1.º Centenário do Liceu de Aveiro
I
Breve notícia da
história do Liceu
1
– Sua instalação até 1860. O Liceu e José Estêvão
___________
A criação dos liceus
portugueses, obra notabilíssima de Passos Manuel, fez-se em 1836 por
decreto de 17 de Novembro. O de Aveiro só foi fundado em 1851, ao abrigo
do art.º 46.º do decreto de 20 de Setembro de 1844 (Costa Cabral).
Até 1860, ano em que
se instalou no edifício onde actualmente funciona e donde em breve sairá
para acomodações modelares, foi a vida do Liceu muito acidentada e
precária. Foi seu primeiro reitor o Dr. João de Moura Coutinho de
Almeida de Eça, Comissário dos Estudos no distrito de Aveiro, que o
instalou no Paço Episcopal.
Como nenhuns
documentos existem que nos esclareçam da maneira como começou a
funcionar, é necessário que se transcrevam na íntegra as actas iniciais
do Conselho Escolar.
A acta de instalação
reza o seguinte:
– «Anno do
Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oito centos e sincoenta
e um aos quatorze dias do mez de Julho do dito anno, sendo presentes no
Paço Episcopal desta Cidade de Aveiro o Commissario dos Estudos do
Districto o D.ºr João de Moura Coutinho e o
Professor de Philosophia Racional e Moral Luiz Cypriano Coelho de
Magalhães (1) comigo Professor de Rhetorica Manoel Joaquim
d'Oliveira Santos chamado officialmente por elle dito Commissario dos
Estudos p.ª servir como Professor mais moderno de Secretario do Lyceo,
declarou elle sobredito Presid.e Commissario q havendo de
proceder-se aos Exames dos Preparatorios dos Ordinandos
/
6 / q pelos Exames no Lyceo
desta Cidade tiverem de se habilitar p.ª requerer Licença p.ª a
Ordenação, devia o Lyceo considerar-se interinamente instalado p.ª taes
effeitos, sendo elle Commissario Presid.e considerado como
Reitor, e eu
Professor mais moderno como Secretario de Lycêo, tudo na
conformidade das Portarias de 25 de 7.bro de 1850. e de 8. de
8.bro e de 29 de 9.bro do dito anno, e das
Instrucções ultimamente recebidas do Conselho Superior de Instrucção
Publica. E p.ª constar, fiz este Auto q vai ser assignado por mim como
Secretario e como Professor, p.r elle Reitor e p.lo
Professor de Philosophia Racional e Moral; e eu Manoel Joaquim
d'Oliveira
/ 7 /
Santos o escrevi e assigno. Dr. João de Moura Coutinho, Reitor. Luiz
Cypriano Coelho de Magalhães. Manoel Joaquim d'Oliveira Santos.»
A segunda acta é de
Outubro e do teor seguinte: – «Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus
Christo de mil oito centos e sincoenta e um, aos vinte dias do mez de
Outubro do dito anno, no Paço Episcopal desta Cidade de Aveiro, estando
reunidos o Doutor João de Moura Coutinho, Commissario dos Estudos e
Reitor do Lyceo, e o Professor de Philosophia Rac.al e Moral
Luiz Cypriano Coelho de Magalhães comigo Professor de Rhetorica Manoel
Joaquim d'Oliveira Santos, ahi elle doutor Commissario e Reitor declarou
haver recebido uma Portaria do Conselho Superior de Instrução Publica de
27. de 7.bro de 1851. em q se lhe ordenava fisesse reunir em
Conselho os Professores do Lyceo a fim de se constituir definitivamente
o m.mo Lyceo; em virtude do q achando-se em Conselho os
sobreditos se declarou constituido definitivam.e o dito Lyceo
Nacional desta Cidade, sendo elle Presidente considerado como Reitor do
Lyceo, e eu Professor de Rhetorica continuando a servir interinamente de
Secretario do Lyceo na qualidade de Professor mais moderno do m.mo,
e se determinou se fizesse isto publico por Editaes. E para constar, fis
este Auto q vai ser assignado pelos sobreditos Reitor e. Professores
depois de lido por mim. E eu Manoel Joaquim d'Oliveira Santos Professor
de Rhetorica servindo interinamente de Secretario o escrevi e assigno.
