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          Escola Secundária José Estêvão – 22 Março 2012 
          
          
          Colóquio “ A minha Escola, o meu Futuro...” 
          
          Bom dia. 
          Chamo-me Zé Pedro, sou de Aveiro e toco contrabaixo nos Deolinda. 
          
          Fui 
          aluno desta escola do 7º ao 12º ano. Na altura, a música ainda não 
          estava tão presente na minha vida. Estudava ciências e ainda pensei 
          seguir a electrónica e as telecomunicações, que na altura eram uma 
          coisa muito avançada e exótica. Praticamente não existia internet, os 
          jogos de computador eram muito básicos. Só muito poucos adultos tinham 
          telemóvel que era mais ou menos do mesmo tamanho que as vossas 
          mochilas da escola. Ocupávamos os intervalos à conversa com os 
          amigos. Ocasionalmente, no ginásio da escola, havia concertos a que ia. 
          Gostava de assistir e não me imaginava em cima de um palco. 
          
          Mais 
          tarde, entre o 10º e o 12º ano, alguns colegas meus formaram uma 
          banda. Através da música, conheciam algumas pessoas que tinham mais um 
          ano ou dois do que eu e que nessa altura me pareciam muito mais velhos 
          e adultos. Eu ia assistir a alguns ensaios e achei que devia ter a sua 
          piada tocar um instrumento musical. Não mais do que isto, para mim era 
          um passatempo. Não que os meus pais não tivessem insistido comigo 
          várias vezes ao longo da adolescência para tocar um instrumento 
          musical. A minha mãe perguntava-me de tempos a tempos se não queria 
          aprender, por exemplo, guitarra. Nunca tive grande vontade, até um dia 
          decidir que queria tocar baixo eléctrico. De uma forma muito simples, 
          é um instrumento de 4 cordas, com uma afinação mais grave que a 
          guitarra. Um instrumento que me permitia ter um papel na música, numa 
          banda, mas se calhar um papel mais low-profile, mais recatado. Se 
          calhar, sem me aperceber, mais a ver comigo. Isto aconteceu no final do 
          liceu. 
          
          Tenho as 
          melhores recordações dos anos que passei nesta escola. Muito antes de 
          ter sido aqui aluno, estava habituado a vir cá porque a minha mãe era 
          e ainda é cá professora, e está aqui hoje. Impressionava-me o tamanho 
          da escola com corredores gigantes, muitas salas de aula, laboratórios, 
          ginásio, campos de futebol, basquete, biblioteca, um mundo. Muitos 
          professores marcaram-me na aprendizagem, pela grande sabedoria que 
          tinham, mas também pelo dom de nos manter concentrados e com vontade 
          de aprender muitas vezes temas e matérias difíceis para adolescentes. 
          Adorava as aulas de trabalhos manuais, lembro-me de fazer as mais 
          variadas coisas. Um barco pisa papéis em ferro, um candeeiro em barro, 
          um painel de azulejos com a  ponte do canal de São Roque e um tapete 
          de Arraiolos em que conseguimos juntar a turma toda e cada um fazia um 
          quadrado de tapete igual. No final, juntámos tudo e oferecemos à 
          escola. 
          
          Para 
          além das aulas, as visitas de estudo eram também uma grande diversão. 
          Organizávamos algumas actividades para juntar dinheiro para ajudar a 
          pagar a visita de estudo. As nossas mães faziam bolos para vender na 
          sala dos professores. Mas havia situações mais engraçadas. No 11º ano, 
          alguém na turma conseguiu que uma fábrica da zona de Aveiro nos desse 
          alguma louça com ligeiros defeitos para vender na escola e ajudar nas 
          despesas de uma visita de estudo a Londres. No final de uma manhã de 
          aulas, chegou à escola uma carrinha completamente carregada de louça. 
          O átrio principal da escola ficou tão cheio, parecia uma feira e nós 
          todos contentes a vender a louça aos funcionários e aos professores. 
          Isto ajudou-me a perceber como uma boa ideia, vontade de trabalhar, 
          não ter medo de arriscar e uma comunidade que dê aos jovens um 
          contributo para poderem extravasar as suas ideias e a sua energia 
          podem dar um excelente resultado. No final do ano, ir a Londres, andar 
          pela primeira vez de avião e ver uma loja de discos tão grande que 
          tinha uma estação de rádio dentro da própria loja foi marcante. Nesta 
          altura, estudava ciências, para poder concorrer a engenharia civil. Ao 
          contrário da música, desde pequeno me fascinavam as obras e as 
          escavadores, muito provavelmente por ser filho e neto de engenheiros 
          civis. 
          
