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                    Acordo num 
                    pesadelo. 
                    Sou um anjo suicida, 
                    Corpo sem alma, 
                    Enrolado num novelo 
                    De sufocante lã grossa, 
                    Envolto numa casca 
                    Impermeável ao fogo e à geada. 
                    Sou uma muralha despida, 
                    Forte, fingidamente selada. 
                    Tão destruída por dentro 
                    Que severas, suas paredes sombrias 
                    As ruínas não protegem do vento. 
                    
                    Sou águia 
                    de bico curvo, 
                    Predadora na fome e na solidão. 
                    O que caço, devoro, 
                    O que adoro, despedaço. 
                    A ave porque voa somente, só 
                    Abandona o doce e o amargo da paixão. 
                    Sou um fardo seboso, 
                    Parasita concupiscente, 
                    Que se avidamente alimenta 
                    Dos podres da vida mascarados de jasmim. 
                    Aqui mora o frio inferno manhoso, 
                    Diabo malvado me rouba de mim. 
                    
                    Sou bola de 
                    sabão, 
                    Risonha, redonda, perfeita. 
                    Caminho como flutuo, 
                    Que frágil é o dom de enfeitiçar. 
                    Sufoco na essência vazia 
                    Da doce mortalha minha. 
                    Oh, divinamente pura que és! 
                    Se te afago, 
                    Dissipa-se tua volátil magia. 
                    Não te cobiço, apenas te olho 
                    E permaneces inquebrável, 
                    Eterna para mim. 
                    
                    Sou 
                    brilhos, 
                    Sou asas, 
                    Sou chuva. 
                    Dourado, carrega o cometa 
                    Faísca incandescente. 
                    Foge ela, selvagem, 
                    Corta o repouso dormente 
                    Que derrete na terra a clara aragem. 
                    E num brusco instante, 
                    Um desejo fugaz a dissolve, 
                    Fulminante é a estrela cadente 
                    Que riscou os céus de rompante. 
                    
                    Sou sal 
                    Das lágrimas da escuridão. 
                    Afundam-se os campos moles, 
                    Barrentos nas suas fossas. 
                    O choro dos céus, 
                    Lívido, lânguido, trigueiro 
                    Arrasta consigo todo o mal. 
                    E na argila alagada 
                    Se colhem as finas sementes 
                    Do arrependimento e do perdão. 
                    Sou desfile de fantasias, 
                    Perdidas lamúrias na busca de um Messias. 
                    
                    Sou louco, 
                    Sou tudo, 
                    Sou Zeus. 
                    Na sórdida podridão de meu ser 
                    Me ergo, me sujo, me faço. 
                    Qual dançarina exótica esquecida 
                    Nas orgias que festejam o próprio desdém. 
                    Sou uma Fénix imortal, 
                    Que trás em si o suplício 
                    Atormentado e trivial de viver. 
                    Mas sou ninguém, 
                    Se me falha o velho vício de amar.  | 
                  
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