Dr. João de Moura Coutinho, Reitor. Luiz Cypriano Coelho de
Magalhães. Manoel Joaquim d'Oliveira Santos.»
Em outra acta,
datada do mesmo dia e assinada pelos mesmos, diz-se que «se deliberou
sobre a necessid.e de nomear um Thezoureiro q recebesse as
Propinas de matricula na conformidade do art. 67. do decreto de 20. de
7.bro de 1844. e concordou-se em q se nomeasse Antonio da
Silva Paiva, Recebedor das Decimas neste Concelho de Aveiro, e q se
officiasse ao sobredito. E mais se deliberou se convinha attender a
petição de Fr. Miguel Joaq.m Ferr.ª Lopes, natural de Aveiro,
q.to a dar-se-lhe uma gratificação pelo serviço q como
Porteiro ou Guarda do Lyceo havia prestado em Julho ultimo e continuaria
a prestar enq.to não houvesse estabelecim.to
proprio p.ª o m.mo Lyceo, concordando os sobreditos Presid.e
e Professores q era justo dar-se-lhe a sobredita gratificação. »
O mesmo Conselho
voltou a reunir em 13 de Novembro daquele ano de 1851 e tomou as
seguintes resoluções: – «Que pelo serviço q como Guarda o Porteiro. . .
. . . do Lyceo havia
/ 8 /
prestado em julho ultimo e pelo q havia
prestado em Outubro e continuaria a prestar. . .» se daria a Fr. Miguel
J. Ferreira Lopes «a gratificação de dous mil e quatro centos reis
metal, e q se passasse Mandado ao Thezoureiro do Lyceo p.ª o pagam.to
da dita quantia e igualm.e p.ª o pagam.to de
quatro centos e oitenta reis q elle sobredito Reitor havia abonado em
dois Livros em julho um p.ª os Exames, e outro p.ª as deliberações do
Conselho do Lyceo, e p.ª o pagamento de seis centos reis q eu Secretario
servindo interinamente havia abonado em tres Livros p.ª as matriculas de
Grammatica Portugueza e Latina e Latinidade, de Philosophia Racional e
Moral, e de Rhetorica. E mais se deliberou q havendo alg.s
Estudantes deixado de se matricular na Aula de Grammatica por não se
achar ainda em exercicio o Professor despachado, que deveria faser-se no
caso que elles o requeressem quando entrasse em exercicio o m.mo
Professor, e se decidio pedir ao Conselho Superior de Instrucção Publica
auctorização para os matricular no sobredito caso.»
Da leitura da acta
seguinte, de 8 de janeiro de 1852, conclui-se que as reuniões do
Conselho já se não faziam no Paço Episcopal e que, portanto, o Liceu
fora instalado noutra casa.
Na sessão do
Conselho a que se refere essa acta «se dicidiu, que se pagasse ao Dr.
Joaquim Timotheu de Sousa d'a Silveira a quantia de seis mil dusentos e
quarenta reis, por que lhe tinha sido comprada a Cadeira, que serve na
Aula d'as Cadeiras 1.ª e 2.ª: Que se comprassem os precisos utensilios
para a Secretario d'o mesmo, ficando d'isto encarregado o ultimo d'os
Professores, a sima nomeados, Secretario interino, como o mais novo: Que
se mandassem faser dose Bancos para aulas: Que estas durarião; uma hora
por dia, e de manham, as de Logica e Rhetorica: e tres de manham e duas
de tarde as d'as referidas Cadeiras, 1.ª e 2.ª: Que ficava ratificado o
contratto feito pelo Reitor d'o aluguer d'as Casas, em que agora se acha
estabelecido o Lyceu: Que se mandassem faser Cabides para, durante o
tempo d'as Liçoens, os alunnos n-eles terem os seus chapeus, e
finalmente, que em quanto não fosse provido o logar de Continuo d'o
Lyceu, se pagassem a Fr. Miguel Joaquim Lopes novecentos e secenta reis
mensais para faser o serviço d'aquele.»
