Aristóteles
morreu no ano de 322 a. C., e nesse meio tempo Atenas tinha perdido a
sua posição de hegemonia. Isto estava relacionado, entre outras coisas,
com as grandes transformações políticas que vieram em decorrência das
conquistas de Alexandre Magno (356-323 a. C.).
Alexandre Magno
era rei da Macedónia. Aristóteles também era natural da Macedónia e por
algum tempo chegou mesmo a ser professor do jovem Alexandre. Foi
Alexandre quem conseguiu a derradeira e decisiva vitória sobre os
persas. E mais ainda, Sofia: com suas muitas campanhas bélicas, ele uniu
o Egipto e todo o Oriente, até a Índia, à civilização grega.
Começou então
uma era completamente nova na história da humanidade. Surgiu uma
comunidade internacional, na qual a cultura e a língua gregas
desempenhavam papel preponderante. Este período, que durou cerca de
trezentos anos, é frequentemente chamado de helenismo. Por helenismo
entendemos a cultura predominantemente grega vigente nos três grandes
reinos helénicos, a Macedónia, a Síria e o Egipto.
A partir do ano
de 50 a. C., aproximadamente, Roma passou a assumir o predomínio
militar. Esta nova grande potência foi conquistando um a um todos os
reinos helénicos, e a cultura romana, bem como a língua latina, passaram
a predominar da Espanha, no Ocidente, até o extremo da Ásia. Começou
então o período romano, por nós também conhecido como o final da
Antiguidade. Mas há aqui uma coisa importante que você precisa gravar:
antes de os romanos conquistarem o mundo helénico, a própria Roma tinha
sido uma província da cultura grega. Não é de estranhar, portanto, que a
cultura grega – e a filosofia grega – tenha continuado a desempenhar um
papel importante, muito tempo depois de a importância política dos
gregos já ter sido esquecida.
RELIGIÃO, FILOSOFIA E CIÊNCIA
O helenismo foi marcado pelo desaparecimento das fronteiras entre os
diferentes países e culturas. Anteriormente, gregos, romanos, egípcios,
babilónios, sírios e persas tinham adorado seus deuses dentro dos
limites de suas próprias religiões. Agora, todas essas diferentes
culturas foram misturadas num caldeirão, por assim dizer, de concepções
religiosas, filosóficas e científicas.
Talvez não seja
exagero dizer que a praça do mercado municipal foi substituída pela
arena mundial. Antes desta época, também se ouvia nas praças uma
confusão de vozes oferecendo ora diferentes mercadorias, ora diferentes
pensamentos e ideias. A novidade agora era que as praças dos mercados
estavam cheias de mercadorias e ideias do mundo inteiro. E esta
“confusão de vozes” acontecia agora em diferentes línguas.
Já dissemos que
a cosmovisão dos gregos tinha ultrapassado em muito as fronteiras da
antiga Grécia. Com o tempo, porém, muitas divindades orientais também
passaram a ser adoradas em toda a região do Mediterrâneo. Surgiram
várias religiões novas, que tomavam emprestadas de diferentes culturas
antigas suas concepções religiosas. Falamos aqui de uma mistura de
religiões, ou de um sincretismo religioso.
Anteriormente a isto, as pessoas tinham experimentado um sentimento de
afinidade muito forte com seu próprio povo e com sua própria
cidade-Estado. À medida que tais fronteiras e linhas divisórias foram
sendo paulatinamente apagadas, elas passaram a experimentar uma sensação
de dúvida e de incerteza em relação à sua filosofia de vida. O final da
Antiguidade foi marcado predominantemente por dúvidas religiosas,
dissolução cultural e pessimismo. Dizia-se que o mundo “tinha
envelhecido”.
As novas
religiões surgidas durante o helenismo tinham em comum o fato de
pretenderem ensinar a seus fiéis como obter salvação para a morte.
Muitos desses ensinamentos eram mantidos em segredo. Mediante a
iniciação em determinados círculos secretos e mediante o cumprimento de
certos rituais, o homem podia ter esperança na imortalidade da alma e
numa vida eterna. Nesse sentido, certa iniciação na verdadeira natureza
do universo podia ser tão importante para a salvação da alma quanto os
rituais religiosos.
De modo geral,
podemos dizer que a filosofia do helenismo não teve nada de muito
original. Não apareceu outro Platão, nem outro Aristóteles. Mas os três
grandes filósofos de Atenas se transformaram em fonte de inspiração para
diferentes correntes filosóficas, que vou tentar resumir a seguir.
