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Vagueando…
Pensar, morrer, amar, odiar,
ou simplesmente vacilar. São estados existenciais de todos os humanos
mergulhados num passado que, sempre, corrói.
Somos, eternamente, seres do
passado e do presente. Meros instantes, momentos de cólera, de paixão e de
compaixão. Seres mundanos e intra-mundanos que se excedem nos limites
indeterminados do Universo. Nele nos movemos como pequenos pontos repletos
de grandes desejos, de intensas ambições de marés imensas de ilusão, de
utopias em que cremos, como se de realidades autênticas se tratassem.
Somos Prozac. Adrenalina pura.
Sempre prontos a explodir.
Passeamos, calmante, pelos
jardins das nossas cidades, esses jardins de pedra e de caminhos por onde
vagueia o nosso imaginário, algures perdido…
Mesmo transbordando de
originalidade, somos tão comuns, tão mesquinhos, como todos os outros que se
nos apresentam como inferiores e, até mesmo, indignos das nossas palavras,
dos nossos gestos, por mais insignificantes que sejam.
E aí estamos nós. Homens e
mulheres, no gigantesco teatro do Mundo, cujo palco é a Vida, a nossa vida,
marcada por uma azafama constante, não se sabendo bem em nome de quê, nem
para quê…
Habituámo-nos a viver em
multidão. Perdemos a individualidade. Sabemos que já não vale a pena ser
Narciso. Eco morreu longe. A sua voz de alerta não paira mais em derredor
dos nossos ouvidos.
Somos todos os outros. Menos
nós mesmos. Fixamos o infinito. E perdemo-nos dos outros e nós mesmos.
Balbuciamos algumas palavras
que, apenas, a nós, nos dizem respeito. Por vezes, também gritamos, bem
alto, para que o Mundo inteiro nos ouça. Precisamos de extrapolar todo o
sofrimento vivido e por viver. E aí somos o passado. Sim. O passado, mas
lançados num futuro que vemos em sonho, alucinados, inquietos, como se
tivéssemos a obrigação de controlar tudo. E como se o Tudo fosse ainda
pouco. Como se declarássemos a morte ao Acaso, ao Fado, ao Destino.
Somos tão estranhos e tão
complexos que mergulhamos, sempre atónitos, na tragédia que, a cada passo,
criamos como traço central da nossa própria existência.
Marcamos o passo e o compasso
do nosso caminhar, mas a um ritmo tão irregular que nos perdemos no
contra-tempo.
Somos o tabuleiro do jogo.
Outras vezes as peças que sobre ele se deslocam, segundo a vontade dos
jogadores, os outros de nós mesmos. E ainda por cima, escravos de tudo isto,
como se o papel e a caneta tivessem a estrita e peremptória obrigação de
serem os nossos fiéis confessores.
Somos tão estúpidos, tão
bestiais… que fingimos não ver o que realmente vemos. Esse célebre
pleonasmo, do “visto, claramente visto”, já não faz parte dos tramites da
nossa consciência de animais com cio, de tarântulas voadoras, ou de qualquer
espécie de aberração que deixámos, pelas nossas próprias mãos, que a
Natureza, um dia, criasse.
Iludimo-nos e pensamos que
somos donos de tudo. Quando, afinal, nem sobre nós mesmos temos algum
domínio digno de consideração.
Somos incapazes de perceber o
estado da nossa própria humanidade, se é que este vocábulo, tantas vezes
repetido, ainda tem algum sentido, algum conteúdo, explícito ou implícito,
que nos possa falar.
No entanto, continuamos, mesmo
que nos vejamos despidos de tudo, desses traços de uma tal humanidade que há
muito perdemos de vista, ou que a nossa vista já não alcança…
Meu Deus…! Como a nossa miopia
cresceu nestas últimas décadas…! O “Homo Sapiens, Sapiens”, assim nos
chamam, é, nos tempos modernos, o “Homo miupus”, aquele que não é capaz de
ver para além do que a sua vista torna simplesmente visível na proximidade
dos objectos.
Somos, amiúde, puros
espectadores passivos, entes sem convicção de identidade própria e
determinada.
Somo o que somos. Mas não
sabemos o que somos…
Chegamos mesmo ao estado de
objecto, entre outros objectos. Nada mais. Passamos por elementos de
cálculo, de factura, de recibo, tão descartáveis como quaisquer outros
materiais informes, peças de uso quotidiano que, marginalmente, vão
excedendo e ascendendo…
Somos estádios de passagem;
pequenos detritos do lixo cósmico; pedaços de meteoritos que se
estilhaçaram; folhas de árvores caducas, a todo o momento espezinhadas nas
ruas, nas praças, nas calçadas perpetuadas pelos passos das gentes…
Mas que tédio…! Que cansaço…!
Que atrocidade esta coisa de ser humano entre milhões de ditos e reditos
seres humanos.
Homem: transcende-te, de uma
vez por todas. Passa ao outro de ti mesmo, esse que usa o verdadeiro rosto
escondido por detrás do opaco véu do teu inútil viso.
Ou, então, se te queres matar,
mata-te de uma vez, depois de te esqueceres que és um existente envolto e
impregnado em dilemas que te fazem rodopiar como um pião.
Homem: pára, escuta e
cresce... Ouve os apelos do Mundo e da Terra que, mesmo martirizados por ti
próprio, ainda alcançam o seu grito de alerta, em sinal de um advindo
acolhimento, re-colhimento...
Homem: parte e rasga todos os
horizontes, reais e possíveis. Só assim quebrarás com o passado, e
encontrarás as réstias de um radioso dia…os traços de um tempo outro, ou de
um outro tempo…de uma nova idade…de um novo amanhecer…de um outro re-nascer…
Isabel Rosete
19-01-2001 |