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        Evocar os 150 anos de uma instituição nunca é tarefa fácil. Evocar os 
        150 anos de uma instituição cheia de História, na Casa-Mãe da Democracia 
        local, perante os legítimos representantes do Povo de Aveiro, será 
        sempre tarefa difícil. 
        
        
        O Liceu de Aveiro nasceu numa época bem diferente da actual. Há 150 
        anos, o país acabava de sair de um ciclo vicioso de golpes e contra 
        golpes militares e a Regeneração prometia trilhar os caminhos do 
        progresso. O marechal Saldanha e Fontes Pereira de Melo são os 
        estadistas que encarnam esses tempos novos, a que alguém chamou "o nome 
        português de capitalismo". Lá por fora Luís Napoleão Bonaparte fazia o 
        seu 18 de Brumário, Singer inventava a máquina de costura e Verdi fazia 
        representar o Rigoletto. O Palácio de Cristal de Londres impunha o ferro 
        e vidro e Comte publicava o Sistema de Filosofia Positiva. O comboio 
        ainda não tinha saído de Santa Apolónia, apesar de haver 30 anos que
        circulava por essa Europa fora... Quantas diferenças em relação aos 
        nossos dias! Mas nestes tempos, aparentemente crepusculares, em que a 
        mais alta tecnologia ainda obriga à
        invenção de eufemismos de guerra, teremos mesmo mudado? Ou quem mudou 
        foi o mundo e não nós por ele? Seremos assim tão diferentes dos nossos 
        próceres que há 150 anos fundaram o Liceu de Aveiro? E como era a cidade 
        nesse ano da graça de 1851? E quem eram os seus habitantes? 
        
          
        
        
        Aveiro, 150 anos atrás, era uma cidade ainda não centenária. Tinham 
        passado apenas 92 anos desde o dia em que, na sequência do atentado a D. 
        José I e da condenação à morte do donatário da Vila, esta tinha sido 
        elevada à categoria de cidade. Motivos mais políticos que 
        sócio-económicos estiveram na origem de tal decisão. A novel cidade, que 
        D. Pedro mandara amuralhar nos primórdios de Quatrocentos, vivia então 
        prisioneira de uma laguna que lhe impedia um acesso rápido ao mar. 
        Aquela que tinha sido a principal causa do seu acrescentamento nos 
        
        / 4 / 
        inícios da Modernidade, era agora a principal causa da sua perdição. E, 
        contudo, foi em tempos do marasmo mais absoluto, que, estranhamente, a 
        Vila foi elevada à categoria de Cidade... 
        
        Mas era preciso facilitar a evacuação das fétidas águas da laguna que, 
        quase paradas, se ligavam ao mar lá para os lados de Mira (anda errante 
        a barra nos areais de Mira). E foi das muralhas de D. Pedro que se tirou 
        a pedra que permitiria a abertura da Barra de Aveiro, na sequência dos 
        trabalhos de Oudinot e Gomes de Carvalho. 
        
        O progresso, apesar disso, não foi de todo visível. A cidade continuava 
        pequena e a sua barra, se já não errante, era ainda assim perigosa. Mas 
        se a cidade não se desenvolvia como todos desejavam, pelo menos nela 
        cresciam vultos que resistiram ao absolutismo miguelista (lembremo-nos 
        do Desembargador Gravito e dos seus companheiros que de forma vil foram 
        condenados à morte após o 16 de Maio de 1828) e nela nasceram alguns dos 
        políticos mais marcantes de todo o século XIX português: José Estêvão, o 
        soldado corajoso, o parlamentar brilhante, o sonhador eterno que hoje 
        patrocina a Escola que aqui evocamos; Mendes Leite, o companheiro de 
        José Estêvão, que foi um dos paladinos da abolição da pena de morte em 
        Portugal; Augusto Soromenho, um dos protagonistas das Conferências 
        Democráticas do Casino Lisbonense; Jaime de Magalhães Lima, o admirador 
        e discípulo de Tolstoi; José Luciano de Castro, o político que mais 
        marcou a parte final da monarquia; Barbosa de Magalhães (Pai), o jurista 
        e o político aveirense que morreu nas vésperas da implantação da 
        República; Homem Cristo (Pai), o verrinoso vulto do jornalismo local, 
        mas também político de dimensão nacional. E porque os países se fazem de 
        homens e de livros estes nossos conterrâneos são, verdadeiramente, 
        pedras angulares do século XIX português. 
        
