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Um
outro…
Sempre em ânsia pela hora
Em
que chegará essa criatura
Que
tanto amo.
Criatura?
Sim.
Porque não?
Todo o ser humano é uma criatura,
Quiçá,
Uma
bênção de Deus,
Uma
dádiva da Natureza…
Trabalho e penso no seu rosto,
A
cada instante.
Nesse jeito calmo de ser,
Terno,
Com
um cheiro de malícia
E
extrema sensualidade
Inconfundível
Que
percorre todo o seu corpo
E a
sua alma.
Uma
alma que vive intensamente
Cada momento
Da
sua existência individual e colectiva,
Como se cada momento fosse
O
último da sua vida…
Respira e expira a própria vida;
Sempre a expira pelas largas narinas
Desse rechonchudo nariz,
Que
diz,
Ser
a única peça que não se harmoniza
Com
o seu rosto moreno,
Moreno – bombom…
Aí
estão apensos uns profundos olhos negros,
Que
dizem ver sempre mais longe,
Até
mesmo nos olhos dos outros,
Quando os observa
Na
mais profunda intensidade;
Sem
pestanejar,
Tão
fixamente,
Como as estrelas que,
No
céu estrelado,
Mantêm o seu brilho.
Um
brilho denso… quase eterno…
São
pérolas negras
Que
fustigam o meu olhar,
Que
me trespassam
Na
minha própria visceralidade,
Tal
como a penetração
Do
seu membro erecto
Que
encaixa e rodopia no fundo da minha intimidade.
Há
sempre uma certa magia
Em
todos os seus actos,
Em
todos os seus gestos…
Na
sua voz grave,
Ao
mesmo tempo,
Doce e terna,
De
sons gerúndios,
Como é típico de todo o ser da América do Sul.
Essa magia apaixona,
Fascina,
Atrai,
Como um hímen a limalha de ferro.
De
repente,
Penetra-nos,
Quase sem darmos por isso.
Envolve-nos num misto de sedução,
De
prazer e de felicidade,
Que
não é momentânea…
Perpetua-se em cada sinal,
Em
cada movimento
De
um corpo deambulante,
Exemplificante da singularidade
Da
alma que o habita;
Tão
livre como a da ave que,
A
qualquer momento,
Sabe que pode abandonar a sua gaiola,
Mas
não a sua prisão.
Vagueara,
Quiçá, sem destino,
Pelas múltiplas paragens da vida
E
de todos os destinos humanos.
A
atracão que exerce
É
estranhamente intensa,
Torna-se quase inexplicável,
Indizível…
Inefável…
Pertence ao domínio inviolável do SENTIR,
Excedendo todo o campo semântico,
Por
mais Intenso e rico que ele seja.
Tem
um toque diferente,
Como,
Se
às vezes,
Pertencesse a um outro mundo,
A
um outro espaço,
Que
extravasa a vulgaridade
De
todas as possíveis vivências quotidianas.
Mantém tudo no seu preciso lugar,
Como se em si residisse,
Irremediavelmente,
Um
“lugar natural”,
Um
topos para cada coisa.
Todo o desvio é assumido como uma violação inevitável.
A
sua presença é tão envolvente,
Tão
cheia,
Tão
redonda,
Que
nada pode deixar de fora.
E
aí permanece
Como a aranha na sua própria teia.
Todos os seus movimentos
Rodopiam nas malhas dessa teia gigantesca,
Abrangedora de tudo o que o rodeia,
Até
mesmo de tudo aquilo
De
que não tem consciência imediata.
O
seu estar
Presentifica o próprio Universo;
Como se só existíssemos os dois;
Como se isso
A
que chamamos realidade
Entrasse em nós,
Totalmente.
Nada,
Absolutamente nada
Pode estar fora do nosso alcance.
Emerge a sensação de absoluto,
De
Totalidade,
Como se nós e Mundo
Fossemos uma e a mesma coisa.
Todas as dualidades desaparecem.
