Evocar os 150 anos de uma instituição nunca é tarefa fácil. Evocar os
150 anos de uma instituição cheia de História, na Casa-Mãe da Democracia
local, perante os legítimos representantes do Povo de Aveiro, será
sempre tarefa difícil.
O Liceu de Aveiro nasceu numa época bem diferente da actual. Há 150
anos, o país acabava de sair de um ciclo vicioso de golpes e contra
golpes militares e a Regeneração prometia trilhar os caminhos do
progresso. O marechal Saldanha e Fontes Pereira de Melo são os
estadistas que encarnam esses tempos novos, a que alguém chamou "o nome
português de capitalismo". Lá por fora Luís Napoleão Bonaparte fazia o
seu 18 de Brumário, Singer inventava a máquina de costura e Verdi fazia
representar o Rigoletto. O Palácio de Cristal de Londres impunha o ferro
e vidro e Comte publicava o Sistema de Filosofia Positiva. O comboio
ainda não tinha saído de Santa Apolónia, apesar de haver 30 anos que
circulava por essa Europa fora... Quantas diferenças em relação aos
nossos dias! Mas nestes tempos, aparentemente crepusculares, em que a
mais alta tecnologia ainda obriga à
invenção de eufemismos de guerra, teremos mesmo mudado? Ou quem mudou
foi o mundo e não nós por ele? Seremos assim tão diferentes dos nossos
próceres que há 150 anos fundaram o Liceu de Aveiro? E como era a cidade
nesse ano da graça de 1851? E quem eram os seus habitantes?
Aveiro, 150 anos atrás, era uma cidade ainda não centenária. Tinham
passado apenas 92 anos desde o dia em que, na sequência do atentado a D.
José I e da condenação à morte do donatário da Vila, esta tinha sido
elevada à categoria de cidade. Motivos mais políticos que
sócio-económicos estiveram na origem de tal decisão. A novel cidade, que
D. Pedro mandara amuralhar nos primórdios de Quatrocentos, vivia então
prisioneira de uma laguna que lhe impedia um acesso rápido ao mar.
Aquela que tinha sido a principal causa do seu acrescentamento nos
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inícios da Modernidade, era agora a principal causa da sua perdição. E,
contudo, foi em tempos do marasmo mais absoluto, que, estranhamente, a
Vila foi elevada à categoria de Cidade...
Mas era preciso facilitar a evacuação das fétidas águas da laguna que,
quase paradas, se ligavam ao mar lá para os lados de Mira (anda errante
a barra nos areais de Mira). E foi das muralhas de D. Pedro que se tirou
a pedra que permitiria a abertura da Barra de Aveiro, na sequência dos
trabalhos de Oudinot e Gomes de Carvalho.
O progresso, apesar disso, não foi de todo visível. A cidade continuava
pequena e a sua barra, se já não errante, era ainda assim perigosa. Mas
se a cidade não se desenvolvia como todos desejavam, pelo menos nela
cresciam vultos que resistiram ao absolutismo miguelista (lembremo-nos
do Desembargador Gravito e dos seus companheiros que de forma vil foram
condenados à morte após o 16 de Maio de 1828) e nela nasceram alguns dos
políticos mais marcantes de todo o século XIX português: José Estêvão, o
soldado corajoso, o parlamentar brilhante, o sonhador eterno que hoje
patrocina a Escola que aqui evocamos; Mendes Leite, o companheiro de
José Estêvão, que foi um dos paladinos da abolição da pena de morte em
Portugal; Augusto Soromenho, um dos protagonistas das Conferências
Democráticas do Casino Lisbonense; Jaime de Magalhães Lima, o admirador
e discípulo de Tolstoi; José Luciano de Castro, o político que mais
marcou a parte final da monarquia; Barbosa de Magalhães (Pai), o jurista
e o político aveirense que morreu nas vésperas da implantação da
República; Homem Cristo (Pai), o verrinoso vulto do jornalismo local,
mas também político de dimensão nacional. E porque os países se fazem de
homens e de livros estes nossos conterrâneos são, verdadeiramente,
pedras angulares do século XIX português.
É por ter filhos como estes que Aveiro passa, pela Reforma
Administrativa de 1835, a ser capital de distrito. Não pela sua
grandeza, pelo número dos seus habitantes ou pelos seus pergaminhos.