        É por ter filhos como estes que Aveiro passa, pela Reforma 
        Administrativa de 1835, a ser capital de distrito. Não pela sua 
        grandeza, pelo número dos seus habitantes ou pelos seus pergaminhos. 
        Somos plebeus e orgulhamo-nos do facto. Não temos grande património 
        construído, não temos a História que outros têm. Mas isso não nos apouca. 
        Antes pelo contrário. 
        
        Foi para esta cidade, tal como para todas as capitais de distrito, que o 
        visionário Passos Manuel previu a construção de um liceu. Mas o tempo do 
        setembrismo foi de tal forma curto, que tempo não houve para executar a 
        obra prevista. Teríamos que esperar que Costa Cabral publicasse novo 
        decreto e que a Regeneração o levasse à prática. Mas façamos um breve 
        resumo da criação do ensino liceal. 
        
          
        
        O 
        
        ensino liceal 
        tem as suas origens nas "escolas 
        régias" 
        criadas em 1759, 
        
        / 5 / 
        precisamente no ano de elevação da Vila a Cidade, pelo Marquês de 
        Pombal, após a expulsão dos Jesuítas. É uma primeira tentativa de 
        laicização do ensino no nosso pais. Mas, como é usual acontecer em 
        Portugal, em Aveiro, como noutras cidades, as escolas régias não 
        funcionaram de facto, e ter-se-ia que esperar pelo liberalismo para que 
        alguma coisa mudasse. Continuou a vigorar o velho sistema das "aulas" 
        ainda por muitos e bons anos. 
        
        Seguiram-se a "viradeira" e o Intendente, o Príncipe D. João e a fuga 
        para o Brasil, os franceses e os ingleses, a revolução e a 
        contra-revolução, e o ensino, continuava, "grosso modo", o mesmo do 
        tempo dos Jesuítas. 
        
        Só a 17 de Novembro de 1836 se publica o 
        
        Plano dos Liceus Nacionais, 
        elaborado por José Alexandre de Campos e integrado na reforma geral de 
        Passos Manuel. Pretendia afastar-se daquilo que chama a "erudição 
        estéril" e orientava-se, explicitamente, para todos os cidadãos que "não 
        aspiram aos estudos superiores". Criava um liceu em cada capital de 
        distrito e fazia os de Lisboa, Porto e Coimbra dependentes das 
        respectivas Academias. Era uma reforma profunda, maximalista, e, como 
        muitas outras medidas do Setembrismo, pecava por algum desajuste com a 
        realidade. E, assim sendo, mais uma vez a criação de uma verdadeira rede 
        de escolas de ensino secundária era adiada. 
        
        A 20 de Setembro de 1844, durante o consulado de Costa Cabral, vai ser 
        publicada nova reforma geral da instrução pública, que inclui a 
        reorganização dos liceus. Aligeira-se a carga lectiva, diferenciam-se os 
        alunos em duas categorias: ordinários e voluntários, mas mantém-se a 
        estrutura organizativa dos liceus: O Conselho de Escola e o reitor. Mas 
        também esta reforma estava condenada a ter de esperar alguns anos para 
        se efectivar: a Maria da Fonte e Patuleia estavam à porta. 
        
        Tal como outros liceus do pais, também o liceu de Aveiro teve que 
        esperar por uma conjuntura mais favorável. Será só um 1851, e já em 
        plena Regeneração, que o Liceu de Aveiro viria a ser organizado. Foi 
        mesmo um dos últimos liceus do plano de Costa Cabral a ser instalado. 
        