Reconhecendo-se mal
instalado o Liceu, logo em Outubro desse mesmo ano foi proposta pelo
Reitor ao Conselho «a mudança d'o Lyceu d'a casa, em que attoalm.e
se acha, por não ter a capacid.e precisa, para as de
Francisco José de Pinho
/ 9 /
Ravara, na Rua de Santta Catharina
(2),
que o mesmo Ravara arrenda por cinco moedas; e decidido, que o Reitor
fosse authorisado para as arrendar, bem como tambem para a compra d'os
objettos, que forem precisos: o que pelo Reitor foi tambem proposto; e
são precisos já de promtto desoitto Bancos, para cuja compra o referido
Reitor ficou auttorisado.» (Acta de 50 de Outubro de 1852).
Mas o fadário do
Liceu continua. Da acta de 29 de Setembro de 1855, consta que «foi
appresentada pelo Reitor interino huma carta de Francisco José de Pinho
Ravara dono da casa onde presentemente se acha o Lyceo em que exige que
a renda da casa seja elevada desde o 1.º de Novembro proximo futuro a
Quarenta mil reis annuais, reservando para seu uso as Lojas e Quintal –
Sobre o que se deliberou que se acceitasse com a condicção de que não
fossem occupadas as lojas de forma que fosse perturbado o ensino
publico. Tambem se resolveo que se representaria a S M pelo Conselho
Superior pedindo providencias a respeito da escassez de meios em que o
Conselho do Lyceo se acha p.ª faser face as suas despesas d'expediente
visto que o aluguer da casa absorve a maior parte da quantia de
Cincoenta mil reis que são mandados pôr a disposição do Reitor do Lyceo
para o expediente.» O professor de inglês e francês, José Perry, votou
«contra o arrendamento nos termos propostos até que o Conselho do Lyceo
levasse a presença de S M a difficuldade em que se achava por não ter
casa propria para as suas aulas, achando excessiva a renda e as
condicções propostas.»
Dentro de pouco,
porém, o Liceu foi instalado em dependência do Convento de Santo
António, já depois de, como adiante se verá, ter sido decretada a
construção do edifício onde hoje está funcionando. Na acta da sessão do
Conselho de 29 de Setembro de 1856, enumeram-se com minúcia as obras de
adaptação mandadas executar no aludido Convento, para aí funcionar
provisoriamente o Liceu.
*
* *
A construção do
actual edifício do Liceu deve-se como é geralmente sabido, aos esforços
de José Estêvão. Na sessão (parlamentar) de 16 de Julho de 1855 requereu
«primeiro para que o governo mandasse fazer a planta e o orçamento de um
edificio para estabelecer o Iyceu do distrito d'Aveiro, tendo por
/ 10 /
adjunto a bibliotheca publica, que estava decretada para esta cabeça de districto,
assim como para a de todos os mais; – segundo, que se mandasse consultar
as autoridades para verificar se as ruinas da Albergaria
de S. Braz eram
o lugar mais próprio para o Iyceu.»
(3)
Do «Relatório
apresentado pelo Governador Civil à Junta Geral em sessão de 15 de
Setembro de 1854» consta que «O Governo de S. Magestade tem resolvido, a
instancias de um digno Deputado da Nação, filho d'esta Cidade, o Sr.
José Estevam Coelho de Magalhães, mandar construir aqui um edifício para
estabelecimento do Lyceu Nacional, e da Bibliotheca Publica, cujo
orçamento, e planta, devidamente elaborada, já foram enviados á
competente Estação Superior»
(4).
O local escolhido
foi, efectivamente, o que José Estêvão sugerira. Marques Gomes, a pág.
126-127 das suas «Memórias de Aveiro», trata da história da Albergaria
de S. Brás. A pág. 127, escreve: – «Aveiro teve tambem a sua Albergaria,
que se denominava de S. Braz, e ocupava parte do local onde hoje (1875)
está o lyceu. O seu fundador foi Fernão Vaz de Agonide, contador-mor de
D. Duarte e D. Afonso V; e por seu fallecimento deixou testado que todos
os seus bens fossem applicados para a sustentação d'uma Albergaria, onde
devia haver seis camas para pernoitarem passageiros pobres, e a quem se
dariam medicamentos e o mais de que necessitassem, no caso de
adoecerem.»