Somos plebeus e orgulhamo-nos do facto. Não temos grande património
construído, não temos a História que outros têm. Mas isso não nos apouca.
Antes pelo contrário.
Foi para esta cidade, tal como para todas as capitais de distrito, que o
visionário Passos Manuel previu a construção de um liceu. Mas o tempo do
setembrismo foi de tal forma curto, que tempo não houve para executar a
obra prevista. Teríamos que esperar que Costa Cabral publicasse novo
decreto e que a Regeneração o levasse à prática. Mas façamos um breve
resumo da criação do ensino liceal.
O
ensino liceal
tem as suas origens nas "escolas
régias"
criadas em 1759,
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precisamente no ano de elevação da Vila a Cidade, pelo Marquês de
Pombal, após a expulsão dos Jesuítas. É uma primeira tentativa de
laicização do ensino no nosso pais. Mas, como é usual acontecer em
Portugal, em Aveiro, como noutras cidades, as escolas régias não
funcionaram de facto, e ter-se-ia que esperar pelo liberalismo para que
alguma coisa mudasse. Continuou a vigorar o velho sistema das "aulas"
ainda por muitos e bons anos.
Seguiram-se a "viradeira" e o Intendente, o Príncipe D. João e a fuga
para o Brasil, os franceses e os ingleses, a revolução e a
contra-revolução, e o ensino, continuava, "grosso modo", o mesmo do
tempo dos Jesuítas.
Só a 17 de Novembro de 1836 se publica o
Plano dos Liceus Nacionais,
elaborado por José Alexandre de Campos e integrado na reforma geral de
Passos Manuel. Pretendia afastar-se daquilo que chama a "erudição
estéril" e orientava-se, explicitamente, para todos os cidadãos que "não
aspiram aos estudos superiores". Criava um liceu em cada capital de
distrito e fazia os de Lisboa, Porto e Coimbra dependentes das
respectivas Academias. Era uma reforma profunda, maximalista, e, como
muitas outras medidas do Setembrismo, pecava por algum desajuste com a
realidade. E, assim sendo, mais uma vez a criação de uma verdadeira rede
de escolas de ensino secundária era adiada.
A 20 de Setembro de 1844, durante o consulado de Costa Cabral, vai ser
publicada nova reforma geral da instrução pública, que inclui a
reorganização dos liceus. Aligeira-se a carga lectiva, diferenciam-se os
alunos em duas categorias: ordinários e voluntários, mas mantém-se a
estrutura organizativa dos liceus: O Conselho de Escola e o reitor. Mas
também esta reforma estava condenada a ter de esperar alguns anos para
se efectivar: a Maria da Fonte e Patuleia estavam à porta.
Tal como outros liceus do pais, também o liceu de Aveiro teve que
esperar por uma conjuntura mais favorável. Será só um 1851, e já em
plena Regeneração, que o Liceu de Aveiro viria a ser organizado. Foi
mesmo um dos últimos liceus do plano de Costa Cabral a ser instalado.
A
instalação provisória
deu-se no dia
14 de Junho de 1851, no Paço Episcopal,
aqui perto mas que já não existe, conforme reza a acta do Conselho
Escolar, sendo seus primeiros professores o Dr. João de Moura Coutinho,
primeiro Reitor do Liceu e Comissário dos Estudos do Distrito, Luiz
Cipriano Coelho de Magalhães, pai de José Estêvão, professor de
Filosofia Racional e Moral e Manuel Joaquim d'Oliveira Santos, professor
de Retórica. Foi instalado, provisoriamente, para "se proceder aos
exames dos Preparatórios dos Ordinários". Isto é: o Liceu começou por
funcionar no Paço Episcopal e a
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sua primeira função foi fazer exames de natureza eclesiástica. Só em 20
de Outubro do mesmo ano, e por força de uma Portaria do Conselho
Superior de Instrução Pública, de 27 de Setembro, é que se declarou
"definitivamente constituído" o Liceu de Aveiro.
Até se instalar em edifício concebido para o efeito, andaram professores
e alunos numa roda viva. No momento da sua instalação foi edificio-sede
do Liceu o Paço Episcopal, como já vimos. Pouco tempo depois, em
Janeiro de 1852,
encontra-se instalado em local que as actas não referenciam, mas ainda
no mesmo ano decidiu-se arrendar
uma casa na antiga rua de Santa Catarina,
para, em
1856,
já estar instalado nas dependências do
convento de Santo António.
