Meu
pai, José Henrique de Almeida Neves, nasceu em Angola em 28 de
Janeiro de 1938, sendo filho de Augusto Pinho das Neves e Silvina
Almeida das Neves. Seu avô paterno era homem de estatura muito
elevada para o tempo e uma referência para meu pai. Segundo ele nos
contava, o facto do avô ser uma pessoa muito alta teve influência na
profissão exercida. Na época dele a iluminação era feita com
candeeiros a petróleo ou talvez já a gás. Coube-lhe por isso a
função de diariamente acender e apagar os candeeiros públicos da
cidade de Aveiro.
Henrique
Neves veio para a Metrópole em 1939, com um ano de idade, passando a
residir
em Aveiro na Rua de Sá, mesmo em frente ao quartel de Cavalaria,
onde seu pai, Augusto das Neves, era 2.º Sargento de Cavalaria.
Por
esta razão, meu pai sentia muito orgulho em ter brincado e dormido
muitas vezes no Quartel,
evidenciando sempre, com a humildade que o caracterizava,
ter
excelentes memórias de infância dessa altura.
Já sua mãe, a minha avó,
trabalhava
como empregada
doméstica numa casa de Aveiro,
com
quem o meu Pai mantinha excelentes
relações,
mormente com os filhos dos patrões, que rondavam as idades do
meu Pai. As duas imagens inseridas neste parágrafo mostram
Augusto Neves, 2.º Sargento no Quartel de Sá, respectivamente em
1935 e em 1952. Ver em «Aveiro e Cultura» a rubrica «Quartel de
Sá», onde se encontra a caderneta militar de onde foi retirada a
segunda imagem.
As
suas memórias de infância, no entanto, eram partilhadas entre Aveiro
e Sever do Vouga, mais concretamente uma aldeia chamada Senhorinha,
já que a sua Mãe (a minha avó) era natural desta região. O meu Pai
orgulhava-se muito de ter lá passado vários períodos de férias,
contando muitas histórias e peripécias desses tempos, vividos com o
seu irmão mais velho (Luís Neves) e com a sua Tia Lúcia, conhecida
naquela zona como a Tia Lúcia das Regueifas (regueifa = bolo doce
típico daquela região). A Tia Lúcia, assim era conhecida por todos,
vivia numa casa pequena e muito humilde, no centro de Senhorinha,
onde o meu Pai reconhecia ter passado os melhores momentos da
infância, evocando muitas vezes uma frase que referia ter aprendido
com a Tia e que ele subscrevia inteiramente: "A Senhorinha é
admiravelmente linda".
Mais
tarde, já adulto, sempre que visitava a Tia Lúcia, lembro-me de
rirem muito ao recordarem as "partidas" daquela altura; e as longas
risadas que ambos davam, ao contarem histórias e anedotas um ao
outro. Quem conheceu bem o meu Pai sabe que este era um traço da sua
personalidade, que eu acredito ter muito a ver com a sua vivência
nesta região. Tal como o meu Pai, esta Tia era uma senhora muito bem
disposta, cómica até, de quem o meu Pai se orgulhava muito pela sua
vida de trabalho e dificuldades. No período de férias, o meu Pai
fazia questão de ajudar a Tia a vender as Regueifas nas feiras das
redondezas. E, segundo ele nos contava, eram impressionantes os
quilómetros que ela percorria a pé, mesmo com uma idade avançada.
Em
Aveiro, além das recordações do Quartel, o meu Pai falava muitas
vezes das brincadeiras de rua com os chamados "carrinhos de
rolamentos", que tantas feridas causavam nos joelhos e que nunca
podiam ser alvo de queixume em casa...
Já
mais velho, o meu Pai gostava de jogar, dia e noite, futebol na rua,
ao sol e à chuva, o que acabou por lhe causar uma pneumonia, com
marcas irreversíveis nos pulmões que, na altura, fizeram aos seus
pais temer o pior.
Foi
ainda um grande apaixonado pelo hóquei, desporto que praticou
durante alguns anos no clube da cidade – os Galitos.
É
habitual, nas memórias que escrevemos acerca de alguém, indicar o
currículo académico do elemento biografado. Relativamente aos
estudos de meu pai, tenho de confessar que desconheço onde terá
aprendido as primeiras letras. Muito provavelmente terá sido numa
das escolas primárias de Aveiro, uma vez que veio para esta cidade a
partir do primeiro ano de vida. Com toda a certeza, sei que estudou
na antiga Escola Industrial e Comercial de Aveiro, tendo aqui obtido
o curso de Comércio e Administração. São vários os registos
fotográficos em convívios e festas com colegas desses tempos.
Casou com a minha Mãe, Emília Fernanda Marques Carvalho S. A. Neves,
em 1963, tendo nascido o meu irmão Paulo Alexandre Silva Neves, em
1969, no Canadá, e eu, Cristina João da Silva Neves, em 04/06/1976,
em Aveiro. Além dos dois filhos, são descendentes de meu Pai os dois
netos do meu irmão, João Neves (25 anos) e Diogo Neves (21anos) e um
neto da minha parte, Henrique Neves Rosado (15 anos).
Do
ponto de vista profissional, sei que iniciou a sua primeira
actividade nos Serviços Municipalizados de Aveiro. Posteriormente,
trabalhou como funcionário bancário no então Banco Português do
Atlântico, onde continuou a manter o contacto com vários clientes
que residiam e trabalhavam no Canadá e que lhe transmitiam,
entusiasticamente, as oportunidades que aquele País lhe poderia
também oferecer. Imagino, por esta razão, que o espírito aventureiro
que o caracterizava o terá feito trocar o certo pelo incerto, e
optar pela emigração na década de 1960, logo após o casamento com a
minha Mãe.