Mas só em 1855 foi
publicada a portaria que ordenava as obras de construção. Dizia assim,
textualmente:
«Sendo da maior
necessidade que se construa, na Cidade de Aveiro, um edificio proprio
para o estabelecimento do Lyceu Nacional, e da Bibliotheca; e
reconhecendo-se que o Projecto apresentado pelo Director das Obras
publicas d'aquele Districto satisfaz ao fim desejado; Ha por bem Sua
Magestade El-Rei, Regente em nome do Rei, Approvar o referido Projecto,
e Ordenar que se proceda a sua execução, adoptando-se a perspectiva do
desenho n.º 1, e devendo a obra ser feita em harmonia com o Orçamento
datado de Julho ultimo, pelo qual é avaliada em 16.800$000 réis. – Sua
Magestade determina, outrosim, que o sobredito Director haja de pôr em
hasta publica o fornecimento de materiais e a execução dos diversos
trabalhos em que possa subdividir-se a construção do edificio, devendo
effectuar-se por administração sómente aquelles para que não haja
/ 11 /
arrematantes, que
ofereçam condições aceitaveis – Finalmente, devera o mencionado Director
ficar na intelligencia de que, com o intuito de attenuar a despesa
orçada, e nos termos por elle indicados, foi authorizada pelo Ministério
do Reino, a demolição da parte da antiga muralha da Cidade de Aveiro,
contigua ao Paço do Bispo, a fim de serem applicados á obra de que se
trata a pedra e outros materiaes aproveitaveis, provenientes da
demolição. Paço, em 5 de Marco de .855. – Antonia Maria Fontes
Pereira de Melo» (5).
O Governador Civil
desse tempo, Antero Albano da Silveira Pinto, no Relatório que em 20 de
Julho do mesmo ano apresentou à Junta Geral do distrito, deixou escritas
estas palavras, para nós preciosas: – «Para o Lyceu Nacional d'esta
Cidade, que desde a sua inauguração em 1851 tem andado por casas de
renda, mal situadas, incommodas, e sem a sufficiente capacidade, está
designado um bello local na praça do Municipio: para a construção do
respectivo edificio, em que tambem se estabelecerá a bibliotheca do
Districto, acha-se prompta uma grande quantidade de material
(6),
e, votada a quantia de desesseis contos e oitocentos mil reis. – É
grande a importancia desta concessão, mas só se pode avaliar devidamente
depois de levada a effeito a projectada obra, para cujo começo e activo
andamento farei os meus esforços, como convém á mocidade estudiosa d'esta cidade e Districto»
(7).
O definitivo
alinhamento para as obras do Liceu foi dado pela Camara Municipal em sua
sessão de 19 de Julho de 1855. A acta respectiva, na parte que nos
interessa, diz o seguinte:
– «... presentes o
Prezidente, Fiscal e mais Vereadores...; – aqui compareceu Agostinho
Lopes Pereira Nunes, Derector das obras publicas do Districto, dezendo,
que tendo de se proceder a abertura dos alicerces para o Lyceu, e que,
tendo a Camara de fazer o Theatro, e achando-se a Praça Municipal
/ 12 /
muito
irregular, pedia que a Camara desse se acazo podia dar-lhe um novo
alinhamento, em vista de que a mesma Camara deceu á praça em vistoria, e
vendo que o alinhamento vinha desde a esquina do muro de Manuel Ferreira
Correia de Souza em direcção á porta das Casas do irmão do Padre Manoel
Joaquim e reconhecendo que sahindo o Lyceu n'aquelle alinhamento, ainda
que o Theatro sahisse com a sua frontaria ao mesmo alinhamento, ficavão
as casas de João Maria Regalla muito recolhidas para dentro, e por
conseguinte a praça mais irregular ainda, e visto que as obras publicas
não expropriavão a dita caza, nem ella era incluida no Lyceu nem as
obras publicas se obrigavão a fazer a frontaria das ditas cazas no cazo
de se lhe dar o alinhamento aos dous sobreditos edeficios que elle dito
Director porpunha (sic), a Camara decedio que o Lyceu e Theatro fossem
no mesmo alinhamento que a caza para o Theatro e o antigo Hospital de
São Bras (aonde se hade fazer o Theatro) tinhão já)
(8).
