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                Presidente da Assembleia de Escola – 
                Alcino Carvalho 
                
                
                 «Evocar 
                os 150 anos de uma instituição nunca é tarefa fácil. Evocar os 
                150 anos de uma instituição cheia de História, na Casa-Mãe da 
                Democracia local, perante os legítimos representantes do Povo de 
                Aveiro, será sempre tarefa difícil. 
                 
                O Liceu de Aveiro nasceu numa época bem diferente da actual. Há 
                150 o país acabava de sair de um ciclo vicioso de golpes e 
                contra golpes militares e a Regeneração prometia trilhar os 
                caminhos do progresso. O marechal Saldanha e Fontes Pereira de 
                Melo são os estadistas que encarnam esses tempos novos, a que 
                alguém chamou “o nome português de capitalismo”. Lá por fora 
                Luís Napoleão Bonaparte fazia o seu 18 de Brumário, Singer 
                inventava a máquina de costura e Verdi fazia representar o 
                Rigoletto.  
                 
                O Palácio de Cristal de Londres impunha o ferro e vidro e Comte 
                publicava o Sistema de Filosofia Positiva. O comboio ainda não 
                tinha saído de Santa Apolónia, apesar de haver 30 anos que 
                circulava por essa Europa fora... Quantas diferenças em relação 
                aos nossos dias! Mas nestes tempos, aparentemente crepusculares, 
                em que a mais alta tecnologia ainda obriga à invenção de 
                eufemismos de guerra, teremos mesmo mudado? Ou quem mudou foi o 
                mundo e não nós por ele? Seremos assim tão diferentes dos nossos 
                próceres que há 150 anos fundaram o Liceu de Aveiro? E como era 
                a cidade nesse ano da graça de 1851? E quem eram os seus 
                habitantes? 
                 
                Aveiro, 150 anos atrás, era uma cidade ainda não centenária. 
                Tinham passado apenas 92 anos desde o dia em que, na sequência 
                do atentado a de D. José I, e da condenação à morte do donatário 
                da Vila, esta tinha sido elevada à categoria de cidade. Motivos 
                mais políticos que sócio-económicos estiveram na origem de tal 
                decisão. A novel cidade, que D. Pedro mandara amuralhar nos 
                primórdios de Quatrocentos, vivia então prisioneira de uma 
                laguna que lhe impedia um acesso rápido ao mar. Aquela que tinha 
                sido a principal causa do seu acrescentamento nos inícios da 
                Modernidade, era agora a principal causa da sua perdição. E, 
                contudo, foi em tempos do marasmo mais absoluto, que, 
                estranhamente, a Vila foi elevada à categoria de Cidade... 
                 
                Mas era preciso facilitar a evacuação das fétidas águas da 
                laguna que, quase paradas, se ligavam ao mar lá para os lados de 
                Mira (anda errante a barra nos areais de Mira). E foi das 
                muralhas de D. Pedro que se tirou a pedra que permitiria a 
                abertura da Barra de Aveiro, na sequência dos trabalhos de 
                Oudinot e Gomes de Carvalho. 
                 
                O progresso, apesar disso, não foi de todo visível. A cidade 
                continuava pequena e a sua barra, se já não errante, era ainda 
                assim perigosa. Mas se a cidade não se desenvolvia como todos 
                desejavam, pelo menos nela cresciam vultos que resistiram ao 
                absolutismo miguelista (lembremo-nos do Desembargador Gravito e 
                dos seus companheiros que de forma vil foram condenados à morte 
                após o 16 de Maio de 1828) e nela nasceram alguns dos políticos 
                mais marcantes de todo o século XIX português: José Estêvão, o 
                soldado corajoso, o parlamentar brilhante, o sonhador eterno que 
                hoje patrocina a Escola que aqui evocamos; Mendes Leite, o 
                companheiro de José Estêvão, que foi um dos paladinos da 
                abolição da pena de morte em Portugal; Augusto Soromenho, um dos 
                protagonistas das Conferências Democráticas do Casino 
                Lisbonense; Jaime de Magalhães 
                Lima, o admirador e discípulo de Tolstoi; José Luciano de 
                Castro, o político que mais marcou a parte final da monarquia; 
                Barbosa de Magalhães (Pai ), o jurista e o político aveirense 
                que morreu nas vésperas da implantação da República; Homem 
                Cristo (Pai), o verrinoso vulto do jornalismo local, mas também 
                político de dimensão nacional. E porque os países se fazem de 
                homens e de livros estes nossos conterrâneos são, 
                verdadeiramente, pedras angulares do século XIX português. 
                 
