Andava eu a passear nas praias de
Cochim, exactamente no sítio onde consta
ter desembarcado o navegador Vasco da Gama, e a pensar na
grande epopeia dos Descobrimentos e na acção preponderante do
Infante D. Henrique que, depois de voltar de Ceuta, se dedicou à
leitura dos cosmógrafos Marco Pólo, Ptolomeu, Estrabão, Cornélio
e muitos outros, quando me apareceu o meu Chefe da criadagem,
Ricardo Barbatesa, que eu julgava a bom recato em Portugal, a
anunciar-me, todo galifão, que fazia parte da comitiva de S. M. El-Rei D. Mário I, o Felizardo, convidado pela casa Real dos Soares
para, com Carlos e Tordo constituírem a «troika» dos fadistas que iam
animar as mil e uma noites dos serões artístico-culturais a
realizar nas cidades de Cochim, Goa e arredores.
— Então por cá, rapaz?
— Saiba meu
amo, D. Bártholo, que sim, que aceitei com toda a honra o convite de
S. Majestade, não só pelo facto de vir dar um passeio a terras dos
nossos maiores, como também para lhe dar conta de um S. O. S. lançado
pelo director do jornaleco “O NOSSO JORNAL”, de tão má
memória.
— Ó homem, não me fales nisso, que eu desde que vim para a Ásia
tenho andado a remoer fúrias de raiva por esse Reis Dias, ou Rei
dos Dias, que autorizou esse pseudo-fidalgote, Duque de Verride, a
vir para o jornal fazer estendal das suas aristocracias,
apresentando no escudo da família um cavalo de raça, quando as
suas origens só se conhecem, e mal, a partir da invasão dos bárbaros
de que ele, sim, é um digno representante.
Mas deixemos isso, diz lá, o que
é que o jornal quer?
—
Saiba D. Bártholo que quer
colaboradores.
—
Ora essa, então não tem colaboradores e dos bons? Como esse Justus,
homem com Alma até Almeida, escritor de fino quilate, e essa “Voz
de Eixo”, um dos magníficos colaboradores desde a primeira hora,
ou o Viana de Lemos, sempre a dar conselhos sobre a natureza, o altíssimo
M. G. Queirós, coca-bichinhos das nossas contradições, o Lúcio,
esse abencerragem do jornalismo celulósico, o Oliveira e Sá a
tratar-nos da segurança e da saúde, o Carretas, oh esse (tão bem
desenhado na caricatura!) emérito galanteador da “parte mais
fraca” do género humano, a D. Maria Eugénia, a quem Cavaco já
deveria ter dado um lugarzinho no Turismo... sei lá quantos se me
esquecem de nomear, tudo gente de grande valor e de muito saber! Não
compreendo que queiram mais, a não ser que tu não soubesses ler o
tal S.O.S..
— Qual quê, a coisa, patrão, está muito clara, quer
mais colaboradores.
— Então tens tu uma oportunidade, deita-te a
escrever o que vistes nestas terras, e torna-te tu um colaborador
deste jornal.
— Mas, meu amo D. Bártholo, eu enquanto não der uma
valente surra nesse Duque de Verride, até lhe ver a cor do líquido
que lhe corre nas veias, não conte comigo, e desta decisão peço
imensa desculpa.
Ao responder ao S.O.S., senhor
director, só lhe posso prometer que tudo farei para tornar este meu
criado um bom jornalista. E garanto-lhe que não será dos piores.
Agora vou ver passar os camelos, pois consta que S. M. El-Rei D. Mário,
o Felizardo, vai montar um deles, vestido a rigor, com turbante e
tudo!
Ai se D. João de Castro visse,
aproveitando o buraco do ozono, este espectáculo lá do céu, muito
teria de coçar as barbas se não as tivesse cortado para pagar dívidas...
do Estado!
Cochim, 1 de Fevereiro de 1992
Conde de Mataduços y Fontão
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