Também a
ciência do helenismo foi marcada pela mistura de diferentes experiências
culturais. Nesse particular, a cidade de Alexandria, no Egipto,
desempenhava um papel-chave como ponto de encontro entre o Oriente e o
Ocidente. Enquanto Atenas, com as escolas filosóficas deixadas por
Platão e Aristóteles, continuou sendo a capital da filosofia, Alexandria
transformou-se na metrópole da ciência. Com sua grande biblioteca, esta
cidade passou a ser o centro da matemática, astronomia, biologia e
medicina.
A cultura
helénica pode muito bem ser comparada com o mundo de hoje. O século XX
também é marcado por uma comunidade internacional cada vez mais aberta.
À semelhança do que ocorreu no mundo helénico, também em nossa época
este fato tem gerado grandes transformações na religião e nas visões de
mundo. Do mesmo modo como podíamos encontrar em Roma, no início do
calendário cristão, concepções religiosas gregas, egípcias e orientais,
também agora, no final do século XX, podemos encontrar em todas as
cidades europeias de porte médio concepções religiosas oriundas de todas
as partes do mundo.
Outro dado
interessante é o fato de, em nossa época, vermos como a mescla de
religiões novas e antigas, filosofia e ciência pode criar as bases para
novas ofertas no “mercado de visões de mundo”.
Grande parte
deste “conhecimento novo” é, na verdade, herança de um pensamento
antigo, cujas raízes remontam ao helenismo, entre outros períodos.
Como já
dissemos, a filosofia do helenismo continuou a investigar os problemas
levantados por Sócrates, Platão e Aristóteles. O ponto comum entre eles
era o desejo de responder às perguntas sobre qual seria a melhor maneira
de o homem viver e morrer. Assim, a ética também foi colocada na ordem
do dia e se transformou no mais importante projecto filosófico da nova
comunidade internacional. A questão era saber em que consistia a
verdadeira felicidade e como ela podia ser alcançada.
Vamos estudar
brevemente quatro dessas correntes filosóficas.
OS CÍNICOS
Conta-se que, um dia, Sócrates parou diante de uma tenda do mercado em
que estavam expostas diversas mercadorias. Depois de algum tempo, ele
exclamou: “Vejam quantas coisas o ateniense precisa para viver!”.
Naturalmente ele queria dizer com isto que ele próprio não precisava de
nada daquilo.
Esta postura de
Sócrates foi o ponto de partida para a filosofia cínica, fundada em
Atenas por Antístenes – um discípulo de Sócrates -, por volta de 400 a.
C.
Os cínicos
diziam que a verdadeira felicidade não depende de factores externos como
o luxo, o poder político e a boa saúde. Para eles, a verdadeira
felicidade consistia em se libertar dessas coisas casuais e efémeras. E
justamente porque a felicidade não estava nessas coisas ela podia ser
alcançada por todos. E, uma vez alcançada, não podia mais ser perdida.
O cínico mais
importante foi Diógenes, discípulo de Antístenes. Conta-se que ele vivia
dentro de um barril e não possuía mais do que uma túnica, um cajado e um
embornal de pão. (Desse jeito não era nada fácil roubar dele sua
felicidade!) Um dia, quando estava sentado ao sol junto ao seu barril,
recebeu a visita de Alexandre Magno. Alexandre aproximou-se do sábio,
perguntou-lhe se ele tinha algum desejo e disse-lhe que, caso tivesse,
seu desejo seria imediatamente satisfeito. Ao que Diógenes respondeu:
“Sim, desejo que te afastes da frente do meu sol”. Com isto Diógenes
mostrou que era mais rico e mais feliz que o grande conquistador. Ele
tinha tudo o que desejava.
Os cínicos
achavam que as pessoas não precisavam se preocupar com a saúde, nem
mesmo com o sofrimento e com a morte. E elas também não deveriam se
atormentar com o sofrimento dos outros. Hoje em dia, quando empregamos
as palavras “cínico” e “cinismo” estamos nos referindo, na maioria das
vezes, a apenas este aspecto: o da impudência, da insensibilidade ao
sentir e ao sofrer do outro.
OS ESTÓICOS
Os cínicos foram de grande importância para a filosofia estóica, que
surgiu em Atenas por volta de 300 a. C. Seu fundador foi Zenão,
originário da ilha de Chipre, que se transferiu para Atenas depois de
ter sobrevivido a um naufrágio. Ele reunia seus ouvintes debaixo de um
pórtico. O substantivo estóico vem da palavra grega para “pórtico”
(stoa). O estoicismo teria mais tarde grande importância para a cultura
romana.