        A 
        
        instalação provisória 
        deu-se no dia 
        
        14 de Junho de 1851, no Paço Episcopal, 
        aqui perto mas que já não existe, conforme reza a acta do Conselho 
        Escolar, sendo seus primeiros professores o Dr. João de Moura Coutinho, 
        primeiro Reitor do Liceu e Comissário dos Estudos do Distrito, Luiz 
        Cipriano Coelho de Magalhães, pai de José Estêvão, professor de 
        Filosofia Racional e Moral e Manuel Joaquim d'Oliveira Santos, professor 
        de Retórica. Foi instalado, provisoriamente, para "se proceder aos 
        exames dos Preparatórios dos Ordinários". Isto é: o Liceu começou por 
        funcionar no Paço Episcopal e a 
        
        / 6 / 
        sua primeira função foi fazer exames de natureza eclesiástica. Só em 20 
        de Outubro do mesmo ano, e por força de uma Portaria do Conselho 
        Superior de Instrução Pública, de 27 de Setembro, é que se declarou 
        "definitivamente constituído" o Liceu de Aveiro. 
        
        Até se instalar em edifício concebido para o efeito, andaram professores 
        e alunos numa roda viva. No momento da sua instalação foi edificio-sede 
        do Liceu o Paço Episcopal, como já vimos. Pouco tempo depois, em 
        
        Janeiro de 1852, 
        encontra-se instalado em local que as actas não referenciam, mas ainda 
        no mesmo ano decidiu-se arrendar 
        
        uma casa na antiga rua de Santa Catarina, 
        para, em 
        
        1856, 
        já estar instalado nas dependências do 
        
        convento de Santo António. 
        Por essa altura já estavam em curso as diligências que haviam de levar à 
        construção do edifício da antiga Praça do Município (hoje Praça da 
        República). 
        
          
        
        Foi com a sua intervenção na sessão parlamentar de 16 de Julho de 1853, 
        que José. Estêvão começou a sua campanha pela construção de um edifício 
        de raiz para o 
        
        Liceu de Aveiro, 
        o primeiro que se construiu para o efeito em Portugal. 
        
        As 
        
        obras iniciam-se 
        durante o ano de 
        
        1855. 
        Uma portaria de Fontes Pereira de Melo, de 5 de Março, ordena a 
        construção das obras, referindo um orçamento de 16.800$000 e destina-lhe 
        as ruínas da Albergaria de S. Brás. Para atenuar a despesa foi 
        autorizada a demolição da parte antiga da muralha de Aveiro. Da marulha 
        quatrocentista, só restaram pequenos troços que o tecido urbano foi 
        lentamente engolindo. 
        
        As obras estarão 
        
        terminadas no final de 1859, 
        tendo sido inaugurado o novo edifício a 15 de Fevereiro de 1860, no 
        dizer da Marques Gomes e de Rangel de Quadros. Curiosamente, "O Campeão" 
        é mudo a este respeito. Talvez um primeiro sinal de divórcio entre a 
        Comunicação Social local e as instituições de ensino...  
        
          
        
        Mas pelas salas e corredores deste magnífico edifício não circulavam 
        apenas alunos e professores. O Liceu de Aveiro, pouco depois da sua 
        inauguração, teve novos inquilinos. Um incêndio ocorrido no Paço 
        Episcopal, a 20 de Junho de 1864, teve o condão de fazer transferir as 
        repartições do Governo Civil e da Fazenda para o primeiro pavimento do 
        edifício. Medida naturalmente transitória, que se prolongou por 43 anos. 
        Este edifício, que hoje alberga a Escola Secundária Homem Cristo, foi 
        objecto de profundas obras de reestruturação interior, bem como de 
        acrescentos vários que permitiram ao Liceu de Aveiro aí funcionar até ao 
        ano lectivo de 1951/52. 
        
        Parece-nos que estes primeiros anos da vida do liceu não foram 
        particularmente edificantes. Um exemplo disso mesmo é-nos dado 
        
        / 7 / 
        pela referência telegráfica que o "Almanaque para 1884" faz ao Liceu de 
        Aveiro. Na parte sobre educação, que refere 4 cadeiras para instrução 
        primária, 2 colégios masculinos e 2 colégios femininos, nada. A única 
        referência ao liceu aparece na rubrica edifícios públicos: 
        Transcreve-se: «O Lyceu Nacional, inaugurado em Fevereiro de 1860. 
        Importou em grande soma e foi mandado fazer a pedido de José Estevam 
        Coelho de Magalhães.» 
        