As obras devem ter
principiado imediatamente. Em Julho de 1856 escrevia o governador civil
Silveira Pinto, no seu Relatório anual à Junta Geral do Distrito: –
«Pelo que toca ao Lyceu Nacional d'esta Cidade, vai bastantemente
adiantada a construcção do bello edificio, destinado para o seu
estabelecimento, e da bibliotheca publica. – O quadro das suas cadeiras
continua incompleto, pela falta das cadeiras 3.ª e 6.ª, a qual é na
realidade muito sensivel à mocidade estudiosa. Providas ellas, e
concluida a obra do Lyceu, ficarão suficientemente satisfeitas as
necessidades da instrucção secundária d'esta cidade e Districto"
(9).
A construção
achava-se quase concluída em fins de 1859. O Conselho Escolar do Liceu
reuniu-se em 10 de Novembro desse ano, para tratar do problema do
mobiliário para o novo Liceu. Transcrevamos a acta, que é um precioso
documento histórico: – «Estando prezentes o Reitor e os Professores das
Cadeiras 1.ª e 2.ª e d'a 3.ª e 4.ª, se rezolveu que se reprezentasse a
S. Magestade sobre a nesesidade de se mobilar correspondentemente o novo
Liseu, antes de Ia se comesarem os eizersisios literarios; visto qe d'a
mobilia qe prezentemente se axa no Convento de Sant'Antonio, onde ora
são as lisoins, e o mais serviso, pertensente ao Liseu, nenhuma
corresponde á grandeza d'o novo edefisio, antes servirá, para d'algum
modo o deturpar. Para constar se escreveu este asento, qe asinarão o m.mo
Reitor e
/ 13 /
Profesores e escrevi
eu Jermano Ernésto de Pinho, tambem secretario. – Queiroz, Gomes de
Carvalho, Jermano».
Em 26 Janeiro de
1860 assinava José Estêvão a seguinte carta, dirigida ao reitor
Francisco José de Oliveira Queirós, a qual alguma luz derrama sobre a
conclusão das obras do Liceu: – «Queiroz – É indispensavel que quanto
antes, e mesmo sem estar de posse do Iyceu – mas alegando que estão
proximos a entrar, é indispensavel digo que requisites pelo Ministerio
do Reino – 1.º As estantes e mais mobilia necessaria para a libraria 2.º
A construção de anteteatros volantes para as casas d'aula que não devem
ser mais de trez 3.º Alguma pequena soma que se mande dar ao corpo
cathedratico do Iyceu ou ao seu Reitor, para compra de mobilia miuda.
Esta requisição deve ser feita quanto antes e remetida ao Ministerio do
Reino. – Não peçam muito para a mobilia miuda – trezentos mil reis será
de mais – e cuidado em os empregar com juizo. – Logo que o Iyceu estiver
prompto, mettão-se de dentro, e dá parte d'assim o teres feito ou estão
em vespora de o fazer. Amigo José Estevão
(10).
A verba total
despendida na construção parece ter sido 27 contos de reis, bastante
mais do que a primitivamente orçamentada.
A respeito da
inauguração do edifício são absolutamente mudas as actas das sessões do
Conselho. Dois escritores aveirenses, Marques Gomes e Rangel de Quadros,
indicam como dia do início das aulas o dia 15 de Fevereiro de 1860. O
primeiro
/ 14 /
diz
simplesmente: «Foi inaugurado em 15 de fevereiro de 1860.
(11) O
segundo adianta um pouco mais: «O edifício do Lyceu Nacional de Aveiro
foi aberto em 15 de Fevereiro de 1860, havendo então algumas
demonstrações de regozijo. Era reitor Francisco José de Oliveira
Queirós, nascido a 28 de Dezembro de 1804, em Aveiro. Era médico.
