Carta aberta ao Director de "O Nosso Jornal"



Recebemos da Donzela — supomos — Branca de Pinho, que se diz ser donatária usufrutuária do Solar do Suão e que não se intitulando brasonada, está a tentar pôr mais achas para a fogueira. Como a uma Donzela tudo é permitido, reproduzimos na íntegra a sua carta.

Preclaro Amigo:

Antes de mais, as minhas fraternas e natalícias saudações a toda a equipa d’O NOSSO JORNAL e seus leitores — aos “caciosos” que vão passando e aos cacienses que despontam. — E com particular amizade, obviamente, aos caseiros travestis ou não, às “ratazanas” do passado, peladas e arruçadas, que de suas luras despontavam às primas notas do clarim da confraternização e da cultura!  

Pois, meu Amigo, aqui deste eremitério do Vale do Suão, tudo convida à introspecção, seja nas manhãs húmidas, brumosas, mas olorosas dos arboretos, seja nas tardes esplendorosamente radiantes e chilreantes de asa, seja nos poentes melancólicos e umbríferos, seja nas teimosas e gélidas morrinhas. Aqui as noites são beatificamente silentes e serenas de Natureza e latentes de Vida, onde, não havendo algazarras e turbas, a palavra frenesi não calha. Aqui tudo chama à meditação reflexiva e religiosa — das coisas que vemos e palpamos (e que são em ínfima porção) e das Coisas maiúsculas que não deciframos, tal a humana sensorial pobreza...

Mas a chegada desta folha traz-me o eco da vossa (e de que já também participei) diurna e nocturna labuta. Pela brilhante continuidade que Você, meu estimado Amigo, dá a este singularmente inédito como significativo meio comunicativo (e em que eu, modéstia à parte, porventura terei contribuído com sólidos  tijolos para sua consolidação...), daqui aproveito esta época natalícia para lhe endereçar fervente encómio.

Mas é este o propósito desta epístola aberta? Não o é apenas. — É também para dar ao meu Amigo aviso de que anda, sem o saber, mui, muitíssimo mal acompanhado! Abandone e não dê  guarida — eu lho digo — a esses arruaceiros, desbragados e frascários fidalgotes, em exibições heráldicas de topete! Arrede essa gente, pois corre o risco de que lhe transformem esta sua e nossa folha em nauseabundo pasquim de balofas vaidades!

Esconjure, preclaro e egrégio Director, essas escavações brasonadas desse bartholaicamento esfolado Conde de Mataduços e do seu, dele, desavergonhado servo Barbatesa, com suas picarescas e enxundiosas ameaças (frequentador assíduo da taverna de Dom Alvarinho), esse ventas largas a sorver o carrascão enquanto belisca as nádegas de descuidadas moçoilas quando lá vão ao petróleo — picaresca figura de lacaio, todo estrebaria!

E não se vá também, ilustrado Amigo, em agurarelados poestastros que fazem do recto torto, como é esse descendente degenerado da família beiroa dos Almeydas, ditos descendentes do Byce-Rei da Pena Alva, nem nas falinhas mansas e falaciosas de quem se julga senhor do reino da impressão, a exibir punhos e rendas alugados e a querer pôr água na fervura chamando a cordata postura os que apoda de ilustres (eu diria ignaros) vassalos! E o que dizer do auto-proclamado Duque de Verride, o Maputo, tocador de sanfona e alaúde por feiras e romarias, entre rufiões, colarejas e romeiras, em zaragatas e caneladas?!

Caspité! — Que dirá de tudo isto (gostava de o saber) o galego filho d’algo Dom Gonzalez, quando paradoxalmente mira esta escumalha e enquanto elabora o seu inédito tratado de sistemática vegetal, que fará cócegas a Dom Ernesto a remexer na tumba os ossos de Lineu e de Cuvier? — Não quererá quiçá Dom Ezequiel tanger, em altissonantes alexandrinos, sua satírica e temperada lira, pondo a nu tão míseras e mesquinhas fidalgarias?

Por ora me detenho, Amigo, que já é dia oito e muito noite.  — A mala-posta apresta-se para trotar direito à sua oficina gráfica... BOM NATAL! Beijos da Branca de Pinho.

Solar do Suão

8.XII.87

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