No
Canadá exerceu várias actividades, relativamente às quais não vou
precisar de me alongar, porque, melhor do que as minhas palavras,
são as que ele próprio redigiu, em 2018, num
e-mail de resposta a uma entrevista e que lhe foi pedida
para um Jornal e Rádio Portugueses no Canadá, que se interessaram
pelo seu percurso pioneiro como emigrante.
O
meu Pai regressou do Canadá no auge da sua actividade profissional
naquele País, após inclusivamente ter recebido um prémio de mérito,
que se traduziu numa viagem e estadia em Miami. O regresso
prendeu-se com motivos pessoais, nomeadamente a falta de adaptação
da minha Mãe àquele País, tendo o regresso sido uma decisão
familiar, pouco tempo depois do nascimento do meu irmão.
Devo
acrescentar que, enquanto esteve no Canadá, o meu Pai sempre se
preocupou em aperfeiçoar a língua natal daquele País, tendo
frequentado em horário pós-laboral vários cursos de Inglês, que lhe
permitiram a obtenção de certificados com distinção e o orgulho de
falar fluentemente a língua inglesa. Recordo que, sempre que íamos
para o Algarve de férias, o meu Pai frequentemente fazia amizades
com estrangeiros que acabavam por conviver connosco durante as
férias; e alguns chegaram mesmo a manter contacto durante todo o
ano.
Após
sete anos de emigração e regresso a Portugal em 1970, o meu Pai é
novamente convidado a integrar os quadros do Banco Português do
Atlântico, em Aveiro, acabando, mais tarde, por ingressar no Banco
Pinto & Sotto Mayor, actualmente Millennium BCP, onde cimentou a sua
carreira profissional até à data da reforma, em 1999.
A
sua conhecida vertente comercial fez dele um profissional
reconhecido pela sua espontaneidade e facilidade em estabelecer
"relações" e criar laços que perduram no tempo…
Na
vida pessoal, o meu Pai era também isso mesmo, um Homem de Relação,
de Contacto, de Convívio, de Histórias, de Vivências, de Rua, de
Vida! E talvez seja esta a melhor forma de referir e definir os seus
tempos livres... Os encontros ou mesmo as "reuniões" com os amigos
na conhecida “Casa de Jornais” nos Arcos, os jantares descontraídos
com os amigos do costume, todas as primeiras quartas-feiras de cada
mês, a anedota nova por contar ao amigo que encontrava
inesperadamente na rua, os convívios com a família, e a
disponibilidade total para os netos, sobretudo para o mais novo,
relativamente ao qual a sua situação de reforma lhe permitiu
acompanhar e ser cúmplice praticamente diário de momentos e
brincadeiras que o faziam recuar no tempo.
Era
também um apaixonado pelo seu Clube do coração, o Sport Lisboa e
Benfica, relativamente ao qual não perdia um jogo em casa, ou mesmo
na Casa do Benfica, em Aveiro. Atrevo-me mesmo a dizer que o Eusébio
foi o seu grande ídolo. Viveu sempre com grande emoção todas as
conquistas do clube e deixou esse legado aos dois filhos.
O
Beira Mar esteve também sempre no seu coração, tendo mantido uma
relação muito próxima com um dos seus treinadores, o Mister Jean
Thissen que, mesmo após a sua saída do Clube e do País, fazia
questão de visitar 2 ou 3 dias por ano, simplesmente para desfrutar
do prazer da sua companhia.
Efectivamente também a sua grande dedicação ao património aveirense
fazia parte dos tempos livres, principalmente no que respeita à
busca de registos fotográficos antigos sobre a cidade que tanto
admirava. Fazia questão de partilhar essa informação não só no
«Aveiro e Cultura», mas também nas redes sociais. E fazia-o
sobretudo com fotografias que ele próprio designava orgulhosamente
por "Aveiro Antigo".
A
Internet permitia-lhe também pesquisar e manter-se actualizado
relativamente a tudo o que dissesse respeito ao Canadá, ocupando
também dessa forma os tempos livres, partilhando orgulhosamente
fotografias do País, que tanto idolatrava e com o qual nunca perdeu
o vínculo, quer por contactos que foi sempre mantendo, quer por
partilha de informações e fotografias.
Recordo ainda que, em 1990, voltou ao Canadá com a esposa e os seus
dois filhos, um dos quais nascido naquele País. Tenho a certeza que
foi um momento de grande felicidade para o meu Pai, assim como a
viagem que fez a Moçambique de visita ao filho, nora e netos, onde
teve a oportunidade de voltar a África, continente onde nasceu, e de
desfrutar na companhia da família, locais e paisagens de terras
africanas.
Termino com a certeza que me alonguei mais do que devia, e que muito
haveria ainda para dizer… Resta-me acrescentar que, como filha,
defino o meu Pai como a Melhor Pessoa que conheci até hoje, de
coração gigante e sempre disponível para ajudar gratuitamente.
Aveiro, 11 de Novembro de 2021
Cristina Neves
Galeria
de Imagens |
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Bisavô de Henrique
Neves. |
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Avô de Henrique
Neves, que se destacava pela sua grande altura, com o filho,
Augusto Pinho das Neves. |
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Henrique Neves (à direita) com o irmão, Luís
Neves, e seus pais,
Augusto Pinho das Neves e Silvina Almeida das Neves. |
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Henrique Neves ao
lado do irmão, Luís Neves. |
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