        E 
        
        a José Estêvão 
        resolveram os estudantes da cidade de Aveiro honrar, quando, a 
        
        21 de Outubro de 1866, inauguraram o retrato que foi colocado na 
        Biblioteca do Liceu. 
        No dizer de Marques Gomes, foi «o primeiro monumento levantado à 
        memória do grande tribuno», descerrado com pompa e circunstância ao 
        som de cinco bandas de música, enquanto no ar iam subindo girândolas de 
        foguetes. Participou activamente também o liceu na construção do 
        monumento a José Estêvão, que domina a Praça da República, sendo a 
        Escola Secundária de José Estêvão a actual depositária de toda a 
        documentação relativa à construção da estátua. 
        
        Apesar das sucessivas reformas da 2.ª metade do século XIX, 
        particularmente a 
        
        Reforma de 1860, 
        que de algum modo introduz o ensino científico e obriga à contratação de 
        mais docentes, o estado do ensino liceal em Aveiro não é propriamente o 
        melhor. Só a 
        
        Reforma de Jaime Moniz de 1894/95, 
        que introduz o regime de "classes" e prevê que o reitor possa ser um 
        elemento exterior ao liceu, vai começar a alterar este estado de coisas. 
        Esta reforma «representa um marco decisivo na evolução do ensino 
        liceal. Ela constitui a primeira tentativa de construção, segundo 
        preceitos científico-racionais, de um currículo global para o ensino 
        liceal e, simultaneamente, de uma organização e administração para este 
        tipo de estabelecimento de ensino», no dizer do professor João 
        Barroso. Foi nestas circunstâncias nomeado reitor o oficial da Armada, 
        em inactividade temporária, 
        
        Francisco Regala, 
        antigo aluno, que havia de estar à frente dos destinos do Liceu de 
        Aveiro até ao Outubro de 1910 e deixar marcas que perduraram muito para 
        além do seu tempo. 
        
        É no reitorado de Francisco Regala que, sinal dos tempos, 
        
        as primeiras alunas 
        começam 
        
        a frequentar o ensino público liceal em Aveiro. 
        Estava-se em 1903 e os seus nomes merecem ser evocados: Maria das Dores 
        Monteiro Rebocho e Maria Clementina Monteiro Rebocho. 
        
        Duas notas finais sobre Francisco Regala. O seu interesse pelo ensino 
        prático que o leva a dinamizar visitas de estudo, que estavam previstas 
        numa circular da Direcção Geral da Instrução Pública, de 25 de Outubro 
        de 1896, a fábricas, jardim público, salinas, ria, farol, alto de 
        Travassô e 
        
        / 8 / 
        bacias hidrográficas da região. Estas visitas surgem e passo a citar «com 
        programmas redigidos, de accordo, entre a reitoria e os professores, e 
        previamente explicados nas aulas, para servirem de guia aos alumnos, nas 
        observações e estudos a fazer». Notável, sem dúvida, a modernidade 
        da prática... A outra nota tem a ver com o seu interesse pela ginástica. 
        Era Francisco Regala um "fanático" da educação física, a que não será 
        estranho a sua formação militar. Na sessão solene de abertura das aulas 
        de 1908, afirma: «Acho ocioso gastar tempo em demonstrar a 
        necessidade da educação physica, para o rebustecimento da nossa 
        definhada raça, porque hoje ninguém a contesta, e está vulgarisada, 
        entre nós, pela imprensa periódica em persistentes campanhas.» Para 
        criar condições para a prática desportiva, além de permitir um 
        melhoramento geral do liceu, vai Francisco Regala encetar um luta sem 
        tréguas para a aquisição de espaços para onde o liceu se possa alargar. 
        Isto numa instituição que, ainda há pouco tempo, ocupava só parte do 
        edifício que lhe estava destinado. Tinha então o liceu 213 alunos (201 
        rapazes e 12 raparigas). 
        