          
          Lembro-me do Verão do 12º ano, em que depois do último exame nacional 
          feito nesta escola, fui com uma série de colegas para o Porto a um 
          grande festival, para ver uma série de bandas que a vocês já não vos 
          devem dizer grande coisa: Smashing Pumpkins, Skunk Anansie, Beck. Com 
          o final do liceu, como a música ainda estava a despontar, segui 
          Engenharia Civil, no Porto, na Faculdade de Engenharia. Comecei a ter 
          aulas de música ao mesmo tempo que estava na Faculdade. Passado um ano 
          de começar a tocar, fui convidado para fazer parte de uma banda em 
          Aveiro, os FULL PULL. Musicalmente era bastante diferente do que faço 
          hoje em dia, uma mistura de rap e metal. Mas, olhando para trás, é 
          engraçado perceber que na minha primeira banda se cantava em Português 
          e que as letras apesar de um teor bastante diferente dos Deolinda, 
          para a nossa idade, tinham uma consciência cívica.  
          
          Chegou o 
          dia do meu primeiro concerto. Acho que o nervosismo que sentia não me 
          deixou ficar com grandes recordações. O concerto foi no ginásio desta 
          escola e tocámos 5 ou 6 músicas.  Passou depressa mas a sensação de 
          poder partilhar música foi muito recompensadora. 
          
          A partir 
          deste momento, a minha vida foi mudando. Entre os estudos de 
          engenharia, tinha de arranjar tempo para estudar música. Passados dois 
          anos no Porto, mudei-me para Lisboa, para o Técnico. A música ocupava 
          cada vez mais tempo e tinha de me organizar meticulosamente para 
          seguir a aprendizagem do contrabaixo, o meu instrumento, que comecei a 
          tocar em Lisboa pela influência do Jazz. Estava a estudar ao mesmo 
          tempo na Escola de Jazz do Hot Club, em Lisboa, no Conservatório 
          Nacional, onde me encontrava a estudar contrabaixo clássico, e no 
          Instituto Superior Técnico onde estudava engenharia. Foram anos 
          agitados, em que a música muitas vezes era o escape para o estudo da 
          engenharia. Isto levou-me a perceber que áreas tão distintas como a 
          música, uma arte e a engenharia, uma ciência, estão aparentemente 
          muito mais próximas do que eu imaginava. Se por um lado, para nos 
          expressarmos musicalmente temos de utilizar a criatividade a 
          improvisação e a emoção do momento, por outro, temos de ter o rigor de 
          cumprir a harmonia, de ter um tempo consistente a tocar ou uma 
          intensidade adequada. Expressões que, quando aplicadas à engenharia, 
          também fazem todo o sentido. Se ao rigor na análise do problema e à 
          consistência do cálculo efectuado não improvisarmos uma nova solução, 
          harmoniosa, não conseguiremos avançar. 
          
          À medida 
          que ia tendo mais experiência a tocar, ia-me entusiasmando cada vez 
          mais e os concertos começavam a suceder-se. Quer em grupos de jazz, 
          quer na banda que tive antes dos Deolinda, os Lupanar. Foram muitos 
          anos a estudar, a ensaiar, a tocar em salas vazias em péssimas 
          condições para os músicos e o público mas com a certeza de que, um 
          dia, se dependesse de mim, iria fazer apenas o que gostava 
          verdadeiramente. Música.  
          