A
união das partes é,
De
tal modo,
Plena,
Que
a divisibilidade não tem lugar,
Em
nenhum momento.
Em
nós,
Permanece o Cheio,
O
Aberto,
Em
perfeita comunhão.
E a
vida,
Apesar de todas as adversidades,
Torna-se tão simples,
Tão
singela,
Tão
leve,
Tão
radiosa,
Tão
apetecível,
Que
o próprio dormir
Não
é efémero,
Mas
um eterno momento de serenidade,
De
paz,
Tão
sólida e inevitável,
Que
nada parece poder deixar de alcançar.
Sempre que esses dois seres se unem,
Até
ao mais íntimo de si mesmos,
O
mundo,
Neles também penetra,
Na
forma da mais pura e bela gratuitidade,
Que
alguma vez
Se
possa sentir ou imaginar.
A
“paz perpétua” assoma,
Mesmo nos momentos
Onde se gera a agonia,
A
ansiedade,
A
angústia,
Quando extravasa,
Pelo álcool,
O
néctar dos deuses,
Os
limites da dita racionalidade,
Da
dita sobriedade...
São
esses os momentos de excesso,
Da
pura embriaguez catártica.
Os
meandros,
As
fronteiras,
Do
seu pensamento,
Esbatem-se
Até
às lágrimas.
As
ideias,
Os
sentimentos
E
pressentimentos,
Fluem,
Transbordam,
Como um rio,
Do
seu próprio leito.
Há,
Nele,
Um
excesso de caudal
Que
só a embriaguez despoleta.
Depois,
Volta ao silêncio;
Ao
silêncio da voz.
Mas
nunca ao silêncio do pensar.
São
os momentosos da introversão que,
A
catarse da embriaguez,
Voltará,
Depois,
A
fazer brilhar.
Mas
com tanto sofrimento,
Com
tanta angústia,
Que
o mundo parece desabar.
A
queda é, assaz, efémera,
E
logo do caos se ergue,
De
novo,
A
ordem,
Quando diz: “acordar para a realidade”,
Numa necessidade
De
dela sempre se evadir…
Este é o comportamento típico
De
todo o ser sensível,
Plenamente consciente
Das
atrocidades da Existência humana,
Em
pleno
E
permanente sobressalto.
Urge esquecer tudo,
Entrar numa outra ordem,
Num
outro espaço,
Trazido por todos os alucinogénios.
E,
nem por isso,
A
ressaca,
É
assim tão terrível…
A
lucidez parece nunca ser
Totalmente perdida.
É
apenas desviada
Para outras paragens,
Que
a imaginação
Requerer percorrer.
O
mundo e os homens
Obrigam-nos a esse esquecimento,
Em
prol,
Mesmo,
Da
mais efémera ilusão de serenidade.
Nestes momentos,
Torna-se um outro de si mesmo.
O
seu corpo
Lânguido,
Derrubado,
Perde toda a sua natural sensualidade magistral.
Vacila entre o Ser e o Não-ser,
Entre o tudo e o nada,
Como se quisesse penetrar,
De
um modo hiperbólico,
Nas
entranhas de tudo,
Como se fosse uma cobra
Que
entra pelo meio do silvado
E
que,
Depois de estarrecida,
Aí
permanece exposta,
Desarmada,
Porque exausta,
Depois de ter comido a sua presa.
Não
tem mais forças para se erguer.
Quebrou todos os escudos,
Tornou-se completamente indefeso,
Confundindo-se com o próprio chão,
Onde caiu
E
amoleceu instantaneamente.
Sem
mais…
Aí
permanece estendido,
Não
com os olhos penetrantes,
Fulminantes,
Mas
amortecidos,
Semicerrados,
Pelo excesso que neles assoma,
Oriundo da aura que espelham.
A
alma,
Também ela derretida,
Despedaçada,
Sempre à espera de um novo reencontro consigo mesma,
De
mais um nascimento,
Entre tantos outros passados
E
entre tantos outros que possivelmente
Se
adivinham…
Isabel Rosete
02/02/2001 |