(12)
A primeira acta de
1860, redigida no novo edifício, é de 20 de Julho. É de notar que, tendo
José Estêvão falecido em 2 de Novembro de 1862, em nenhuma acta haja
qualquer referência a esse acontecimento.
Depois do incêndio
ocorrido em 20 de Junho de 1864, no edifício do Paço Episcopal, as
repartições do Governo Civil e Fazenda, que nele se achavam instaladas,
passaram para o primeiro pavimento do edifício do Liceu, onde hoje
estão: à esquerda, os gabinetes dos serviços da Secretaria, a Reitoria,
a sala de espera dos professores e uma sala de aula; à direita, a sala
de Desenho e duas salas de aula.
Em 21 de Outubro de
1866, inaugurou-se no Liceu o retrato de José Estêvão, «primeiro
monumento levantado à memória do grande tribuno", no dizer de Marques
Gomes. Nenhuma acta se refere a esse acontecimento; mas na Reitoria do
Liceu existe, encaixilhado, o Auto da inauguração, que aqui se
transcreve na íntegra – «Auto da inauguração do retrato de José Estevão
Coelho de Magalhães, que os estudantes da Cidade de Aveiro mandaram
colocar na Bibliotheca do lyceu Nacional da
/ 15 /
mesma Cidade: Anno
do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos sessenta e
seis, aos vinte e um dias do mez de Outubro do dito anno, nesta Cidade
de Aveiro e sala da Bibliotheca do Lyceu Nacional da mesma cidade, onde
se havião dignado comparecer o Excellentissimo Reitor do Lyceu,
Presidente honorario da Commissão encarregada da colocação do retrato
que em testemunho de gratidão e respeito à memoria de José EsteVão
Coelho de Magalhães os estudantes da mesma cidade mandaram alli collocar
e estando igualmente presentes os dois filhos menores do grande Orador e
os Excellentissimos Vigario Geral, Professores do Iyceu e Seminario,
Governador Civil, Juiz de Direito, Delegado do Procurador Regio d'esta
Comarca, Delegado do Thesouro, Administrador do Concelho e a Commissão
encarregada da dita collocação, bem como todos os mais estudantes que
para ella concorreram, seguindo-se um grande concurso de pessoas de
ambos os sexos que, tanto da cidade como de fora d'ella vieram assistir
a esta festa; achando-se a salla adornada convenientemente com tropheos
e escudos em que se lião datas commemorativas dos epizodios mais
notaveis da vida de José Estevão, tomou a palavra o Excellentissimo
Presidente honrario da Commissão, depois de ter descoberto o retrato.
Então no Largo Municipal, que se achava decorado com mastros, bandeiras
e flores e onde fazia guarda de honra o Destacamento da guarnição d'esta
Cidade, tocaram as cinco bandas de musica, Vista Alegre, Amizade, Vagos,
a Velha de Agueda e Aveirense o hymno dos estudantes do Iyceu, subindo
ao ar muitas girandolas de foguetes. Em seguida, pediram e obtiveram a
palavra dous membros da Commissão, que falaram por parte dos estudantes
á maneira que esta lhe era concedida; subindo tambem á tribuna muitas
outras pessoas que quizerão prestar homenagem á memoria d'aquelle
propugnador das liberdades patrias, e entre estes alguns academicos de
Coimbra, que expressamente vieram para assistir a esta solemnidade,
findo o que eu, primeiro Secretario da Commissão li este auto, que
assignei com as pessoas acima nomeada, Francisco Augusto da Fonseca
Regalla – Manoel Gonçalves de Figueiredo, Reitor do Liceu –
José Antonio Pereira Bilhano, Vigario Geral do Bispado – O
Bacharel Clemente Pereira Gomes de Carvalho, Professor do Lyceu –
