É inteiramente desconhecida a época da fundação de
Aveiro. Nenhuns vestígios pré-históricos ou da época romana têm sido
encontrados aqui. Não prova isto que Aveiro não existisse já nesses
distantes tempos, mas prova que, se existia, a sua população não possuía
civilização digna de apreço.
A identificação de Aveiro com Talábriga, poderosa cidade
luso-romana, é uma fantasia baseada apenas numa falsa interpretação do
texto de Plínio.
De positivo, sabe-se que Aveiro já existia no século X,
pois a ele se referem documentos desta época publicados nos
Portugaliae Monumenta Historica, nos quais o seu nome latino ou
alatinado é Alavarium.
Destes documentos, o mais antigo é do ano 959 da era de
Cristo; é o testamento da Condessa Mumadona, tia de D. Ramiro lI,
rei de Leão, pelo qual lega os seus bens ao Mosteiro de Guimarães. Entre
estes estavam incluídas terras e salinas em Aveiro, que ela aqui havia
comprado: − terras et salinas que lbidem comparanimos.
Em documentos do século XI, Aveiro é mencionado como
vila, com o significado de agregado rústico. Neste século já devia
ter relativa importância, visto que no ano 1050 o nobre Gonsalvo lbn
Egas e sua mulher Dona Flámula ou Dona Châmua possuíam a
terça parte de Aveiro.
A primitiva população, como ainda a da actualidade,
deveria dedicar-se ao fabrico do sal, à pesca, à navegação e à lavoura.
Assim, desde o reinado de D. Afonso Henriques até o de D.
José, pouco tempo pertenceu à Coroa. Quase sempre esteve sujeita a
donatários, em regra pessoas aparentadas com os monarcas. De entre os
donatários destacam-se o infante D. Pedro, tio e sogro de D. Afonso V; a
infanta santa Joana, filha deste mesmo rei e irmã de D. João lI, a qual
viveu em clausura no Mosteiro de Jesus de Aveiro, e aqui foi sepultada
em majestoso mausoléu; D. Jorge de Lencastre, filho bastardo de
D. João II, e duque de Coimbra; e os nove duques de Aveiro.
Foi o infante D. Pedro quem, cerca de 1420, mandou cingir
uma grande parte da vila de Aveiro, com altos muros de defesa.
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Estes muros foram demolidos na sua quase totalidade em
1806 e 1807 para se utilizar a sua pedra nas obras da barra de Aveiro,
aberta em 1808. A provisão que autorizou a demolição dos referidos muros
é de 8 de Abril de 1802.
Destes restam hoje apenas dois pequenos lanços.
O ducado de Aveiro foi criado em 1547, e foi seu primeiro
titular D. João de Lencastre (1501-1571), filho do mencionado D. Jorge.
O nono e último duque de Aveiro foi D. José de Lencastre,
executado em 1759 por ter tomado parte na conspiração dos marqueses de
Távora contra o rei D. José. O ducado foi então extinto, e nunca mais se
restaurou.
A vila de Aveiro, que já no século XIV era muito
importante pela sua extensão e comércio, atingiu um alto grau de
prosperidade no século XVI. Era então uma das maiores povoações do
reino, pois tinha doze mil habitantes e possuía um intenso comércio
marítimo e uma grande frota de navios para a pesca do bacalhau na Terra
Nova.
O rei D. Filipe I, por estes e outros motivos, elevou
Aveiro à categoria de vila notável, por provisão de 13 de Maio de 1581.
Mais tarde, o rei D. José elevou-a à categoria de cidade por alvará de
11 de Abril de 1579, e pediu a diocese de Aveiro em 28 de Setembro de
1173, a qual foi criada por bula de 12 de Abril de 1774, e depois
extinta em 1882. Esta diocese foi restaurada recentemente.
Aveiro teve foral novo em 1515, dado por D. Manuel,
tendo-se regido anteriormente por uns costumes antigos que provinham da
época da fundação da nacionalidade portuguesa. Estes costumes ou foral
velho foram revistos e alterados em 21 de Março de 1342 (era de 1380),
por Afonso Annes, corregedor de D. Afonso IV no meirinhado da
Beira.
O comércio, agricultura, navegação e pesca de Aveiro têm
dependido e dependem ainda hoje do estado da foz do Vouga no mar (barra
de Aveiro). Esta foz abre-se através do cordão de areias do litoral. No
século XVI estava cerca de dois quilómetros ao norte da posição que tem
hoje.
Os rigorosos invernos de 1526, 1585 e 1596
fizeram-na
deslocar progressivamente dezoito quilómetros para o sul, tendo-se
fixado um pouco ao sul da Vagueira nos meados do século XVII. A barra
nesta situação obstruía-se com frequência; e não permitia por vezes a
entrada e saída dos navios, o que prejudicava altamente o comércio
marítimo de Aveiro.
As águas do rio Vouga, não tendo então fácil escoamento
para o mar, formavam enormes cheias que alagavam os campos e salinas, e
tornavam insalubre a região lagunar. Vários projectos e tentativas se
fizeram para melhorar a barra, mas inutilmente.
Só em 1802 o engenheiro Luís Gomes de Carvalho, em
colaboração com o seu sogro, o engenheiro Reinaldo Oudinot, fez
um projecto pelo qual a barra foi deslocada para o norte e aberta no
local em que hoje se encontra fixada por molhes.
As obras para abrir a nova barra começaram em 1802, e a
barra foi
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finalmente aberta em 3 de Abril de 1808, tendo sido as obras dirigidas
por Luís Gomes de Carvalho, visto que Reinaldo Oudinot foi mandado em
serviço oficial para a Ilha da Madeira, em 1803, onde faleceu pouco
depois.
A lenta execução das obras impacientava os proprietários
das salinas, que continuavam a não poder fabricar sal em virtude de
estarem as salinas submersas durante oito ou nove meses por ano.
Por isso Luís Gomes de Carvalho imaginou e propôs ao
Príncipe Regente um novo plano, em 28 de Janeiro de 1805 para resolver
este problema económico, antes da abertura da barra. Este projecto foi
aprovado, e a sua execução avaliada em 400.000 réis.
Em 15 de Março de 1805 publicou Luís Gomes de Carvalho um
edital em que dava conhecimento do novo projecto, e convidava os
proprietários a prepararem as salinas para o fabrico do sal ainda neste
mesmo ano, visto as águas estagnadas da Ria, e nesta iriam entrar
grandes marés de água salgada.
As esperanças de Luís Gomes neste projecto adicional
frustraram-se completamente, e só com a abertura da barra em 1808 é que
a Ria de Aveiro adquiriu um regime de marés perfeito, sendo então
restaurada a economia da região.
Poucos anos depois a barra deteriorou-se e passou a ter
alternativas de bom e mau estado.
Em 1927 o engenheiro João Henriques Von Haf,
director das obras da barra de Aveiro, apresentou um projecto de
melhoramentos desta que foi aprovado com pequenas alterações.
As obras começaram em 1932 e concluíram-se em 1935.
Infelizmente ainda desta vez não se conseguiu uma barra
capaz, pelo que se espera a execução de obras complementares.
Aveiro, 14 de Janeiro de 1943
Francisco Ferreira Neves
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