Assim como
Heráclito, os estóicos diziam que todas as pessoas eram parte de uma
mesma razão universal, ou “logos”. Eles consideravam cada pessoa um
mundo em miniatura, um “microcosmo”, que era reflexo do “macrocosmo”.
Isto levou à
ideia de um direito universalmente válido, o assim chamado direito
natural. O direito natural baseia-se na razão atemporal do homem e do
universo e, por isso mesmo, não se modifica no tempo e no espaço. Nesse
sentido, os estóicos colocam-se ao lado de Sócrates contra os sofistas.
O direito
natural vale para todas as pessoas, inclusive para os escravos. Para os
estóicos, as legislações dos diferentes Estados não passavam de
imitações imperfeitas de um direito cujas bases estavam na própria
natureza.
Assim como
apagavam a diferença entre o indivíduo e o universo, os estóicos também
negavam a oposição entre “espírito” e “matéria”. Para eles existia
apenas uma natureza. Chamamos tal concepção de monismo (em oposição, por
exemplo, ao claro dualismo, à bipartição da realidade, de Platão).
Os estóicos
eram marcadamente “cosmopolitas”, o que significa que eram filhos
legítimos de sua época. Sendo cosmopolitas eram mais abertos para a
cultura contemporânea do que os “filósofos de barril” (os cínicos). Os
estóicos chamavam a atenção para a convivência entre as pessoas,
interessavam-se por política, e alguns deles chegaram até mesmo a ser
estadistas actuantes, como o imperador romano Marco Aurélio (121-180),
por exemplo. Graças a esses homens, e sobretudo ao orador, filósofo e
político Cícero (106-43 a. C.), a cultura e a filosofia gregas
conquistaram terreno em Roma. Foi Cícero quem cunhou o conceito de
humanismo enquanto cosmovisão na qual o homem ocupa o ponto central.
Alguns anos depois, o estóico Séneca (4 a. C.-65 d. C.) escreveu que
“para a humanidade, a humanidade é sagrada”. Esta afirmação ficou para a
posteridade como uma espécie de slogan do humanismo.
Além disso, os
estóicos diziam que todos os processos naturais – por exemplo, a
enfermidade e a morte – eram regidos pelas constantes leis da natureza.
Por esta razão, o homem deveria aprender a aceitar o seu destino. Nada
acontece por acaso, diziam os estóicos. Tudo acontece porque tem de
acontecer e de nada adianta alguém lamentar a sorte quando o destino
bate à sua porta. Também as coisas felizes da vida devem ser aceitas
pelo homem com grande tranquilidade. Vemos aqui a proximidade dos
estóicos com os cínicos, que viam com total indiferença todos esses
eventos exteriores. Ainda hoje falamos de uma “tranqüilidade estóica”
quando queremos nos referir a uma pessoa que não se deixa inflamar por
seus sentimentos.
OS EPICURISTAS
Como vimos, Sócrates queria descobrir como o homem podia levar uma boa
vida. Na interpretação de Sócrates feita pelos cínicos e estóicos, isto
estava na necessidade de o homem se libertar de todo o luxo material.
Mas Sócrates também teve um aluno chamado Aristipo. Para ele, o
objectivo da vida seria obter dos sentidos o máximo possível de
satisfação. Aristipo dizia que o prazer era o bem supremo, e a dor, o
mal supremo. Assim, seu objectivo maior era desenvolver uma filosofia de
vida capaz de afastar toda e qualquer forma de dor e sofrimento. (O
objectivo dos cínicos e dos estóicos era suportar todas as formas de
dor, e isto é algo completamente diferente de fazer todo o esforço para
tirar do caminho a dor.)
Por volta de
300 a. C. Epicuro (341-270 a. C.) funda em Atenas uma escola filosófica:
a escola dos epicureus. Ele desenvolveu ainda mais a ética do prazer de
Aristipo e a combinou com a teoria do átomo de Demócrito.
Conta-se que os
epicureus reuniam-se num jardim. Por esta razão, também eram chamados de
“filósofos do jardim”. Dizem também que sobre o portão de entrada do
jardim havia a seguinte inscrição: “Forasteiro, aqui te sentirás bem.
Aqui, o bem supremo é o prazer”.