                É por ter filhos como estes que Aveiro passa, pela Reforma 
                Administrativa de 1835, a ser capital de distrito. Não pela sua 
                grandeza, pelo número dos seus habitantes ou pelos seus 
                pergaminhos. Somos plebeus e orgulhamo-nos do facto. Não temos 
                grande património construído, não temos a História que outros 
                têm. Mas isso não nos apouca. Antes pelo contrário. 
                 
                Foi para esta cidade, tal como para todas as capitais de 
                distrito, que o visionário Passos Manuel previu a construção de 
                um Liceu. Mas o tempo do setembrismo foi de tal forma curto, que 
                tempo não houve para executar a obra prevista. Teríamos que 
                esperar que Costa Cabral publicasse novo decreto e que a 
                Regeneração o levasse à prática. Mas façamos um breve resumo da 
                criação do ensino liceal. 
                 
                O ensino liceal tem as suas origens nas “escolas régias” criadas 
                em 1759, precisamente no ano de elevação da Vila a Cidade, pelo 
                Marquês de Pombal, após a expulsão dos Jesuítas. É uma primeira 
                tentativa de laicização do ensino no nosso país. Mas, como é 
                usual acontecer em Portugal, em Aveiro, como noutras cidades, as 
                escolas régias não funcionaram de facto, e ter-se-ia que esperar 
                pelo liberalismo para que alguma coisa mudasse. Continuou a 
                vigorar o velho sistema das “aulas” ainda por muitos e bons 
                anos. 
                Seguiram-se a “viradeira” e o Intendente, o Príncipe D. João e a 
                fuga para o Brasil, os franceses e os ingleses, a revolução e a 
                contra-revolução, e o ensino, continuava, “grosso modo”, o mesmo 
                do tempo dos Jesuítas. 
                 
                Só a 17 de Novembro de 1836 se publica o Plano dos Liceus 
                Nacionais, elaborado por José Alexandre de Campos e integrado na 
                reforma geral de Passos Manuel. Pretendia afastar-se daquilo que 
                chama a “erudição estéril “ e orientava-se, explicitamente, para 
                todos os cidadãos que “não aspiram aos estudos superiores”. 
                Criava um Liceu em cada capital de distrito e fazia os de 
                Lisboa, Porto e Coimbra dependentes das respectivas Academias. 
                Era uma reforma profunda, maximalista, e, como muitas outras 
                medidas do Setembrismo, pecava por algum desajuste com a 
                realidade. E, assim sendo, mais uma vez a criação de uma 
                verdadeira rede de escolas de ensino secundária era adiada. 
                 
                A 20 de Setembro de 1844, durante o consulado de Costa Cabral, 
                vai ser publicada nova reforma geral da instrução pública, que 
                inclui a reorganização dos Liceus. Aligeira-se a carga lectiva, 
                diferenciam-se os alunos em duas categorias: ordinários e 
                voluntários, mas mantém-se a estrutura organizativa dos Liceus: 
                O Conselho de Escola e o reitor. Mas também esta reforma estava 
                condenada a ter de esperar alguns anos para se efectivar: a 
                Maria da Fonte e Patuleia estavam à porta. 
                 
                Tal como outros Liceus do país, também o Liceu de Aveiro teve 
                que esperar por uma conjuntura mais favorável. Será só um 1851, 
                e já em plena Regeneração, que o Liceu de Aveiro viria a ser 
                organizado. Foi mesmo um dos últimos Liceus do plano de Costa 
                Cabral a ser instalado. 
                 
