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 Decorria o mês de Maio de 
 1971. Estando eu no 2.º Grupo da Companhia Administração Militar no Lumiar 
 Lisboa, tinha acabado de tirar a especialidade de padeiro, tive a informação, 
 assim como mais dois colegas da especialidade, que estávamos mobilizados para 
 Angola, onde nos devíamos apresentar no R.I.2 em Abrantes, na data marcada. Após a 
 chegada e entregue as guias de marcha fomos informados que íamos para o 
 Batalhão de Caçadores 3848. Coube a mim a C. Caç.3387. Após a minha 
 apresentação ao comandante da companhia, vim a saber que a malta andava a tirar 
 o IAO, e vim para casa uns dias a casa. Passados uns quinze dias, recebi a 
 informação para me apresentar em Abrantes, para me dar os quinze dias da 
 mobilização, tendo que me apresentar um dia antes do embarque em 06/07/1971. Embarquei no 
 Vera-Cruz a 07/07/1971 com destino a Luanda, onde cheguei a 
 16/7/1971. Foi durante a viagem que tive os primeiros contactos com os meus 
 colegas da companhia, mais propriamente do beliche. Finalmente chegámos ao Grafanil. Normalmente poucos se aguentavam dentro daquele Campo Militar, 
 procurando as diversões, praias e restaurantes em Luanda, onde, também, não fugi 
 às regras. A 23 de Julho 1971, partimos com destino a Nambuangongo, onde ficou a 
 sede do Batalhão de Caçadores 3848. A C. Caç. 3387 a que pertenci foi até ao 
 Quixico. Assim que cheguei, tentei saber o que me esperava, para exercer as 
 minhas funções, falando com o padeiro da companhia que eu ia render. 
 Passados oito dias, o restante pessoal da companhia que rendemos partiu e 
 fiquei só na padaria. Nessa altura falei com o furriel da alimentação, para que 
 alguém que estivesse de serviço me fosse chamar às 2 da manhã, para eu ir cozer o 
 pão. Coube essa missão ao pessoal que estava de serviço junto à padaria,  a uns 10 metros do meu quarto. Nessa altura comecei a conhecer o pessoal 
 com quem tinha de conviver durante dois anos, porque, até aqui, não me tinha 
 sido possível. 
 Primeiro tentei saber se havia alguém do concelho de Aveiro. O colega mais 
 perto era do concelho de Ílhavo. 
 
 Todos os dias, pelas duas 
 horas da manhã, a sentinela que deixava o serviço tinha a missão de me chamar 
 para ir cozer o pão. Foi uma das maneiras de travar conhecimento com os meus 
 colegas, convidando-os a ir até à padaria, que ficava a 20 metros do posto de 
 vigia. Durante essas visitas falava-se de muitas coisas e ocupava-se também 
 parte do tempo a contar anedotas.  
 
 Um dos colegas era da zona 
 de Amarante. Era Abílio Freitas Ferraz, mais conhecido por Malhado por ter uma 
 ligeira mancha branca no cabelo. Ele não gostava nada de ouvir falar em mortos, 
 diabo, bruxas e coisas do género. Perante isto, 
 lembrei-me de lhe pregar uma partida quando estivesse de serviço no posto de 
 vigia, junto à padaria. E chegou o dia desejado. Fui ao depósito de géneros 
 arranjar um caixote vazio das batatas com a dimensão mais ou menos de 120x40x30 
 cm. Arranjei quatro batatas para servir de base para  as velas, que fui 
 buscar à capela da Nossa Senhora de Fátima do Quixico. Já com todo o material 
 necessário, falei com Nelson Ferreira Oliveira (Carracinha), que dormia mesmo 
 por trás da porta. Ele concordou em 
 ajudar-me a executar a tarefa. Colocámos o caixote das batatas na cama, tapámos 
 com o cobertor e fizemos uma cruz com o papel higiénico. Nas batatas fizemos 
 buracos para colocar as velas. Enfiámos as batatas com as velas nos buracos dos ferros da cama. 
 Feito o serviço e já com metade da caserna acordada, acendemos as velas. Estava tudo 
 perfeito. Osque estavam acordados começaram a acordar a restante malta. Ficámos 
 todos na expectativa. Por volta das 6 horas e cinco minutos, o Malhado tira a 
 bala da câmara antes de entrar na caserna. Assim que entra e encara a 
 situação, dá um grito e ao voltar-se para fugir vai contra a porta. Continua 
 a fugir e a gritar pelo campo de futebol fora. Após isto, o colega de 
 armas, Nelson Ferreira Oliveira, lembrou-se de colocar a sua bacia da roupa com 
 água em cima da porta entreaberta. Algum tempo depois, ouvem-se vozes ao longe. 
 Vinham em direcção da caserna duas pessoas, o Malhado e o Furriel, que estava de 
 sargento de dia. Ao chegar à caserna, ouviu-se: 
 
 – Ferraz, não existe nada 
 disso, é uma brincadeira dos teus colegas. 
 
 – Mas eu vi um morto na 
 minha cama, até tinha velas acesas. 
 
 – Anda mostrar-me o morto. 
 
 – Eu não entro. Vá o meu 
 Furriel à frente. 
 
 – Anda cá. Entra comigo, para 
 veres que foi brincadeira dos teus colegas 
 
 Ao entrarem cai a bacia com 
 água em cima do sargento-de-dia, que ficou furioso. Tentou saber quem tinha 
 colocado a bacia com a água, não dando qualquer importância à cama do Ferraz 
 (Malhado). Após alguma insistência para descobrir quem lhe tinha dado o banho e nada conseguindo, virou-se para o Malhado e disse-lhe. 
 
 – Ferraz vai deitar-te. 
 
 – Eu não vou. Já viu como 
 está a minha cama? 
 
 – A cama está no mesmo 
 sítio. Tira o que lá está e deita-te. 
 
 – Não me deito com a cama 
 assim. 
 
 – Não te deitas? Então anda 
 comigo. Vais ficar de serviço no posto de onde vieste. Os dois colegas que lá 
 estão vão dormir. Tu só regressas do posto, quando lá chegar o pessoal do 
 pelotão que nos vem substituir. 
 
 Mário Ferreira da Silva 
 
 Cabo Padeiro da C. Caç. 3387 
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