Por essa altura já estavam em curso as diligências que haviam de levar à
construção do edifício da antiga Praça do Município (hoje Praça da
República).
Foi com a sua intervenção na sessão parlamentar de 16 de Julho de 1853,
que José. Estêvão começou a sua campanha pela construção de um edifício
de raiz para o
Liceu de Aveiro,
o primeiro que se construiu para o efeito em Portugal.
As
obras iniciam-se
durante o ano de
1855.
Uma portaria de Fontes Pereira de Melo, de 5 de Março, ordena a
construção das obras, referindo um orçamento de 16.800$000 e destina-lhe
as ruínas da Albergaria de S. Brás. Para atenuar a despesa foi
autorizada a demolição da parte antiga da muralha de Aveiro. Da marulha
quatrocentista, só restaram pequenos troços que o tecido urbano foi
lentamente engolindo.
As obras estarão
terminadas no final de 1859,
tendo sido inaugurado o novo edifício a 15 de Fevereiro de 1860, no
dizer da Marques Gomes e de Rangel de Quadros. Curiosamente, "O Campeão"
é mudo a este respeito. Talvez um primeiro sinal de divórcio entre a
Comunicação Social local e as instituições de ensino...
Mas pelas salas e corredores deste magnífico edifício não circulavam
apenas alunos e professores. O Liceu de Aveiro, pouco depois da sua
inauguração, teve novos inquilinos. Um incêndio ocorrido no Paço
Episcopal, a 20 de Junho de 1864, teve o condão de fazer transferir as
repartições do Governo Civil e da Fazenda para o primeiro pavimento do
edifício. Medida naturalmente transitória, que se prolongou por 43 anos.
Este edifício, que hoje alberga a Escola Secundária Homem Cristo, foi
objecto de profundas obras de reestruturação interior, bem como de
acrescentos vários que permitiram ao Liceu de Aveiro aí funcionar até ao
ano lectivo de 1951/52.
Parece-nos que estes primeiros anos da vida do liceu não foram
particularmente edificantes. Um exemplo disso mesmo é-nos dado
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pela referência telegráfica que o "Almanaque para 1884" faz ao Liceu de
Aveiro. Na parte sobre educação, que refere 4 cadeiras para instrução
primária, 2 colégios masculinos e 2 colégios femininos, nada. A única
referência ao liceu aparece na rubrica edifícios públicos:
Transcreve-se: «O Lyceu Nacional, inaugurado em Fevereiro de 1860.
Importou em grande soma e foi mandado fazer a pedido de José Estevam
Coelho de Magalhães.»
E
a José Estêvão
resolveram os estudantes da cidade de Aveiro honrar, quando, a
21 de Outubro de 1866, inauguraram o retrato que foi colocado na
Biblioteca do Liceu.
No dizer de Marques Gomes, foi «o primeiro monumento levantado à
memória do grande tribuno», descerrado com pompa e circunstância ao
som de cinco bandas de música, enquanto no ar iam subindo girândolas de
foguetes. Participou activamente também o liceu na construção do
monumento a José Estêvão, que domina a Praça da República, sendo a
Escola Secundária de José Estêvão a actual depositária de toda a
documentação relativa à construção da estátua.
Apesar das sucessivas reformas da 2.ª metade do século XIX,
particularmente a
Reforma de 1860,
que de algum modo introduz o ensino científico e obriga à contratação de
mais docentes, o estado do ensino liceal em Aveiro não é propriamente o
melhor. Só a
Reforma de Jaime Moniz de 1894/95,
que introduz o regime de "classes" e prevê que o reitor possa ser um
elemento exterior ao liceu, vai começar a alterar este estado de coisas.
Esta reforma «representa um marco decisivo na evolução do ensino
liceal. Ela constitui a primeira tentativa de construção, segundo
preceitos científico-racionais, de um currículo global para o ensino
liceal e, simultaneamente, de uma organização e administração para este
tipo de estabelecimento de ensino», no dizer do professor João
Barroso. Foi nestas circunstâncias nomeado reitor o oficial da Armada,
em inactividade temporária,
Francisco Regala,
antigo aluno, que havia de estar à frente dos destinos do Liceu de
Aveiro até ao Outubro de 1910 e deixar marcas que perduraram muito para
além do seu tempo.