          
        
        A Primeira República comete um acto de clara injustiça ao exonerar de 
        funções Francisco Regala. Não transparece da leitura das actas ou dos 
        Anuários qualquer animosidade contra o antigo reitor, vulgar em tempos 
        de ruptura política. Antes pelo contrário. O novo reitor tece rasgados 
        elogios a Francisco Regala no seu relatório relativo ao ano de 1910/11. 
        
        O 
        
        período da Primeira República 
        é marcado pela 
        
        passagem do liceu a Central 
        o que significa que, finalmente, podiam leccionar-se os dois últimos 
        anos do ensino secundário. Depois de muitas solicitações nesse sentido e 
        dos esforços de Barbosa de Magalhães, deputado aveirense e futuro 
        Ministro da Instrução, é elevado o Liceu de Aveiro a 
        
        Liceu Central de Aveiro, 
        tendo que para isso custear as despesas as 17 câmaras municipais do 
        distrito. Como estas não se entenderam de imediato, ficou a decisão 
        governamental sem efeito, por mais um ano. 
        
        Em 
        
        1919 passou a ser Vasco da Gama patrono do liceu, 
        não tendo o ilustre navegador nada a ver com a história da cidade. Uma 
        decisão claramente política e tomada sem a audição do Conselho Escolar. 
        
        Na parte final da 1.ª República cresce a importância do Liceu de Aveiro 
        a nível nacional. Os acasos da história fizeram com que um conjunto raro 
        de professores de elevada qualidade pertencesse aos quadros do liceu. 
        Desde 1916 era seu professor José Pereira Tavares. Em 1918 entra para a 
        escola Francisco Ferreira Neves. José Barata chega em 1919 e em 1920 
        Álvaro Sampaio. Mais tarde hão-de chegar Armando Dias Coimbra (1923), 
        Fernando Morais Zamith (1924), Pedro Gradil (1926), Luís Tavares de Lima 
        (1926) e 
        
        / 9 / 
        Alberto Martins de Carvalho (1926). No princípio dos anos 30 há-de 
        chegar Agostinho da Silva que, segundo José Pereira Tavares, «foi 
        demitido do cargo de professor liceal (...) por se negar a assinar a 
        declaração, exigida a todos os funcionários, de não pertencer a qualquer 
        associação secreta!» Naturalmente, não é isso que reza na sua ficha 
        biográfica... Enfim, uma plêiade de professores reunidos como raramente 
        há-de acontecer ao longo da história de um liceu. Estavam lançadas as 
        bases para o "período 
        de ouro" 
        do Liceu de Aveiro, que havia de ser a parte inicial do Estado Novo. É 
        também por esta altura que 
        
        a primeira professora 
        lecciona no liceu de Aveiro, 
        
        Deolinda Armanda da Cruz, 
        licenciada em Filologia Clássica, durante o ano de 1929/30. Mas 
        ter-se-ia de esperar 20 anos até haver uma professora efectiva. 
        
        Coincide com o princípio da Ditadura a entrada de José Pereira Tavares 
        para a reitoria do liceu, ele que já fora reitor interino durante alguns 
        meses, no ocaso da República. 
        
        Uma das primeiras acções do novel reitor será, logo em 1926, como 
        fervoroso admirador de José Estêvão, diligenciar para que o liceu se 
        passe a chamar 
        
        Liceu de José Estêvão, 
        o que acontece 
        
        a 12 de Maio de 1927, 
        designação que viria a cair em desuso na década de quarenta, passando 
        então a chamar-se Liceu Nacional de Aveiro: Salazar proíbe os patrono em 
        localidades que não tivessem mais que um liceu. 
        
