?... que dote
me darás que compense o matrimonio?
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Dafnis – Todo este rebanho, todos
estes bosques, este campo inteiro!
Ela – Mas jura-me que depois de
me teres possuído, não me abandonarás nas minhas aflições.
Dafnis – Juro-te pelo deus Pan!
Ela – E arranjas-me uma casa?
estabulos para o meu gado, um leito e um lar para mim?
Dafnis – Está pronta já a tua
casa e ando a engordar para ti estes rebanhos.
Ela – Mas que hei-de eu dizer a
meu pai?
Dafnis – Ele aprovará a nossa
união desde que saiba o meu nome.
Ela – Dize-me então o teu nome.
Muitas vezes é o nome que nos encanta.
Dafnis – Chamo-me Dafnis; meu pai
é Lycidas, minha mãe Nemoea.
Ela – Sim, os teus pais são de
gente honesta e nesse ponto eu sou egual a ti.
Dafnis – Bem o sei. Tua mãe
chama-se Menalcas.
Ela – Mostra-me os teus bosques.
Onde estão os teus estabulos?
Dafnis – Aqui. Olha como verdejam
os ciprestes!
Ela – Pois seja! vinde, minhas
cabras! Vou vizitar os dominios do vosso pastor!
Dafnis – Continuai pascendo em
paz, oh meus toiros! Eu vou mostrar os vossos bosques á minha
amante!
Ela – Oh! Mas… que fazes tu,
satirosinho! para que acaricias assim o meu seio, por baixo do
vestido?
Dafnis – Para t'o iniciar no
amor…
Ela – Ai! mas eu perco-me, por
Pan! tira a tua mão, Dafnis!
Dafnis – Não tenhas mêdo, minha
virgem. Porque tremes? de que te arreceias?
Ela – Mas que fazes tu, Dafnis! A
deitares-me no chão, tu amarrotas-me toda!
Dafnis – Não te lamentes. E' o
primeiro sacrificio e a primeira oferenda a Pafia.
Ela – Mas eu sinto passos. Olha
que vem alguem, está quieto desgraçado, tu perdes-me!
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Dafnis – São os ciprestes que
contam uns aos outros, docemente, o teu himineu.
Ela – Olha a minha túnica!...
Dafnis – Eu dar-te-ei outra maior
que a tua!
Ela – Hoje prometes tudo, ámanhã
talvez que até o sal me negues.
Dafnis – Até a minha alma te dou!
Ela – Artemisia. Perdoa-me!
Dafnis – Eu imolarei por ti uma
vitela a Eros e uma vaca a Afrodite.
Ela – Vim para aqui virgem, volto
mulher para minha casa!...
Dafnis – Sim, tu serás mulher, tu
serás mãe; mãe que aleitará os seus filhos…
Depois adormeceram. Ao acordar, foi ela,
silenciosamente, guiar ao pasto o rebanho, doce e manso. Eram lentos
os seus passos e levava os olhos baixos, envergonhados e tímidos.
Mas ia em festa o coração e ninguém o suspeitava. Só o sabiam as
hervas e os ciprestes…
Dafnis, esse, sentado a olhar os
novilhos cabriolarem no campo, viu-a partir, disse-lhe adeus e ficou
sonhando com o triunfo do seu amor!
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