É no reitorado de Francisco Regala que, sinal dos tempos,
as primeiras alunas
começam
a frequentar o ensino público liceal em Aveiro.
Estava-se em 1903 e os seus nomes merecem ser evocados: Maria das Dores
Monteiro Rebocho e Maria Clementina Monteiro Rebocho.
Duas notas finais sobre Francisco Regala. O seu interesse pelo ensino
prático que o leva a dinamizar visitas de estudo, que estavam previstas
numa circular da Direcção Geral da Instrução Pública, de 25 de Outubro
de 1896, a fábricas, jardim público, salinas, ria, farol, alto de
Travassô e
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bacias hidrográficas da região. Estas visitas surgem e passo a citar «com
programmas redigidos, de accordo, entre a reitoria e os professores, e
previamente explicados nas aulas, para servirem de guia aos alumnos, nas
observações e estudos a fazer». Notável, sem dúvida, a modernidade
da prática... A outra nota tem a ver com o seu interesse pela ginástica.
Era Francisco Regala um "fanático" da educação física, a que não será
estranho a sua formação militar. Na sessão solene de abertura das aulas
de 1908, afirma: «Acho ocioso gastar tempo em demonstrar a
necessidade da educação physica, para o rebustecimento da nossa
definhada raça, porque hoje ninguém a contesta, e está vulgarisada,
entre nós, pela imprensa periódica em persistentes campanhas.» Para
criar condições para a prática desportiva, além de permitir um
melhoramento geral do liceu, vai Francisco Regala encetar um luta sem
tréguas para a aquisição de espaços para onde o liceu se possa alargar.
Isto numa instituição que, ainda há pouco tempo, ocupava só parte do
edifício que lhe estava destinado. Tinha então o liceu 213 alunos (201
rapazes e 12 raparigas).
A Primeira República comete um acto de clara injustiça ao exonerar de
funções Francisco Regala. Não transparece da leitura das actas ou dos
Anuários qualquer animosidade contra o antigo reitor, vulgar em tempos
de ruptura política. Antes pelo contrário. O novo reitor tece rasgados
elogios a Francisco Regala no seu relatório relativo ao ano de 1910/11.
O
período da Primeira República
é marcado pela
passagem do liceu a Central
o que significa que, finalmente, podiam leccionar-se os dois últimos
anos do ensino secundário. Depois de muitas solicitações nesse sentido e
dos esforços de Barbosa de Magalhães, deputado aveirense e futuro
Ministro da Instrução, é elevado o Liceu de Aveiro a
Liceu Central de Aveiro,
tendo que para isso custear as despesas as 17 câmaras municipais do
distrito. Como estas não se entenderam de imediato, ficou a decisão
governamental sem efeito, por mais um ano.
Em
1919 passou a ser Vasco da Gama patrono do liceu,
não tendo o ilustre navegador nada a ver com a história da cidade. Uma
decisão claramente política e tomada sem a audição do Conselho Escolar.
Na parte final da 1.ª República cresce a importância do Liceu de Aveiro
a nível nacional. Os acasos da história fizeram com que um conjunto raro
de professores de elevada qualidade pertencesse aos quadros do liceu.
Desde 1916 era seu professor José Pereira Tavares. Em 1918 entra para a
escola Francisco Ferreira Neves. José Barata chega em 1919 e em 1920
Álvaro Sampaio. Mais tarde hão-de chegar Armando Dias Coimbra (1923),
Fernando Morais Zamith (1924), Pedro Gradil (1926), Luís Tavares de Lima
(1926) e
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Alberto Martins de Carvalho (1926). No princípio dos anos 30 há-de
chegar Agostinho da Silva que, segundo José Pereira Tavares, «foi
demitido do cargo de professor liceal (...) por se negar a assinar a
declaração, exigida a todos os funcionários, de não pertencer a qualquer
associação secreta!» Naturalmente, não é isso que reza na sua ficha
biográfica... Enfim, uma plêiade de professores reunidos como raramente
há-de acontecer ao longo da história de um liceu. Estavam lançadas as
bases para o "período
de ouro"
do Liceu de Aveiro, que havia de ser a parte inicial do Estado Novo. É
também por esta altura que
a primeira professora
lecciona no liceu de Aveiro,
Deolinda Armanda da Cruz,
licenciada em Filologia Clássica, durante o ano de 1929/30. Mas
ter-se-ia de esperar 20 anos até haver uma professora efectiva.