Epicuro
ensinava que o resultado prazeroso de uma acção sempre deve ser
ponderado em relação a seus eventuais efeitos colaterais. Se você já
comeu chocolate demais, então você entende o que digo. Se não, vou lhe
propor uma tarefa: pegue todas as suas economias e gaste cem coroas em
chocolate. (Estou partindo do pressuposto de que você gosta de
chocolate.) O importante nesta tarefa é que você coma todo o chocolate
de uma só vez. Mais ou menos meia hora depois de ter comido todo esse
delicioso chocolate você vai entender o que Epicuro queria dizer quando
falava em “efeitos colaterais”.
Epicuro também
achava que o resultado prazeroso de curto prazo devia ser ponderado em
relação a um prazer maior, mais duradouro e mais intenso, a ser obtido
em longo prazo. (Podemos imaginar, por exemplo, que durante todo um ano
você não compre chocolate porque prefira economizar sua mesada para
comprar uma bicicleta nova, ou então para fazer uma viagem ao exterior.)
Diferentemente dos animais, o homem tem a possibilidade de planejar a
sua vida. Ele possui a capacidade de “calcular o seu prazer”. Um
delicioso chocolate é, sem dúvida, um valor, mas a bicicleta nova ou a
viagem à Inglaterra também o são.
Epicuro fazia
questão de enfatizar, porém, que “prazer” não significa necessariamente
satisfação dos sentidos (por exemplo, comer chocolate). A amizade ou a
sensação vivenciada ao se admirar uma obra de arte também podem ser
muito prazerosas. Além disso, outros pressupostos para o prazer da vida
são os velhos ideais gregos do autocontrole, da temperança e da
serenidade. Isto porque o desejo precisa ser controlado. Assim, a
serenidade também nos ajuda a suportar a dor.
Com frequência,
pessoas acometidas por temores de origem religiosa procuravam o jardim
de Epicuro. Nesse caso, a teoria do átomo de Demócrito era extremamente
útil contra a religião e a superstição. Para viver uma boa vida também
era importante se libertar do medo da morte. Nesta questão, Epicuro
retomava a teoria de Demócrito sobre os “átomos da alma”. Talvez você
ainda lembre que Demócrito não acreditava na vida depois da morte, já
que após a morte os “átomos da alma” se dispersavam para todos os lados.
“Por que ter
medo da morte?”, perguntava Epicuro. “Enquanto somos, a morte não
existe, e quando ela passa a existir, nós deixamos de ser.” (Visto deste
ponto de vista, de fato ninguém jamais foi incomodado pelo fato de estar
morto.)
O próprio
Epicuro resumia sua filosofia libertadora naquilo que ele chamava de
quatro remédios:
Não precisamos
temer os deuses. Não precisamos nos preocupar com a morte. É fácil
alcançar o bem. É fácil suportar o que nos amedronta.
Na Grécia não
era novidade comparar a actividade do filósofo com a do médico. Nesse
sentido, o homem precisa ter sempre à mão uma “farmacinha filosófica de
bolso” que contenha os quatro remédios importantes que mencionei acima.
Contrariamente
aos estóicos, os epicureus quase não se interessavam pela política e
pela sociedade. “Vive em reclusão!” era o conselho de Epicuro. Talvez
possamos comparar o seu jardim com as comunidades de nossos dias. Nesta
época em que vivemos, muitas pessoas buscam uma ilha, um “porto seguro”
em meio ao turbilhão da sociedade.
Depois de
Epicuro, muitos epicureus evoluíram sua reflexão no sentido de uma busca
unilateral do prazer. Sua palavra de ordem era: “Viver o momento!”. A
palavra “epicurista” é frequentemente usada em nossos dias de forma
pejorativa, para designar alguém que só vive pelo prazer.
O NEOPLATONISMO
Vimos que os cínicos, os estóicos e os epicureus tiveram como ponto de
partida os ensinamentos de Sócrates. Além dele, podemos constatar também
uma influência dos pré-socráticos Demócrito e Heráclito. Mas a mais
importante corrente filosófica do final da Antiguidade foi inspirada em
Platão. E por isso ela é chamada de neoplatonismo.
O neoplatônico
mais importante foi Plotino (c. 205-270), que estudou filosofia em
Alexandria e mais tarde mudou-se para Roma. É interessante notar que ele
veio de Alexandria, a cidade que já havia alguns séculos era o grande
ponto de encontro entre a filosofia grega e a mística oriental. Plotino
trouxe para Roma uma doutrina da salvação que viria a se tornar séria
concorrente do cristianismo vigente naquela época. Mas o neoplatonismo
também viria a exercer uma forte influência sobre a teologia cristã.
