O sentir, os
sentimentos que em nós o mundo desperta, reside no homem, sempre à flor
da pele, mas também acima de si mesmo, evocando uma necessidade de
transcendência do “eu” que parece não caber dentro da sua
própria esfera; não como uma contingência, mas como uma necessidade, tão
básica e tão preciosa como a própria existência. Por isso, «não houve
lua em toda a noite e foi pena. Fazia-me bem ao sentimento um pouco de
melancolia. Não tenho melancolia, eu. Também não tenho nada para em vez
dela. Raiva, desespero, qualquer porcaria assim. Qualquer que estivesse
acima de mim e me tomasse à sua conta. Estou metido no meu tamanho e
assim é mais difícil de aguentar, porque tenho de domesticar o que é
maior do que eu. De vez enquando naturalmente há a pressão. E então há a
tentação de me deixar ir. Não vou. Olho à volta e tudo é grande e cabe
lá tudo o que em mim é demais».
Mais do que uma
poética da prosa, em Vergílio Ferreira verifica-se uma poética do
espírito, ou, se quisermos, uma poética da existência.
Mas o que há é, sobretudo, uma poética do humano. É
inarredável do seu espírito criativo um humanismo
absoluto, mesmo quando tomamos contacto com o seu ensaísmo ou
com a sua obra ficcional. É também aqui, nesta dimensão da palavra
igualmente criativa, que se afirma o espírito de criador
total.
É, ainda, essa
Palavra infinitamente criadora que nos revela essa
preocupação sistemática em pensar o homem, na sua humanidade; o homem, o
que existe de mais espantoso no seio da existência. Assim o vê o autor
quando cita os primeiros dois versos do segundo coro de Antígona:
«O homem teve sempre a unificação do tronco e só nos ramos era
diversificado e folclórico. Agora é só diverso e como justificar a
diferença sem nada em que permaneça? O homem é um jogo de espelhos, com
reflexos mútuos e divertidos sem nada do eu seja a reflexão. O homem é a
luz de um astro para haver luz e ainda há. O homem é a ficção de si sem
nada do que ainda seja ficção – mas malabarismos mentais acabou».
Para além de todas
as considerações, o autor procura uma definição de homem. Importa saber,
não apenas “O Que é o Homem?”, questão essencialista que
exige uma resposta do tipo “S é P”, que procura, à maneira dos
lógicos, uma definição nominal, mas, sobretudo, “Quem é o Homem?”,
seguindo a linha existencialista, segunda a qual a figura humana é
determinada não tanto pela sua essência, mas pela sua existência.
Sabemos que há múltiplas definições de homem, desde a apresentada por
Cícero no princípio de todas as reflexões humanistas ‑ «gens nulla
tam fera», «tam fera quae non scicat Deum esse» – ou de
Aristóteles que o rotulou com a “etiqueta” “xvon
logon
econ”
e fê-lo carregar o peso
da pura racionalidade durante séculos.
Foi responsável
pela existência de um Homem marcado pela ausência do sentir, dos
sentimentos, que mesmo presentes não são nobres, têm um estatuto
inferior ao da razão, continuando a dualidade antropológica determinada
desde Platão e assaz acentuada por Descartes e outros mentores do
racionalismo.
Mas sabemos,
também, que o homem «é um animal que ri, é um bípede sem penas mas
antes disso porque só aí começa a ser humano, um animal religioso».
Independentemente das definições, torna-se claro para o autor a
emergência dessa necessidade de o homem ser humano, não obstante o
orgulho e a mediocridade, a sabedoria, a inteligência ou a ignorância, a
petulância ou a estupidez. Mas o que interessa é explicar o
mistério da vida, o mistério da vida humana, aquém
e além de todas as definições, porque o homem é, para Vergílio Ferreira
a sua própria vida: a sua essência reside na sua existência, ou melhor,
a sua essência reside no seu próprio modo de vida. E é na infância
que encontramos a verdade essencial e indestrutível para a vida
inteira, essa verdade guardada na memória que retém todo o
passado e anuncia todo o futuro.
