O SALGUEIRO NA TERAPÊUTICA POPULAR

O SALGUEIRO[1] é árvore muito abundante nas margens do Vouga, principalmente, e com mais exuberância, na parte terminal desse rio, no chamado campo do Baixo-Vouga. Servia, e ainda serve, não só para minimizar a erosão das margens, como também era aplicado, como cômoro, na limitação das tapadas, pequenas propriedades em que está dividida a vasta zona lagunar que o Vouga foi acarretando, por arrastamento, ao longo dos séculos.

Zona fertilíssima em ervagens espontâneas e cultivadas, forneceu bom e farto comedorio para o gado cavalar e vacum de que Cacia e as populações vizinhas[2] eram grandes produtoras.

O salgueiro foi um privilegiado elemento na economia dos povos que assentaram arraiais ao redor do Vouga: estacas para empar as vinhas, mourões para construir currais e cabanas e, cortado em toros, para arder no forno da broa ou, na lareira, para cozinhar[3] e aquecer a casa; e com o vime de salgueiro se faziam gigos, cestos de semear ou cestos de aro, cestos para a pesca da enguia, cabazes, açafates, nassas e nassos[4], covos, armadilhas para pássaros, etc.

A lenha do salgueiro era utilizada tanto na casa do agricultor rico como na do artesão ou do trabalhador rural. As estes últimos restava-lhes a tarefa clandestina de ir à lenha ao campo, rebuscando restos de cepas carcomidas ou de garavetos secos deixados a esmo pelos donos.

O salgueiro foi assim, até ao aparecimento da máquina a petróleo, e, mais tarde, do gás, o único e secular combustível usado pelos povos do Baixo-Vouga; e ainda hoje é a lenha usada pelas famílias mais pobres, ou por outras menos carenciadas, que dele se servem para o forno ou para cozer na lareira, em grandes panelas de ferro, a lavagem[5] para os cevados.

Na freguesia de Cacia, o salgueiro era tão abundante, que os iberos que por aqui andaram baptizaram a zona com o topónimo SARRAZOLA, hoje uma aldeia de Cacia[6].

Como fui gerado e criado nesta aldeia, terra onde brinquei, aprendi a ler e fiz traquinices, tomei-me de presunção e escrevi um livrito sobre a origem etimológica deste topónimo[7]. E foi ao elaborar este trabalho que, diletantemente, me entusiasmei pelo estudo do salgueiro, não com propósitos botânicos - o que seria pura estultícia -, mas tão só pelo uso que o povo fazia e faz ainda da casca dessa árvore, como factor tintureiro[8] e, em alguns casos, como terapêutico.

Como TINTUREIRO - era empregue para tingir, de cor acastanhada, o pano de linho com que as mulheres faziam as suas camisas e blusas, os lençóis e toalhas de mesa, tal como os pescadores que, para conservar as redes de algodão - bitorões, galrichos, etc. - as coziam em ÁGUA DE SALGUEIRO, evitando assim a sua destruição pela bicharada.

Como TERAPÊUTICO - Do salgueiro se extrai o ácido salicílico, um elemento muito usado na área farmacêutica, dada a sua acção queratolítica, analgésica, antipirética, anti-reumática, anti-séptica, anti-pruriginosa (GEPB – vol. 26, págs. 740-741); anti-nevrálgica e anti-gripal (GEPB – vol. 3, pág. 515); e ainda conservante e bactericida (Enciclopédia LOGOS, pág. 3599).

A ASPIRINA, composta de ácido salicílico, é o mais famoso remédio anti-pirético e analgésico; e reduz o risco de enfartes do miocárdio, além de evitar acessos de ira (vd. “Despertai” de 22/9/1994).

O SALGUEIRO no povo:

● No tratamento de porcos «augados», dava-se ao animal um cozido de feijão frade e arroz, a que se misturava um dedal de cinza de salgueiro;

● Na cura de aftas, mastigavam-se folhas de salgueiro (rebentos), retendo na boca, durante uns minutos, o sumo salivado, deitando fora as folhas moídas pelos dentes;

● Havia quem fizesse chá de folhas de salgueiro para reduzir ataques febris.

As MINHAS EXPERIÊNCIAS com «ÁGUA DE SALGUEIRO»:

● Curei em mim rouquidão, chupando o sumo salivado da mastigação de rebentos de folhas de salgueiro;

● Curei um eczema besuntando a zona com água de salgueiro;

● Em caso de gripe, aplico nas mucosas nasais, com cotonetes, a água de salgueiro;

● Sofria de arritmia cardíaca; melhorei muito desde que passei a colocar na água que bebo seis gotas por litro de água de salgueiro;

● A minha neta Sara, de catorze anos, não comia por ter a boca cheia de aftas. Besuntou a língua com água de salgueiro antes de se deitar e, quando ao outro dia acordou, já estava curada;

● Minha mulher, a quem apareceu no peito três manchas vermelhas, dolorosas e muito comichosas - com todos os indícios da doença ZONA - curou-se da mazela em três dias, aplicando a referida água, besuntando os locais afectados.

BARTOLOMEU CONDE

 

BIBLIOGRAFIA:

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (GEPB)

Enciclopédia espanhola LOGOS

Sarrazola – terra de salgueiros

CONDE, Bartolomeu - Cacia e o Baixo-Vouga

 

LINKS NA INTERNET SOBRE O SALGUEIRO

 

www.farmacia.med.br/itacetilsalicilico.htm

www.bragancanet.pt/patrimonio/arvsalgueiro.htm



[1] Há umas trezentas espécies de salgueiro, género SALIX-LIN (Logos, pág. 3651); é desta árvore, nomeadamente da espécie salix-babylonica, Lin (salgueiro-chorão) que se extrai o ácido salicílico.

            O povo canta assim o salgueiro:

                        Salgueiro à beira d’água
                        Bota raiz pr’onde quer
                        É como rapaz solteiro
                        Enquanto não tem mulher.

[2]  Angeja, Fermelã, Canelas, Salreu, Estarreja, etc.

[3]  A lenha do salgueiro mesmo quando seca, arde em morrinha e não faz fumo. Os deliciosos rojões de Aveiro ganharam a sua fama por serem feitos ao fogo do salgueiro, em tacho de cobre ou latão, operação que durava quase três horas, dada a combustão lenta da lenha de salgueiro.

[4] Nassas e nassos são instrumentos utilizados outrora na actividades piscatórias fluviais.

[5] A lavagem é o cozido de hortaliças, farelos, milho, abóbora, nabos e tudo o que servisse para alimentação dos cevados.

[6] Há mais três aldeias com o nome de SARRZOLA: em Colares, no Marco de Canaveses e em Sátão.

[7] SARRAZOLA é um topónimo composto de dois étimos da língua ibera: SARATS > SARRAS > SARRAZ (=salgueiro) + OLA (‘sítio de, lugar de’) = SARRAZOLA =SALGUEIRAL.

[8] TINTUREIRO – a ÁGUA DE SALGUEIRO:

A água tintureira de salgueiro é feita do seguinte modo:

Arranca-se a casca de uma cepa de salgueiro velho e esmigalha-se à martelada. Coloca-se numa panela (não de alumínio) e junta-se-lhe, três vezes a sua porção, água. Coze-se a mistura em fogo brando durante duas horas e meia e temos, finalmente, a TINTA DO SALGUEIRO - a ÁGUA DE SALGUEIRO - depois de retirar a cascaria. Era nesta água, ainda quente, que se metia o linho e o algodão a corar durante um dia.

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