                A instalação provisória deu-se no dia 14 de Junho de 1851, no 
                Paço Episcopal, aqui perto mas que já não existe, conforme reza 
                a acta do Conselho Escolar, sendo seus primeiros professores o 
                Dr. João de Moura Coutinho, primeiro Reitor do Liceu e 
                Comissário dos Estudos do Distrito, Luiz Cipriano Coelho de 
                Magalhães, pai de José Estêvão, professor de Filosofia Racional 
                e Moral e Manuel Joaquim d’Oliveira Santos, professor de 
                Retórica. Foi instalado, provisoriamente, para “se proceder aos 
                exames dos Preparatórios dos Ordinários”. A Isto é: o Liceu 
                começou por funcionar no Paço Episcopal e a sua primeira função 
                foi fazer exames de natureza eclesiástica. Só em 20 de Outubro 
                do mesmo ano, e por força de uma Portaria do Conselho Superior 
                de Instrução Pública, de 27 de Setembro, é que se declarou 
                "definitivamente constituído” o Liceu de Aveiro. 
                 
                Até se instalar em edifício concebido para o efeito, andaram 
                professores e alunos numa roda viva. No momento da sua 
                instalação foi edifício-sede do Liceu o Paço Episcopal, como já 
                vimos. Pouco tempo depois, em Janeiro de 1852, encontra-se 
                instalado em local que as actas não referenciam, mas ainda no 
                mesmo ano decidiu-se arrendar uma casa na antiga rua de Santa 
                Catarina, para, em 1856, já estar instalado nas dependências do 
                convento de Santo António. Por essa altura já estavam em curso 
                as diligências que haviam de levar à construção do edifício da 
                antiga Praça do Município (hoje Praça da República). 
                 
                Foi com a sua intervenção na sessão parlamentar de 16 de Julho 
                de 1853, que José Estêvão começou a sua campanha pela construção 
                de um edifício de raiz para o Liceu de Aveiro, o primeiro que se 
                construiu para o efeito em Portugal. 
                 
                As obras iniciam-se durante o ano de 1855. Uma portaria de 
                Fontes Pereira de Melo, de 5 de Março, ordena a construção das 
                obras, referindo um orçamento de 16.800$000 e destina-lhe as 
                ruínas da Albergaria de S. Bráz. Para atenuar a despesa foi 
                autorizada a demolição da parte antiga da muralha de Aveiro. Da 
                marulha quatrocentista, só restaram pequenos troços que o tecido 
                urbano foi lentamente engolindo. 
                 
                As obras estarão terminadas no final de 1859, tendo sido 
                inaugurado o novo edifício a 15 de Fevereiro de 1860, no dizer 
                da Marques Gomes e de Rangel de Quadros. Curiosamente, O 
                “Campeão” é mudo a este respeito. Talvez um primeiro sinal de 
                divórcio entre a Comunicação Social local e as instituições de 
                ensino... 
                 
                Mas pelas salas e corredores deste magnífico edifício não 
                circulavam apenas alunos e professores.  
                 
                O Liceu de Aveiro, pouco depois da sua inauguração, teve novos 
                inquilinos. Um incêndio ocorrido no Paço Episcopal, a 20 de 
                Junho de 1864, teve o condão de fazer transferir as repartições 
                do Governo Civil e da Fazenda para o primeiro pavimento do 
                edifício. Medida naturalmente transitória, que se prolongou por 
                43 anos.... Este edifício, que hoje alberga a Escola Secundária 
                Homem Cristo, foi objecto de profundas obras de reestruturação 
                interior, bem como de acrescentos vários que permitiram ao Liceu 
                de Aveiro aí funcionar até ao ano lectivo de 1951/52. 
                 
