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    No Quixico, a companhia ficou instalada na fazenda 
    Maria Celeste, uma fazenda de café. Estava o pessoal militar completamente 
    isolado, porque os trabalhadores dessa fazenda não eram naturais da zona, 
    mas provenientes do Sul de Angola. Eram contratados para lá, faziam uma 
    campanha durante certo tempo e eram depois substituídos. 
    A companhia tinha 
    um pelotão no destacamento do Lué, 25 km a Norte do Quixico,  e em 
    Quipedro, 10 km a Sul. Cada pelotão era todos os meses rendido. 
    Para terem 
    diariamente pão fresco, um elemento de cada pelotão teve que aprender a 
    profissão de Padeiro. 
    Foi no Lué que a 
    malta sentiu mais forte a guerra. Sofreu um ataque durante algumas horas, 
    tendo recebido o apoio de Quixico e de Quipedro. Felizmente não 
    houve baixas nem feridos.  
    No dia 15 de 
    Agosto de 1971, ocorreu a primeira prova de fogo numa emboscada na picada 
    para Nambuangongo. Houve outra passado algum tempo e mais uma depois, tendo 
    havido o apoio da força aérea (Fiat). 
    Não foi só guerra 
    a registar como significativo. Houve outros factos, embora não tão graves, 
    mas que ficaram registados na memória. Devido ao mau tempo, durante 15 dias 
    não pudemos sair do quartel. Nem as viaturas com tracção ás quatro rodas e 
    com correntes conseguiam circular, porque o quartel ficava numa cova. 
    Durante esse tempo, a alimentação fazia-se quase exclusivamente à base de 
    arroz com salsichas e feijão com chouriço. E a partir de certa altura era só 
    arroz com salsichas. Uma coisa é certa, nunca faltou o pão e quando chegou 
    reabastecimento ainda havia farinha para mais oito dias.  
    A companhia 
    também fez melhoramentos, entre os quais a padaria. Numa visita de um 
    brigadeiro ao Quixico, que passou uma revista, quando chegou à padaria o 
    padeiro não estava. Encontrava-se a dormir, porque trabalhava durante a 
    noite. O Brigadeiro mandou chamar o cabo padeiro: 
    
    - Então a dormir a esta hora? 
    
    - Trabalhei durante a noite. 
    
    - Vamos lá fazer a visita. Isto está muito sujo. O chão 
    não foi varrido. 
    
    - É verdade, mas não se pode varrer bem, porque o chão é 
    em terra e faz muito pó. 
    
    - Eras padeiro na vida civil? De onde és? 
    
    - Sim, era padeiro na vida civil. Sou de Aveiro, mas 
    trabalhava em Lisboa. 
    
    - Lisboa? Eu sou de Lisboa. Em que padaria trabalhavas? 
    
    - Na Brasileira, em Campo de Ourique. 
    
    - Na Brasileira? É a minha padaria preferida. O que é 
    preciso para que tenhas a padaria em boas condições? 
    
    - Preciso de várias coisas. 
    
    - Então é melhor escreveres num papel o que precisas e, 
    se possível, a quantidade. E amanhã vais à messe de oficiais entregar-me a 
    tua relação. 
    Falei com o João 
    Alberto Alves Ferreira no assunto e ele foi fazer os cálculos do que era 
    preciso. No dia seguinte, entreguei ao Brigadeiro a lista com a relação do 
    material necessário: cimento, tijolos, chapas de zinco, tubo galvanizado, 
    torneiras, tábuas.   
    
    - Está tudo? Tenho a dizer-te que foi o melhor pão que 
    comi em campanha. Espero que se mantenha. 
    Ficámos com uma 
    padaria impecável, havendo até um chafariz junto à entrada. 
      
    No Quixico, 
    fizemos reabertura de picadas e limpeza de outras, utilizando uma máquina de 
    lagartas apropriada para este trabalho..  
    Na nossa 
    permanência, foram também feitas dezenas de incursões pela mata, quer 
    operações, quer patrulhamentos. Houve factos que não vou relatar, pelo facto 
    de não ter sido interveniente, deixando isso para aqueles que viveram as 
    situações, esperando que esses meus camaradas aproveitem este espaço para os 
    dar a conhecer. 
    Fizemos uma pista 
    para avionetas. Foi também prestada assistência médica e sanitária aos 
    residentes. 
    Fizemos algumas 
    caçadas, aliadas ao patrulhamento, e adquirirmos bananas e abacaxi.   
    Esta foi a 
    minha visão do que aconteceu, sei que existiram casos mas, não os senti.                                                                                     
                                         
    
    
                                                                                                              
    Mário Ferreira Silva 
                                                                                                              
    Ex. 1º Cabo Padeiro  |