O tema da
Infância do homem, da infância do próprio autor, surge na
escrita vergiliana antes de mais porque é um tema que faz remontar ao
mais originário, ao início, à fonte impalpável do sentir. Assoma,
naturalmente, desde Manhã Submersa (1988), sendo depois
recuperado em muitos dos seus romances posteriores.
A Infância
é essa espécie de menoridade mental, uma espécie de primeiro estádio
existencial, o primeiro modo de ser e de estar do homem no mundo, onde
repousam só aquelas coisas que existem para quem não cresceu.
Vergílio Ferreira
não se coloca, obviamente, numa posição psicologista ou psicanalítica,
quando escreve sobre a infância, sobre a sua infância, mas numa
linha puramente existencialista, que envereda pelo sentido da
auscultação das marcas de um “eu” vivente sempre
personificado, mas nunca objectivado, que, aliás, perpassa, toda a sua
obra. Esse “eu” vivente, nesse primeiro estádio existencial,
incorpora em si o excessivo de tudo quando a vida começa, o entendimento
do incompreensível, a melancolia de estar só.
«A infância,
lembro-me às vezes, escreve Vergílio Ferreira, em Até ao Fim.
Lembro-me pouco, é curioso. Possivelmente tem-se a infância do que se
é na idade adulta. E não ao contrário. A única coisa que me lembro na
idade adulta – será isso ser-se? A única coisa que me coube na idade
adulta é aguentar. Aguentar é ser contra o que nos é contra, tudo tem
sido tão contra. Mas às vezes, a infância, a adolescência – que é que
vem ter comigo desde então?».
Vergílio Ferreira
determina, aquém e além de todas a definições ou problemáticas, o seu
grande objectivo para a humanidade:
(1)
«Retornar à medida humana e está lá a grandeza toda»;
(2)
«A reconversão ao microcosmos em que tudo está ao alcance da mão»;
Afinal, «o
homem é que criou tudo que criou. E ao princípio era ele. O homem só não
é o princípio quando é o fim estendido para arrumação». Então já
não falamos do homem, mas «do lixo municipal».
Mas Vergílio
Ferreira, o narrador, detesta este tipo de figura, de rosto, em que o
homem se tornou, pela sua mania do problema, pela mania de entender, por
essa obsessão excessiva de ser histórico, «sentado na História como
se ela fosse um carro eléctrico».
E detesta-o,
ainda, por trabalhar a um número alto de pulsações por minuto, mas,
sobretudo, por se parecer consigo, Vergílio Ferreira, pelo que o repulsa
em si mesmo: essa «emoção fácil», esse «vício reflexivo».
O homem é assim mesmo; e o seu «destino é estoirar», a não ser
que haja um freio que se lhe coloque, sempre que não pensa como um
animal racional, sempre que não tem ideias e viva, apenas, de violência
e de inutilidades.
Mas o que
podemos dizer, ainda, do Homem?
Encontramos ou não, um conjunto de palavras que o possam “definir”, ou
pelo menos, determinar os traços do seu ser si mesmo? «Olho as
últimas estrelas, mas tudo é falsificação. Que outra definição para o
homem? Também gosto de definir. Génio no desemprego, também. Construção
aérea de si, imaginário de si. Também. Ser falsificado. É a definição do
Homem.»
Essa poética do
humano, essa poética da existência, onde Vergílio Ferreira funde, em
última instância, o homem e a arte, é anunciada e enunciada em Do
Mundo Original, onde o autor reflecte especificamente sobre a
arte, sobre o romance, na esteira de Malraux ou de Cassirrer, apontando
no próprio destino da arte o destino do homem (tema que desenvolveremos
com particular acuidade no próximo capítulo), também claramente
enunciado numa obra posterior – Pensar (1992) – onde
perguntar pelo futuro da arte torna-se sinónimo do perguntar pelo futuro
do homem.
Nesta obra se
vislumbra o autor de Espaço do Invisível. Uma vez mais e
sempre a questionação das coisas e do mundo, a reflexão em torno da arte
e de todas as suas implicações estéticas na sua relação com o tempo.