Coincide com o princípio da Ditadura a entrada de José Pereira Tavares
para a reitoria do liceu, ele que já fora reitor interino durante alguns
meses, no ocaso da República.
Uma das primeiras acções do novel reitor será, logo em 1926, como
fervoroso admirador de José Estêvão, diligenciar para que o liceu se
passe a chamar
Liceu de José Estêvão,
o que acontece
a 12 de Maio de 1927,
designação que viria a cair em desuso na década de quarenta, passando
então a chamar-se Liceu Nacional de Aveiro: Salazar proíbe os patrono em
localidades que não tivessem mais que um liceu.
Aquilo que designamos por "período de ouro" da história do Liceu de
Aveiro acontece entre 1926, admitimos que esta data poderia ser
anterior, e o início dos anos 40, altura em que a Mocidade Portuguesa
começa a estar omnipresente nos liceus e a cercear a criatividade e a
liberdade de professores e alunos. Durante esse período a actividade
cultural do liceu é de rara importância. É o Liceu que organiza o
1.º Congresso da Associação dos Professores dos Liceus,
de que foi máximo dirigente e secretário-geral Álvaro Sampaio. É no
Liceu que funciona a sede, redacção e alma da revista "Labor", por
muitos considerada a mais importante revista ligada à educação, pelo
menos durante este período. É durante a década de 30 que Mário
Sacramento e outros alunos publicam a "Voz Académica", a voz livre de
uma academia que não suportava viver amordaçada. É por esta altura que
Fidelino Figueiredo, Luís Carrisso, Jaime Magalhães Lima, Joaquim
Carvalho, Hernâni Cidade, Bento
Carqueja e tantos outros, honram o liceu com a sua presença.
O período do Estado Novo também é marcado pela construção de um novo
edifício para o Liceu de Aveiro. Durante os anos 30 e 40 o liceu
debate-se com falta de espaço e decide-se a construção de um novo
edifício. Entre a decisão política e a efectivação da mesma mediaram
ainda longos anos. O Governo exigia à Câmara Municipal contrapartidas
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(como sempre): a aquisição do antigo edifício pelo preço de 1500 contos
e a compra do terreno para a o novo edifício. O projecto fica concluído
em
Agosto de 1947,
ano em que a Câmara Municipal aprovou um empréstimo de 920 contos para a
compra da Quinta das Agras.
As
obras iniciaram-se a 16 de Agosto de 1948 e concluíram-se em Abril de
1952.
A
entrega oficial veio a fazer-se no dia 25 de Maio,
hoje dia da Escola. A 13 de Outubro de 1952, foi solenemente inaugurado
o edifício, ao mesmo tempo que se iniciava um novo ano lectivo. Edifício
em tudo semelhante ao actual, com excepção da ala sul, posteriormente
construída, ainda que muitos espaços tenham hoje uma utilização muito
diferente daquela que foi a inicialmente prevista.
No ano lectivo de
1947/48 tinha sido criada a secção Feminina,
secção essa que durante anos funcionará no mesmo edifício que o Liceu
propriamente dito, sem possibilidade de autonomização, mesmo no novo
edifício. É o que reconhece Pereira Tavares no Relatório respeitante ao
ano de 1953/54 onde afirma que «[d]esde a primeira hora (...) se
mostra que o número de salas é insuficiente para a perfeita e rigorosa
instalação da Secção Feminina. Com mais seis salas desapareceriam todos
os inconvenientes». Isto numa Escola inaugurada havia dois anos. Mas
reconheça-se o crescimento da população escolar: 685 alunos, dos quais
314 raparigas. Não tardaria muito que os rapazes estivessem em minoria.
