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                 Nocturnas vésperas impressões 
                Alimentam os pulsos como fruto da boca. 
                                                                         
                I 
                Nas pálpebras regressa a
                primavera da chuva. 
                Dentro do dia, revejo o odor, trovoada no meu sonho. 
                Esta noite vou namorar com as aves longe da lua... 
                                                                         
                II 
                Amanhece 
                Nos rostos habitados pelo dia. 
                Chegam as aves vestidas de cinza 
                Que repousam no teu joelho nu de frio. 
                No teu hálito, um sabor a voo 
                Espalha-se na minha rua. 
                Escondes a ferida do beijo no orvalho 
                Do precipício, à porta da tarde. 
                                                                         
                III 
                Amo com segredo a aurora, a
                nova claridade que traz a chuva dentro de ti. 
                Amo as rosas que estão de passagem nas mãos, breve perfume 
                Que impregna a pele e as memórias desnudas. 
                Amo as margens do teu corpo que respiro com ambas as mãos e, 
                Deitada, observo 
                A hesitação escrava de nós dois. 
                                                                         
                IV 
                Tardio refúgio para a dor, ó
                viajante de luz, aprendiz do amor... 
                Espelhos de saliva cobrem o teu rosto e meus lábios vazios 
                Quando acordam a manhã nesta esquina da cidade. 
                                                                         
                V 
                O teu rosto desenhado nas
                pedras, o peso de uma nuvem, 
                Queres ser amor no limiar da madrugada, as pálpebras rotas 
                Junto às ervas 
                Do muro. 
                Mãos, dedos, pulsos abertos ao céu salgado, ao sangue azul dos
                pássaros, 
                Ninho sepultado nos braços teus. 
                                                                         
                VI 
                                                            
                Fuga
                de mim 
                 
                Desmarco a hora no dentista 
                Para embarcar no caminho da lua 
                Onde me deixo adormecer 
                Às batidas dos
                ponteiros do relógio, 
                Mercê do tempo dos mortais. 
                E finjo ser feliz e sorrio 
                Aos namorados, ao sol, ao eclipse, 
                Ao teu peito cabeludo onde chego 
                Às curvas e me dispo. 
                Às vezes é assim... 
                Fácil chegar 
                Para rápido partir 
                De um refúgio para outro... 
                                                                         
                VII 
                Não sabias dizer não à voz
                que te chamava do outro lado 
                Do espelho que queimei entre o sangue do pássaro 
                E o lume do teu olhar, 
                Vulcão de espuma breve, sombra de dedos e ruídos, nos meus
                desenhos. 
                Rasguei da memória os dias bons, encobri em névoa a tua
                saliva, 
                Afoguei no atlântico o teu peso a respirar, 
                Levei do tesouro o calor dos dedos mastigados. 
                Queria cortar a ferida onde sinto o frio, queria sair do céu, 
                Cair do muro que trago vestido e te dizer «nunca mais», 
                Queria ser ignorante no sentir, queria partir o vidro do teu
                coração 
                Que está habitado por feras e estranhos nomes. 
                Vou agora por caminhos meus, elimino o receio nos quilómetros. 
                Nas minhas mãos caço as estrelas para o meu jantar com outros
                olhos, 
                A minha voz é agora aroma, o meu sossego uma solidão feliz... 
                Tu eras o meu deserto, a areia doce no meu pesadelo, a aridez
                dos sonhos. 
                O que fomos foi um esqueleto esquecido em lamas, com medo 
                Do quotidiano. Não vivemos, fingíamos, numa ilusão vegetal. 
                Vou agora 
                Com a paciência das pedras, o brilho da chuva, 
                Vou fazer a noite minha amiga e romper o mar, nua, 
                Enquanto espero que vás embora com a tempestade. 
                 
                
                 
                                                                         
                VII 
                Espero-te 
                Longe, num golpe de asa, firme voo entre os pulsos. 
                Espero água clara para o ocaso, 
                Para o tempo passar. 
                Dizer-te os versos em grego antigo 
                E roubar brisas ao deus nu. Navego nas raízes do sangue 
                Encontrado nas casas assombradas que desenhas 
                No peito. 
                Espero-te 
                Rosto sem nome, ascende na sombra a luz fechada, 
                A boca que hesita e inspira e assalta becos que mudou 
                O olhar. 
                Espero-te 
                Com o medo, o vinho e alguma lua esquecida 
                No calor do sovaco. Queres dizer o que te estremece, 
                O que leva a diurna respiração a te tocar, 
                A te fazer sentir a secura incendiária do rio que colheu a voz 
                Do destino. 
                Espero-te 
                Rebelde na paz, 
                Vens cedo, com o coração apertado nas mãos, 
                Cospes, do teu olhar, a humilhação, trazes chuva suja, rente 
                Às páginas da tua vida e esperas, sentado, 
                Por outro relógio. 
                Espero-te 
                Com a música salgada das tuas viagens, 
                Espero o assobio que, sonâmbulo, aqueces nos braços de outra
                rua. 
                Meu temor. Teu horror. 
                Espero-te 
                Marcas os anos cheirando cada riso que não deste, passeias 
                Com meus olhos entalados entre a espada e a parede e não
                esperas 
                Que finja os gestos que faço dentro de ti... 
                Espero-te 
                Acordado, com feridas abertas e velho amor. 
                O passado está em crosta e o presente teu pouco amigo. Já
                magoado, 
                Não voltas de tão longe...
                  
                
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