          Mas esse 
          dia tardava em chegar. Acabei o curso e naturalmente comecei à procura 
          de emprego como engenheiro. Conciliava as horas de trabalho como 
          projectista de redes de abastecimento de água e saneamento com os 
          concertos nos tempos livres. Os primeiros ensaios dos Deolinda eram à 
          noite ou aos fins de semana, depois de um dia de trabalho esgotante, 
          dia após dia, semana após semana. Destes tempos retiro que uma grande 
          qualidade que a escola nos incute é a organização do tempo. 
          Apercebi-me também que aguentamos muito mais do que alguma vez podemos 
          pensar. Chega o dia do primeiro concerto dos Deolinda em 2006 em 
          Lisboa. Há pouco menos de 6 anos. Foi num sala, em Lisboa para não 
          mais do que 50 amigos. As músicas foram bem recebidas, mas mal 
          imaginávamos o que se passaria nos anos seguintes. Entre dias de 
          trabalho e noites de ensaio, os concertos com os Deolinda começavam a 
          suceder-se. Cada vez tínhamos mais público nos concertos e a vontade 
          de gravar um disco surgiu. Em Dezembro de 2007, entrámos em estúdio e 
          em Abril de 2008, saiu o primeiro disco, “Canção ao lado”. Depois de 
          um final de Primavera e Verão com muitos concertos, com muitas pessoas 
          e as primeiras salas esgotadas, era impossível aguentar este ritmo. 
          Impunha-se uma escolha. Ou continuava a trabalhar como engenheiro, e 
          arrepender-me-ia até ao fim da minha vida, ou então, dava um salto 
          para o desconhecido e tornava-me músico, trabalhador independente, 
          gestor da minha vida e da minha vontade, em conjunto com os meus 
          colegas e familiares de banda e toda a equipa que nos acompanha.
           
          
          Depois 
          de muito pensar, era óbvia a decisão a tomar. Tinha passado os últimos 
          meses a pedir ao chefe no trabalho mais um bocadinho de hora de 
          almoço, que compensaria ao final do dia, para poder ir tocar à 
          televisão. Saía mais cedo no final da semana e metia-me a correr no 
          carro para de Lisboa ir até Aveiro, Coimbra, Porto e chegar a horas de 
          poder tocar. Até que em Fevereiro de 2009, despedi-me de todos e saí 
          do trabalho rumo a Abrantes para o meu primeiro concerto somente como 
          músico profissional. Com muita persistência e organização, tinha 
          conseguido o que a partir do final da adolescência sempre quis, ser 
          músico profissional. Nesse mesmo mês levámos pela primeira vez a 
          Deolinda além fronteiras. O nosso primeiro concerto fora de Portugal 
          foi na Bélgica. Graças a estarmos a fazer a primeira parte da Tereza 
          Salgueiro, cantora que havia pertencido aos Madredeus, tínhamos um 
          teatro cheio para nos ouvir. Correu muito bem, o receio de que a 
          mensagem das canções não passasse, desapareceu. Ao fim ao cabo, a 
          música é uma linguagem universal. No final do concerto, tínhamos 
          Belgas e Portugueses a aplaudir. Não parámos mais, temos tocado um 
          pouco por todo o Portugal. Do Teatro Aveirense ao Açores e à Madeira. 
          Já tocámos em mais de 25 países, da Suécia a Itália, de Espanha à 
          Bulgária, de Marrocos à África do Sul, dos Estados Unidos, a Goa, na 
          Índia, ou Macau. Nada me dá mais prazer do que ver o que estudei em 
          História e Geografia ao vivo. E penso que na altura em que estudei 
          nesta escola, sem ver com os meus olhos, não consegui imaginar tudo o 
          que tenho visto. Como Aveirenses, como Portugueses, como cidadãos do 
          mundo, chegámos muito mais longe do que alguma vez imaginei. Para além 
          das marcas que deixámos noutras terras, da nossa cultura, descobri uma 
          coisa que me deixa muito feliz. Há, em todo o mundo, um gosto por 
          Portugal, pelo que fazemos e pela maneira como somos. Há interesse 
          pela nossa música, pela nossa cultura, pela nossa maneira de ser, pela 
          nossa generosidade e simplicidade. Acho que um dia, quando terminarem 
          os vossos estudos nesta escola, e levaram o vosso talento para onde 
          forem, serão diferentes, serão melhores mas, de certeza, levarão 
          convosco um pouco desta escola, de Aveiro e de Portugal. Muito 
          obrigado! 
          
          
          José Pedro Leitão 
  
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