O Bacharel João Pereira de Souza e Sá, Professor do Lyceu –
Bernardo Xavier de Magalhães, Professor do Lyceu – O Medico
Cirurgião Elias Fernandes Pereira, Professor do Lyceu – João
da Maia Romão – O Prior João José Marques da Silva Valente,
Professor do Seminario – O Bacharel Joaquim
/ 16 /
Rodrigues
Esgueira, Professor do Seminario – O Bacharel Calisto Simões da
Costa, Professor do Seminario – O Prior Francisco de Souza Janeiro,
Professor do Seminario – O Cónego José Joaquim de Carvalho e Góes,
Professor do SeminarioJoão Silverio d'Amorim da Guerra
Quaresma-Francisco Thomé Marques Gomes, Juiz de Direito 1.º substituto –
Miguel Teixeira Pinto, Delegado do P. R. – Jovenio Pedroso d'Oliveira,
Delegado do Thesouro – Francisco Antonio do Valle Guimarães,
Administrador do Concelho substituto – Alumnos do Lyceu e Seminario:
José Gomes d'Andrade, Presidente da Commissão – Albino Ferreira Antunes
Coelho, Thesoureiro da Commissão – Francisco Augusto da Fonseca Regalla,
1.º Secretario – Francisco Victorino Barboza de Magalhães, 2.º
Secretario – Patricio Theodoro Alvares Ferreira, Vogal – Antonio José
Lopes Junior, Vogal – Sebastião Simoens Pereira, Vogal – Augusto da
Silva San Thiago, vogal – João Domingues Louro, vogal – Jorge Faria de
Mello, José Rodrigues Ponte Junior; José Maria Barbosa de Magalhães,
alumno do Lyceu; Gustavo Rodolpho de Souza, João Pedro Ferreira,
Francisco Nicolau de Figueiredo Vieira, Manoel José dos Santos Pereira,
Francisco Augusto Regalla, Antonio Carlos da Silva Mello Guimarães,
Carlos da Silva Mello Guimarães, Avelino Dias de Fig.do, José
Ribeiro Valente, José Maria Coelho, José Reynaldo Rangel de Quadros
Oudinot, Domingos José Lopes da Silva Tavares, Augusto d'Oliveira,
Evangelista de Moraes, José Alexandrino de Lima e Mello, Augusto Gomes
dos Santos, Accacio Joaquim d'Oliveira Coelho, Bernardino Simões da
Conceição, Manuel Vieira de Carvalho, José Thomaz da Fonseca, João Dias
d'Aguiar, José Joaquim Marques Ferreira de Vasconcellos, José da Rocha
Martins Junior, João Augusto Marques Gomes, Claudino Dom.es Graça, Luiz
da Silva Mello Guimarães, João d'Oliveira Junior, João Pedro d'Almeida,
José Rodrigues Soares, Manoel Roiz Simões, Manoel Alvaro dos Reis e
Lima, Francisco Antonio de Moura, Manoel Soares Coelho, Antonio Joaquim
de Mattos, Thomaz Ferreira Gomes de Pinho, Francisco de Pinho Guedes
Pinto, João Vieira, Manoel Maria de MelIo e Freitas, Joaquim Maria de
MeIlo e Freitas, José Dias Ferreira, Serafim Martins, Manoel Simões
Junior, Francisco da Costa Junior, João Antonio Lopes, Joaquim Tavares
d'Oliveira Coutinho, Antonio Correa d'Abrantes Junior, Antonio Dias
Ferreira, Amandio Ferreira Pinto de Souza, João Pedro Nolasco, Francisco
da Silva Mello Guim.es, Joaquim Antonio Fernandes, Joaquim
José da Costa, João da Conceição Barreto, Antonio Maria Mendes Corrêa,
Manoel Rodrigues Pereira de Carvalho, Antonio Dias dos Santos, José
Soares Marques,
/ 17 /
Manoel Ferreira de Carvalho, José da Maya Romão,
Constantino Lopes Ferreira e Veiga, Manoel Caetano Aff.º Tavares de S.za,
Lourenço José Tavares e Castro, Antonio da Silva Teixeira Neves,
Venancio Correa de Sá e Mello, Guilherme Xavier Pereira Simões, José
Agostinho da Silva Nunes, João José dos Santos, José Tavares da Silva
Borges, Manoel Rodrigues de Sá, Adelino d'Araujo Coelho e Veiga, José
Maria dos Santos Neves».