        Aquilo que designamos por "período de ouro" da história do Liceu de 
        Aveiro acontece entre 1926, admitimos que esta data poderia ser 
        anterior, e o início dos anos 40, altura em que a Mocidade Portuguesa 
        começa a estar omnipresente nos liceus e a cercear a criatividade e a 
        liberdade de professores e alunos. Durante esse período a actividade 
        cultural do liceu é de rara importância. É o Liceu que organiza o 
        
        1.º Congresso da Associação dos Professores dos Liceus, 
        de que foi máximo dirigente e secretário-geral Álvaro Sampaio. É no 
        Liceu que funciona a sede, redacção e alma da revista "Labor", por 
        muitos considerada a mais importante revista ligada à educação, pelo 
        menos durante este período. É durante a década de 30 que Mário 
        Sacramento e outros alunos publicam a "Voz Académica", a voz livre de 
        uma academia que não suportava viver amordaçada. É por esta altura que 
        Fidelino Figueiredo, Luís Carrisso, Jaime Magalhães Lima, Joaquim 
        Carvalho, Hernâni Cidade, Bento
        Carqueja e tantos outros, honram o liceu com a sua presença. 
        
        O período do Estado Novo também é marcado pela construção de um novo 
        edifício para o Liceu de Aveiro. Durante os anos 30 e 40 o liceu 
        debate-se com falta de espaço e decide-se a construção de um novo 
        edifício. Entre a decisão política e a efectivação da mesma mediaram 
        ainda longos anos. O Governo exigia à Câmara Municipal contrapartidas 
        
        / 10 / 
        
        (como sempre): a aquisição do antigo edifício pelo preço de 1500 contos 
        e a compra do terreno para a o novo edifício. O projecto fica concluído 
        em 
        
        Agosto de 1947, 
        ano em que a Câmara Municipal aprovou um empréstimo de 920 contos para a
        
        
        compra da Quinta das Agras. 
        
        As 
        obras iniciaram-se a 16 de Agosto de 1948 e concluíram-se em Abril de 
        1952. 
        A 
        
        entrega oficial veio a fazer-se no dia 25 de Maio, 
        hoje dia da Escola. A 13 de Outubro de 1952, foi solenemente inaugurado 
        o edifício, ao mesmo tempo que se iniciava um novo ano lectivo. Edifício 
        em tudo semelhante ao actual, com excepção da ala sul, posteriormente 
        construída, ainda que muitos espaços tenham hoje uma utilização muito 
        diferente daquela que foi a inicialmente prevista. 
        
        No ano lectivo de 
        
        1947/48 tinha sido criada a secção Feminina, 
        secção essa que durante anos funcionará no mesmo edifício que o Liceu 
        propriamente dito, sem possibilidade de autonomização, mesmo no novo 
        edifício. É o que reconhece Pereira Tavares no Relatório respeitante ao 
        ano de 1953/54 onde afirma que «[d]esde a primeira hora (...) se 
        mostra que o número de salas é insuficiente para a perfeita e rigorosa 
        instalação da Secção Feminina. Com mais seis salas desapareceriam todos 
        os inconvenientes». Isto numa Escola inaugurada havia dois anos. Mas 
        reconheça-se o crescimento da população escolar: 685 alunos, dos quais 
        314 raparigas. Não tardaria muito que os rapazes estivessem em minoria. 
        
        Continuava a ser reitor do liceu 
        
        José Pereira Tavares, 
        natural da Bemposta, concelho de Oliveira de Azeméis, mas aveirense por 
        opção, figura cimeira e emblemática da história do liceu. Aluno 
        brilhante durante cinco anos (1902 a 1907), regressa a 1 de Novembro de 
        1916 como professor do Liceu Central de Aveiro para só sair... a 30 de 
        Janeiro de 1957, no dia em que, perfazendo 70 anos, foi jubilado por 
        limite de idade. Autor de livros didácticos, organizador de textos 
        científicos e literários, criador e encenador teatral, pedagogo e 
        dirigente da revista Labor, divulgador das coisas da sua terra adoptiva 
        no "Arquivo do Distrito de Aveiro", de tudo um pouco fez José Pereira 
        Tavares. Aveiro homenageou-o há pouco dando o seu nome ao Centro de 
        Formação de Escolas do Concelho de Aveiro: o Centro de Formação José 
        Pereira Tavares. Homem íntegro como poucos, escreverá, lapidarmente, num 
        relatório oficial a propósito de uma homenagem "Ao sr. Presidente do 
        Conselho": «Fez-se, cumprindo ordens superiores.» 
        