Na certa você
ainda se lembra da teoria das ideias de Platão, Sofia. Você ainda deve
saber, portanto, que ele estabelecia uma diferença entre o mundo das
ideias e o mundo dos sentidos. Assim, Platão distinguia claramente entre
a alma do homem e o seu corpo. Deste ponto de vista, o homem era uma
criatura dual: para Platão, nosso corpo se constitui de terra e pó, como
tudo o mais do mundo dos sentidos, mas nós também possuímos uma alma
imortal. Muito antes de Platão essa noção já era bastante difundida na
Grécia. Além dela, Plotino conhecia também concepções asiáticas
semelhantes.
Plotino via o
mundo como algo distendido entre dois pólos. Numa extremidade estava a
luz divina, que ele chamava de o Uno. Às vezes ele também a chamava de
Deus. Na outra extremidade reinavam trevas absolutas, que não eram
banhadas pela luz do Uno. Mas Plotino achava que essas trevas de fato
não tinham uma existência concreta. Para ele, elas nada mais eram do que
a ausência de luz. Ou seja, as trevas não são. A única coisa que existe
para ele é Deus, ou o Uno. Mas assim como uma fonte de luz pouco a pouco
se perde na escuridão, também podemos imaginar um lugar aonde os raios
divinos não são capazes de chegar.
De acordo com
Plotino, portanto, a luz do Uno ilumina a alma, ao passo que a matéria
são as trevas, que não possuem uma existência real. Mas as formas da
natureza também possuem, segundo ele, um ténue reflexo do Uno.
Imagine uma
enorme fogueira crepitando no meio da noite, cara Sofia. Do meio do fogo
saltam centelhas em todas as direcções. Num amplo círculo ao redor do
fogo a noite é iluminada, e a alguns quilómetros de distância ainda é
possível ver o leve brilho desta fogueira. À medida que nos afastamos, a
fogueira vai se transformando num minúsculo ponto de luz, como uma
lanterna fraca na noite. E se nos afastarmos mais ainda, chegaremos a um
ponto em que a luz do fogo não mais consegue nos alcançar. Em algum
lugar os raios luminosos se perdem na noite e se estiver muito escuro
não vamos enxergar nada. Nesse momento, contornos e sombras deixam de
existir.
Agora imagine a
realidade como sendo esta enorme fogueira. O que arde é Deus – e as
trevas lá fora são a matéria fria, da qual são feitos homens e animais.
Junto a Deus estão as ideias eternas, que são as formas primordiais de
todas as criaturas. Sobretudo a alma humana é uma “centelha de fogo”.
Mas por toda a parte na natureza aparece um pouco desta luz divina.
Podemos vê-la em todos os seres vivos; sim, até mesmo uma rosa ou uma
campânula possuem um brilho divino. No ponto mais distante do Deus vivo
estão a terra, a água e as pedras.
Estou dizendo
que tudo o que vemos tem um pouco do mistério divino. Podemos ver o
brilho desta alguma coisa num girassol ou numa papoula. Percebemos um
pouco mais deste insondável mistério numa borboleta que pousou num
galho, ou num peixinho dourado que nada no aquário. Mas o ponto mais
próximo em que nos encontramos de Deus é dentro de nossa própria alma.
Só lá é que podemos nos re-unir com o grande mistério da vida. De fato,
em alguns raros momentos podemos sentir que somos, nós mesmos, este
mistério divino.
As imagens que
Plotino usa lembram a alegoria da caverna de Platão: quanto mais nos
aproximamos da entrada da caverna, mais perto estamos daquilo de onde
provém tudo o que existe. Mas em oposição à nítida divisão da realidade
em duas partes estabelecida por Platão, a doutrina de Plotino nos
convida a vivenciar a plenitude. Tudo é um, pois tudo é Deus. Até mesmo
as sombras lá embaixo, na caverna de Platão, têm um ténue reflexo dessa
“Unidade”.
Em alguns
poucos momentos de sua vida Plotino experimentou a sensação de fundir
sua alma com Deus. De modo geral, chamamos isto de experiência mística.
Plotino não foi o único a viver tal experiência. Pessoas de todas as
culturas, em todos os tempos, têm relatado experiências semelhantes.
Ainda que as descrições dessas experiências sejam as mais diversas,
esses relatos têm muitos e importantes pontos comuns. Vamos ver alguns
deles.
Fonte consultada -
http://br.geocities.com/mcrost08/o_mundo_de_sofia_12.htm
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