Desta notável obra
ensaística, dois livros que ficarão, «para sempre», como um marco
notável do ensaio contemporâneo: Invocação ao Meu Corpo e
Pensar, estes últimos escritos de acordo com o estilo do
seu Diário (a sua obra maior em extensão, pois abrange
nove volumes, publicados entre 1800 e 1994).
Pensar,
assume já uma dimensão fragmentária, pois é constituído por breves
apontamentos de reflexão acerca da vida quotidiana, do país e do mundo,
desse mundo que o autor contemplava sem se deixar envolver por ele de um
modo directo, mas cujo íntimo sofrimento não era menor por isso.
Projecta-se uma vez mais, o autor, nesse Espaço do Invisível,
ou seja, nesse espaço metafísico onde só as ideias e o espírito que lhes
é subjacente sobrevivem.
De facto,
movemo-nos por entre a invisibilidade como quem se move por entre
nevoeiro denso. Por ela, a nossa vida verdadeira submerge ao olhar do
mundo. Nasce, porventura aí, o nosso sofrimento maior. Talvez a nossa
solidão definitiva. Por vezes, a solidão do escritor é um mito, há muito
instaurado em certas mentalidades. Não obstante, ser solitário é isso
mesmo: ser invisível face ao olhar agressivo e violento do mundo, um
mundo cada vez mais incompreensível perante cada existência individual.
Ao olhar do espírito, a complexidade do mundo assume uma dimensão
absurda, pois os caminhos do homem devem procurar a simplicidade. Este
será sempre um dos princípios da superior criação: só pela simplicidade
poderemos algum dia ser verdadeiramente fecundos.
E apesar de
fragmentário, em Pensar, há uma nova compreensão do homem,
um novo julgamento acerca da nossa condição de seres viventes no meio
social. Mas há, também, uma visão cristalina, como se o autor estivesse
a descobrir o mundo pela primeira vez. Sentimos sempre essa obsessão: a
procura pelo começo do começo, a busca do inaugural, do absolutamente
primeiro, tão fascinantemente presente em Até ao Fim: «Todo
o começo é ingénuo e necessário. Toda a esperança está cheia de um deus
mortal. Um filho que nasce, uma obra que se inicia. Uma verdade que se
ilumina. É a história do homem (...)».
É preciso ser
simples até à origem, até ao elementar e «entender o sinal do início.
Do que é gratuito». É preciso regressar às «origens do mundo na
terra final desabitada», e tomar nas mãos toda a história do Homem,
«desde um dia até um dia», e atirá-la para o mar onde se dissolve
na «espuma enrodilhada», dispersando-se no seu rumor. Porque o
autor sabe que o «Universo vai começar», ouve-o no «estrondear
intenso das águas», como não ser ele aí no começo de si. «E o
aroma intenso à vida, à fertilidade, o mar sabe a voz primordial».
Porque, afinal, o que há a nascer não tem memória como é próprio de quem
nasceu.
Mas, no entanto,
essa visão do homem que é ao mesmo tempo uma visão do começo, da origem,
não é desencantada (apesar da aparente amargura de múltiplas afirmações,
pois a lucidez é o seu principal atributo. E não há lugar para o
desencanto ou para a desilusão, ou, mesmo, para um desânimo fatal. O
autor, continua, “até ao fim”, com a sua tarefa de questionador.
E é na própria interrogação que o leitor quase consegue vislumbrar a
resposta. Dessa iluminação da palavra, resulta a essência da “genialidade”
de Vergílio Ferreira, conceito que utilizamos secundando o conceito
goethiano no que respeita ao universalismo da literatura.
Dessa
cristalinidade presente em Pensar, obra onde não existe
propriamente uma teoria filosófica ordenada, mas um conjunto de
reflexões direccionadas numa ideia fundamental, que é, justamente, a
defesa do espiritual contra o material, o desejo de ver justiça no,
lugar da injustiça, dizíamos que o autor parece descobrir o mundo
novamente, como se até aquele momento estivesse adormecido num limbo
qualquer.