                Parece-nos que estes primeiros anos da vida do Liceu não foram 
                particularmente edificantes. Um exemplo disso mesmo é-nos dado 
                pela referência telegráfica que o Almanaque para 1884 faz ao 
                Liceu de Aveiro. Na parte sobre educação, que refere 4 cadeiras 
                para instrução primária, 2 colégios masculinos e 2 colégios 
                femininos, nada. A única referência ao Liceu aparece na rubrica 
                edifícios públicos: Transcreve-se: "O Lyceu Nacional, inaugurado 
                em Fevereiro de 1860. Importou em grande soma e foi mandado 
                fazer a pedido de José Estevam Coelho de Magalhães”. E a José 
                Estêvão resolveram os estudantes da cidade de Aveiro honrar, 
                quando, a 21 de Outubro de 1866, inauguraram o retrato que foi 
                colocado na Biblioteca do Liceu. No dizer de Marques Gomes, foi 
                “o primeiro monumento levantado à memória do grande tribuno”, 
                descerrado com pompa e circunstância ao som de cinco bandas de 
                música, enquanto no ar iam subindo girândolas de foguetes. 
                Participou activamente também o Liceu na construção do monumento 
                a José Estêvão, que domina a Praça da República, sendo a Escola 
                Secundária de José Estêvão a actual depositária de toda a 
                documentação relativa à construção da estátua. 
                 
                Apesar das sucessivas reformas da 2ª metade do século XIX, 
                particularmente a Reforma de 1860, que de algum modo introduz o 
                ensino científico e obriga à contratação de mais docentes, o 
                estado do ensino liceal em Aveiro não é propriamente o melhor. 
                Só a Reforma de Jaime Moniz de 1894/95, que introduz o regime de 
                “classes” e prevê que o reitor possa ser um elemento exterior ao 
                Liceu, vai começar a alterar este estado de coisas. Esta reforma 
                “representa um marco decisivo na evolução do ensino liceal. Ela 
                constitui a primeira tentativa de construção, segundo preceitos 
                científico-racionais, de um currículo global para o ensino 
                liceal e, simultaneamente, de uma organização e administração 
                para este tipo de estabelecimento de ensino”, no dizer do 
                professor João Barroso. Foi nestas circunstâncias nomeado reitor 
                o oficial da Armada, em inactividade temporária, Francisco 
                Regala, antigo aluno, que havia de estar à frente dos destinos 
                do Liceu de Aveiro até ao Outubro de 1910 e deixar marcas que 
                perduraram muito para além do seu tempo. 
                 
                É no reitorado de Francisco Regala que, sinal dos tempos, as 
                primeiras alunas começam a frequentar o ensino público liceal em 
                Aveiro. Estava-se em 1903 e os seus nomes merecem ser evocados: 
                Maria das Dores Monteiro Rebocho e Maria Clementina Monteiro 
                Rebocho. 
                 
                Duas notas finais sobre Francisco Regala. O seu interesse pelo 
                ensino prático que o leva a dinamizar visitas de estudo, que 
                estavam previstas numa circular da Direcção Geral da Instrução 
                Pública, de 25 de Outubro de 1896, a fábricas, jardim público, 
                salinas, ria, farol, alto de Travassô e bacias hidrográficas da 
                região. Estas visitas surgem e passo a citar "com programmas 
                redigidos, de accordo, entre a reitoria e os professores, e 
                previamente explicados nas aulas, para servirem de guia aos 
                alumnos, nas observações e estudos a fazer”. Notável, sem 
                dúvida, a modernidade da prática... A outra nota tem a ver com o 
                seu interesse pela ginástica. Era Francisco Regala um "fanático" 
                da educação física, a que não será estranho à sua formação 
                militar. Na sessão solene de abertura das aulas de 1908, afirma 
                :"Acho ocioso gastar tempo em demonstrar a necessidade da 
                educação physica, para o robustecimento da nossa definhada raça, 
                porque hoje ninguém a contesta, e está vulgarizada, entre nós, 
                pela imprensa periódica em persistentes campanhas". Para criar 
                condições para a prática desportiva, além de permitir um 
                melhoramento geral do Liceu, vai Francisco Regala encetar uma 
                luta sem tréguas para a aquisição de espaços para onde o Liceu 
                se possa alargar. Isto numa instituição que, ainda há pouco 
                tempo, ocupava só parte do edifício que lhe estava destinado. 
                Tinha então o Liceu 213 alunos (201 rapazes e 12 raparigas). 
                 
                A Primeira República comete um acto de clara injustiça ao 
                exonerar de funções Francisco Regala. Não transparece da leitura 
                das actas ou dos Anuários qualquer animosidade contra o antigo 
                reitor, vulgar em tempos de ruptura política. Antes pelo 
                contrário. O novo reitor tece rasgados elogios a Francisco 
                Regala no seu relatório relativo ao ano de 1910/11. 
                 