Continuava a ser reitor do liceu
José Pereira Tavares,
natural da Bemposta, concelho de Oliveira de Azeméis, mas aveirense por
opção, figura cimeira e emblemática da história do liceu. Aluno
brilhante durante cinco anos (1902 a 1907), regressa a 1 de Novembro de
1916 como professor do Liceu Central de Aveiro para só sair... a 30 de
Janeiro de 1957, no dia em que, perfazendo 70 anos, foi jubilado por
limite de idade. Autor de livros didácticos, organizador de textos
científicos e literários, criador e encenador teatral, pedagogo e
dirigente da revista Labor, divulgador das coisas da sua terra adoptiva
no "Arquivo do Distrito de Aveiro", de tudo um pouco fez José Pereira
Tavares. Aveiro homenageou-o há pouco dando o seu nome ao Centro de
Formação de Escolas do Concelho de Aveiro: o Centro de Formação José
Pereira Tavares. Homem íntegro como poucos, escreverá, lapidarmente, num
relatório oficial a propósito de uma homenagem "Ao sr. Presidente do
Conselho": «Fez-se, cumprindo ordens superiores.»
O
último reitor foi Orlando de Oliveira
e dele se lembrarão certamente muitos dos presentes. Nascido em Viseu em
1908, aparece pela primeira ligado a Aveiro em 1930, quando aqui é
colocado como
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professor provisório. Há-de regressar em 1946 e será reitor entre 1957 e
1974. A cidade deve-lhe importantes benefícios: a criação de uma secção
do Instituto Comercial do Porto, futuro ISCAA; a criação e instalação do
Conservatório Regional Calouste Gulbenkian e, a cima de tudo, a campanha
pela criação da Universidade de Aveiro, em artigos inflamados na
imprensa local. O liceu deve-lhe importantes melhoramentos como a
ampliação do edifício principal, a construção do Pavilhão
Gimnodesportivo e a recuperação do edifício da Praça da República. O
ensino deve-lhe o empenho na criação das secções liceais de Oliveira de
Azeméis, Ovar, Vila da Feira e Águeda. O país deve-lhe a
organização do VI Congresso do Ensino Liceal, no Liceu Nacional de
Aveiro, entre 14 e 17 de Abril de 1971, sendo Orlando de Oliveira
Presidente da Comissão Executiva.
Com o
25 de Abril de 1974
alterações profundas se dão na direcção do liceu. A 30 de Abril, na
reunião do Conselho Disciplinar, o reitor informa da sua intenção de
apresentar atestado médico, «pelo que entregava a direcção da escola
ao seu legal substituto». Mas, na mesma tarde, «deu entrada na
secretaria do liceu um requerimento do senhor reitor a pedir a
exoneração do cargo».
Ficava o poder entregue ao vice-reitor, José Gomes Bento, que, na
reunião de 1 de Agosto do Conselho Escolar, já aparece com o cargo de
Presidente da Comissão de Gestão, comissão homologada por oficio de 9 do
mesmo mês. Na reunião de 10 de Setembro José Gomes Bento fala do seu
pedido de demissão e declara já não dar aulas "em Outubro próximo".
Terminava assim, em definitivo, o velho modelo de gestão dos liceus. É
então
o tempo das Comissões de Gestão.
Aproximava-se o tempo em que os próprios liceus iriam estar em causa.
É este também o meu liceu. Fui seu aluno nos anos quentes da Revolução
em que as RGAs se sucediam e os saneamentos eram vulgares. Fui dos
últimos alunos do Liceu de Aveiro que pouco depois seria extinto, dando
lugar a uma Escola Secundária. Esta, honrando o seu passado, escolheu
para patrono, naturalmente, José Estêvão Coelho de Magalhães.
No final dos anos 70 e inícios dos anos 80 a Escola assistiu,
finalmente, à democratização do acesso ao ensino e foi um dos mais
concorridos estabelecimentos de ensino secundário em Portugal. Desses
tempos recorda-se a gigantesca mole humana que no fim de cada turno
entrava e saía da Escola. Foi o tempo dos Conselhos Directivos e o
início da Gestão Democrática.
Agora novos tempos se perfilam.
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Já não é o número mas a qualidade que nos deve nortear. São os desafios
do novo século aqueles a que temos que responder. Saibamos honrar a
memória daqueles que nos precederam e numa relação cada vez mais
estreita com a cidade e os seus representantes pensemos em comum uma
Escola que se quer sempre nova.
Discurso de Alcino Carvalho, Presidente da Assembleia de Escola, no
Salão Nobre dos Paços do Concelho, em Sessão da Assembleia Municipal
Comemorativa dos 150 anos do Liceu de Aveiro.
Texto transcrito de "Aliás" n.º 28, redigido e composto por Arsélio
Martins, Abril 2002, pp. 3-12.
(formato A5)
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