Se não encontrámos
ainda a tão apregoada “maturidade” do escritor, tão discutida pelos
críticos, mas que para nós ainda não se tornou um conceito claro,
cabe‑nos abordar onde a capacidade reflexiva se alia à “maturidade”
da palavra e no qual o nosso autor explana as principais questões que
dizem respeito ao homem, tema central e unificador de toda a sua obra.
Esse livro,
Invocação ao Meu Corpo, representa o lugar-limite do pensamento
do autor. O corpo de que aqui nos fala, como sendo uma das temáticas
fundamentais, não é apenas o seu, mas sobretudo o de todos nós, filhos
de uma terra à qual damos o nome e a qual, por sua vez, nos dá o nome.
Pelo corpo somos os imediatos questionadores do universo: nada é
superior à força divina, mas também nada é superior à nossa imanência.
A circunstância
imanente, a condição imanente, material, contingente, mortal, acaba por
se tornar um poder na ordem cósmica; somos limitados dentro dos nossos
limites: essa é a primeira grandeza do homem. Se assim não fosse seria
impensável construir a Civilização; seriam impensáveis o afecto e o
amor, bem como a loucura apaixonada dos grandes desafios; em suma, todo
o imaginário que nos faz ter apreço pela vida.
O que neste livro é
colocado em evidência é o seu humanismo; é a compreensão do
humano na sua totalidade que é aqui entrevista. Trata-se de uma
visão pessoal (e por isso é que é original) em torno, não só da
condição humana (e segundo o “humanismo existencialista”),
mas, sobretudo, em torno do destino e do dinamismo desse mesmo destino,
subjacente ao grande espírito universal. Este espírito obedece, pelo
menos desde Hegel, a uma força cósmica, invisível na sua essência, que o
faz mover sem disso se dar conta.
O que faz do
humanismo de Vergílio Ferreira um novo humanismo, é
precisamente o lugar que nele o homem ocupa. Desta vez, não é apenas o
espírito universal a causa principal da reflexão, embora este permaneça
implícito. O que está precisamente em causa é o homem e a sua
contingência. Existem, porém, os tais universos paralelos, de que
falámos no início, que não se compreendem fora dessa contingência.
Enunciámo-lo já: a Morte, o Tempo,
Deus, a Razão e o Mistério a tudo
subjacente. O que Vergílio Ferreira procura resolver é, simplesmente, a
conciliação do inconciliável, essa mesma problemática já abordada na
cultura e pensamento português, por Pedro de Amorim Viana e,
posteriormente, por Sampaio Bruno.
No entanto, a
posição de Vergílio Ferreira deve ser compreendida, de acordo com o
próprio tempo e de acordo com determinadas coordenadas histórico
‑culturais que em nada se assemelham às posições dos autores supra
referidos. É certo que a dicotomia fé-razão permanece, mas é de notar
que Vergílio Ferreira não se coloca na posição de um místico, antes,
pelo contrário, pois o seu racionalismo, baseado na retórica e numa
dialéctica mais próximas do fim do século, não lhe permitem o arroubo
místico, apesar do intenso simbolismo de que se reveste a sua obra
ficcional.
O autor sabe que a
questão da crença não é passível de um tratamento racional, mas a razão
aceita-o, da mesma forma que é capaz de aceitar o enigma da verdade. Não
devemos explicar Deus por aquilo que ele é, a não ser pela sua própria
divindade; a não ser pelo mistério que encarna. E não devemos ignorá-lo,
simplesmente, porque Ele não é passível de uma explicação: pressente-se,
está ao nosso lado, pois é assim que queremos que ele seja.
E é assim que o
aparentemente inconciliável se torna aparentemente conciliador:
fazer do homem, mais uma vez, o centro de todos esses universos
paralelos. Esta é, seguramente, uma das teses centrais que
podemos recolher no universo literário vergiliano, e pela qual é
anunciado o lugar próprio do novo humanismo que nos é proposto. O autor
procura a total elevação do humano ao considerar o Homem como corolário
de Deus, da Razão, do Tempo e
da Morte; universos paralelos que se unificam e se tornam
um só; e essa unificação dá-se; dá-se justamente na assumpção do corpo,
o verdadeiro sistema que nos rege e pelo qual nos guiamos; é nele que
reside a verdade absoluta; é nele que procuramos as respostas para as
grandes dúvidas que nos assaltam na angústia do tempo.