O retrato é obra do
pintor lisbonense José Maria Sales. Marques Gomes, nos seus
«Apontamentos para a biografia de José Estêvão», afirma que as pessoas
que falaram no acto da inauguração foram, além do Reitor do Liceu,
Elias
Fernandes Pereira, Albino Coelho, Jacinto Freitas Oliveira
(13),
Agostinho Pinheiro, António Marques dos Santos, António José de Oliveira
Mourão e Luiz Casimiro Feio, e que recitaram poesias Fernando Caldeira e
José Maria Barbosa de Magalhães.
A primeira
referência a José Estêvão, em actas do Conselho Escolar, encontra-se na
da sessão de 1 de Junho de 1882, a propósito do lançamento da primeira
pedra do monumento ao grande aveirense. O Reitor
(14) disse «que
havendo assistido, no dia 8 de Maio findo, e por convite da commissão
promotora d'um monumento á memoria do insigne orador e prestante cidadão
José Estevam Coelho de Magalhães no Largo municipal, fronteiro ao
edificio d'este Iyceu– á inauguração do principio dos trabalhos
d'aquelle monumento e recebido uma das chaves do cofre em que fôra
encerrado o auto d'aqueIla solemnidade para ser coIlocado nos
respectivos alicerces, apresentava a dita chave ao conselho e o
consultava sobre o destino que devia ser-lhe dado. O Conselho foi de
parecer que ella ficasse archivada na secretaria d'este Iyceu, como
pareceu ser a vontade da referida commissão».
(15
____________________________________________
(1)
– Pai de José Estêvão, falecido em 27 de Março de 1856.
(2) –
Esta casa pertence hoje ao Sr. Carlos Souto.
(3) –
Marques Gomes, «Memórias de Aveiro», pág. 201.
(4) –
Pág. 4.
(5) –
Legislação Portuguesa, 185.'), pág. 40.
(6) –
RANGEL DE QUADROS, in «Subsídios para a História de Aveiro, de MARQUES
GOMES, esclarece: – «Em 1855 era a parte maior das muralhas, que estava
intacta e que poderia ainda arrostar por uma longa serie de annos a
furia dos tempos. – Em 26 de Março do mesmo anno começou a demolição de
tudo isso, desde a parte do nascente até á parte mais alta do Paço
Episcopal... Em 12 de Maio já aIli não havia mais, que um montão de
materiais. Estes, como todos os outros, foram levados para o Largo da
Cadeia (Praça Municipal) e depois empregados na construcção do Lyceu»
(pág. 280). «Em 1856 ainda, dos alicerces das muralhas das Portas da
Ribeira e edificios annexos, se tirou muita pedra, que foi applicada á
obra do Lyceu, que então se estava construindo» (pág. 285).
(7) –
ReI. cit., Coimbra, Imp. da Univ., 1855, pág. 9-10.
(8) –
Livro das Actas
respectivo, pág. 224-224 v.
(9) –
ReI. cit., Coimbra,
lmpr. Univ., 1857, pág. 6.
(10) –
Esta carta foi-nos
emprestada para cópia pelo falecido Dr. Luís Pereira do Vale Júnior.
(11) –
«Memórias de
Aveiro», pág, 107.
(12) –
«Aveirenses notáveis», vol. II.
(13)
–
Jacinto Augusto de Freitas Oliveira, formado em
Matemática, autor de «José Estevão, Esboço Historico», Lisboa, 1863, –
que dedicou à viúva do Orador, D. Rita de Miranda Coelho de Magalhães.
(14)
–
Dr. João de Moura C. de Almeida de Eça.
(15)
–
Essa chave encontra-se hoje na reitoria, junta do auto da inauguração da
estátua, que se acha cuidadosamente encaixilhado. – O Liceu é também
depositário de toda a documentação relativa à construção da estátua, que
o secretário da Comissão, Domingos José dos Santos Leite, pouco antes de
falecer entregou ao Liceu.
|