        O 
        
        último reitor foi Orlando de Oliveira 
        e dele se lembrarão certamente muitos dos presentes. Nascido em Viseu em 
        1908, aparece pela primeira ligado a Aveiro em 1930, quando aqui é 
        colocado como 
        
        / 11 / 
        professor provisório. Há-de regressar em 1946 e será reitor entre 1957 e 
        1974. A cidade deve-lhe importantes benefícios: a criação de uma secção 
        do Instituto Comercial do Porto, futuro ISCAA; a criação e instalação do 
        Conservatório Regional Calouste Gulbenkian e, a cima de tudo, a campanha 
        pela criação da Universidade de Aveiro, em artigos inflamados na 
        imprensa local. O liceu deve-lhe importantes melhoramentos como a 
        ampliação do edifício principal, a construção do Pavilhão 
        Gimnodesportivo e a recuperação do edifício da Praça da República. O 
        ensino deve-lhe o empenho na criação das secções liceais de Oliveira de 
        Azeméis, Ovar, Vila da Feira e Águeda. O país deve-lhe a
        organização do VI Congresso do Ensino Liceal, no Liceu Nacional de 
        Aveiro, entre 14 e 17 de Abril de 1971, sendo Orlando de Oliveira 
        Presidente da Comissão Executiva. 
        
        Com o 
        
        25 de Abril de 1974 
        alterações profundas se dão na direcção do liceu. A 30 de Abril, na 
        reunião do Conselho Disciplinar, o reitor informa da sua intenção de 
        apresentar atestado médico, «pelo que entregava a direcção da escola 
        ao seu legal substituto». Mas, na mesma tarde, «deu entrada na 
        secretaria do liceu um requerimento do senhor reitor a pedir a 
        exoneração do cargo». 
        
        Ficava o poder entregue ao vice-reitor, José Gomes Bento, que, na 
        reunião de 1 de Agosto do Conselho Escolar, já aparece com o cargo de 
        Presidente da Comissão de Gestão, comissão homologada por oficio de 9 do 
        mesmo mês. Na reunião de 10 de Setembro José Gomes Bento fala do seu 
        pedido de demissão e declara já não dar aulas "em Outubro próximo". 
        
        Terminava assim, em definitivo, o velho modelo de gestão dos liceus. É 
        então 
        
        o tempo das Comissões de Gestão. 
        Aproximava-se o tempo em que os próprios liceus iriam estar em causa. 
        
        É este também o meu liceu. Fui seu aluno nos anos quentes da Revolução 
        em que as RGAs se sucediam e os saneamentos eram vulgares. Fui dos 
        últimos alunos do Liceu de Aveiro que pouco depois seria extinto, dando 
        lugar a uma Escola Secundária. Esta, honrando o seu passado, escolheu 
        para patrono, naturalmente, José Estêvão Coelho de Magalhães. 
        
        No final dos anos 70 e inícios dos anos 80 a Escola assistiu, 
        finalmente, à democratização do acesso ao ensino e foi um dos mais 
        concorridos estabelecimentos de ensino secundário em Portugal. Desses 
        tempos recorda-se a gigantesca mole humana que no fim de cada turno 
        entrava e saía da Escola. Foi o tempo dos Conselhos Directivos e o 
        início da Gestão Democrática. 
        
        Agora novos tempos se perfilam. 
        
        / 12 / 
        Já não é o número mas a qualidade que nos deve nortear. São os desafios 
        do novo século aqueles a que temos que responder. Saibamos honrar a 
        memória daqueles que nos precederam e numa relação cada vez mais 
        estreita com a cidade e os seus representantes pensemos em comum uma 
        Escola que se quer sempre nova. 
        
          
        
        
        
        Discurso de Alcino Carvalho, Presidente da Assembleia de Escola, no 
        Salão Nobre dos Paços do Concelho, em Sessão da Assembleia Municipal 
        Comemorativa dos 150 anos do Liceu de Aveiro.
        
        
        Texto transcrito de "Aliás" n.º 28, redigido e composto por Arsélio 
        Martins, Abril 2002, pp. 3-12. 
        
        (formato A5) 
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