Seria tudo mais
fácil, talvez, se conhecêssemos os limites da razão. Mas, mesmo essa,
que ilusoriamente parece dominar, possuem territórios inexplorados; não
lhe conhecemos o limite e não o conhecemos, muitas vezes, devido, não só
ao excesso de razão, mas também devido à ausência dessa mesma razão. Por
ela se determina a sua moral, bem como toda a sua conduta, presente ou
futura. Por sua vez, também é possível vislumbrar a sua ausência pelo
gesto inconsequente, pela palavra fácil, pelo pensamento irreflectido.
Não faz da razão a
essencialidade do homem e essa é simplesmente a sua humanidade. Pela sua
instauração, pela sua evidência, já não se pode esperar a resposta
definitiva, pois a evidência é, por si mesma, a resolução de toda a
dúvida.
Não basta,
todavia, a razão para demarcar o humanismo de Vergílio Ferreira. Há dois
universos paralelos que parecem lutar um contra o outro. Nessa luta, tão
eterna como o espírito humano, estão em jogo o destino, a predestinação
e o acaso, quer dizer, uma vez mais a pura contingência. É ela que
determina o fascínio de estarmos vivos: a luta entre o Tempo e a Morte
não é mais do que o grande desafio do Ser em relação ao seu limite
desconhecido; Tempo e Morte são ilimitados, mas, note-se, e em
conformidade com os traços mais finos do pensamento vergiliano, é o
próprio homem que os instaura: o Tempo é uma construção mental e a
necessidade da sua instauração corresponde ao milenar sofrimento humano.
Tornamo-nos escravos
da hora, não só em homenagem àqueles que cumpriram o ser tempo, mas
sobretudo pela necessidade de nos regermos por fusos que nos fazem sair
do caos, pois sempre fomos avessos a ele, mesmo que nos lembremos do
princípio grego, que data do início dos tempos, segundo o qual a ordem,
o cosmos nasceu do caos, como do seu princípio originário.
A Morte, por seu
lado, é outra construção mental, pois corresponde a outro desejo, que se
traduz na necessidade de explicação de um universo do qual nada sabemos
e pelo qual a nossa curiosidade arde de inquietação permanente. De
acordo com o pensamento do autor, esse estádio não nos pertence e não
nos pertence de tal forma que devêramos ignorá-lo, apagá-lo da nossa
memória: rouba-nos energia que deveríamos aplicar, por exemplo, na
resolução de certos destinos menos misteriosos, mas mais conformes à
nossa humanidade.
E, por fim, o
grande Mistério do Mundo, que não abarca apenas a morte,
mas toda a essencialidade divina, ou seja, toda a opacidade de Deus; uma
divindade tão misteriosa que, que por mais que a nossa crença queira
ignorá-la, permanecerá sempre como uma entidade, não apenas misteriosa,
mas assume em si a unificação de todo o mistério universal. No
pensamento vergiliano, o Mistério avulta como a essencialidade absoluta.
É por isso que o autor jamais abdica da questionação. E questionar o
Mundo devia ser o nosso primeiro destino, em vez de nos mantermos no
comodismo da pura passividade, dado, não obstante, a nossa ânsia de
clarividência, ou, como havia dito Aristóteles, o nosso desejo, natural
de saber, de conhecer o mundo, de conhecer os homens e de nos
auto-conhecermos, bem como o mistério, a auréola enigmática que envolve
tudo isto.
Dessa
interrogação ao Destino, princípio que aplicou ao estudo
biográfico dedicado a Malraux, uma das suas grandes influências
teóricas, um dos seus grandes guias, ausculta-se sempre a premência da
morte e, como tal, a auscultação do Mistério. É por ele que vivemos; é
por ele que a esperança recusa abandonar-nos. Porque o Mistério será,
talvez, o último estádio do espírito, o último estádio da interrogação
interminável.
Isabel Rosete
Aveiro, 06/03/2007
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