                O período da Primeira República é marcado pela passagem do Liceu 
                a Central. O que significa que, finalmente, podiam leccionar-se 
                os dois últimos anos do ensino secundário. Depois de muitas 
                solicitações nesse sentido e dos esforços de Barbosa de 
                Magalhães, deputado aveirense e futuro Ministro da Instrução, é 
                elevado o Liceu de Aveiro a Liceu Central de Aveiro, tendo que 
                para isso custear as despesas as 17 câmaras municipais do 
                distrito. Como estas não se entenderam de imediato, ficou a 
                decisão governamental sem efeito, por mais um ano. 
                 
                Em 1919 passou a ser Vasco da Gama patrono do Liceu, não tendo o 
                ilustre navegador nada a ver com a história da cidade. Uma 
                decisão claramente política e tomada sem a audição do Conselho 
                Escolar. 
                 
                Na parte final da 1ª República cresce a importância do Liceu de 
                Aveiro a nível nacional. Os acasos da história fizeram com que 
                um conjunto raro de professores de elevada qualidade pertencesse 
                aos quadros do Liceu. Desde 1916 era seu professor José Pereira 
                Tavares. Em 1918 entra para a escola Francisco Ferreira Neves. 
                José Barata chega em 1919 e em 1920 Álvaro Sampaio. Mais tarde 
                hão-de chegar Armando Dias Coimbra (1923), Fernando Morais 
                Zamith(1924), Pedro Gradil(1926), Luís Tavares de Lima (1926) e 
                Alberto Martins de Carvalho (1926). No princípio dos anos 30 
                há-de chegar Agostinho da Silva que, segundo José Pereira 
                Tavares, "foi demitido do cargo de professor liceal (...) por se 
                negar a assinar a declaração, exigida a todos os funcionários, 
                de não pertencer a qualquer associação secreta!” Naturalmente, 
                não é isso que reza na sua ficha biográfica... Enfim, uma 
                plêiade de professores reunidos como raramente há-de acontecer 
                ao longo da história de um Liceu. Estavam lançadas as bases para 
                o "período de ouro" do Liceu de Aveiro, que havia de ser a parte 
                inicial do Estado Novo. É também por esta altura que a primeira 
                professora lecciona no Liceu de Aveiro, Deolinda Armanda da 
                Cruz, licenciada em Filologia Clássica, durante o ano de 
                1929/30.  
                 
                Mas ter-se-ia de esperar 20 anos até haver uma professora 
                efectiva. 
                 
                Coincide com o princípio da Ditadura a entrada de José Pereira 
                Tavares para a reitoria do Liceu, ele que já fora reitor 
                interino durante alguns meses, no ocaso da República. Uma das 
                primeiras acções do novel reitor será, logo em 1926, como 
                fervoroso admirador de José Estêvão, diligenciar para que o 
                Liceu se passe a chamar Liceu de José Estêvão, o que acontece a 
                12 de Maio de 1927, designação que viria a cair em desuso na 
                década de quarenta, passando então a chamar-se Liceu Nacional de 
                Aveiro: Salazar proíbe os patronos em localidades que não 
                tivessem mais que um Liceu. 
                 
                Aquilo que designamos por "período de ouro" da história do Liceu 
                de Aveiro acontece entre 1926 (admitimos que esta data poderia 
                ser anterior) e o início dos anos 40, altura em que a Mocidade 
                Portuguesa começa a estar omnipresente nos Liceus e a cercear a 
                criatividade e a liberdade de professores e alunos. Durante esse 
                período a actividade cultural do Liceu é de rara importância. É 
                o Liceu que organiza o 1º Congresso da Associação dos 
                Professores dos Liceus, de que foi máximo dirigente e 
                secretário-geral Álvaro Sampaio. É no Liceu que funciona a sede, 
                redacção e alma da revista “Labor”, por muitos considerada a 
                mais importante revista ligada à educação, pelo menos 
                durante este período. É durante a década de 30 que Mário 
                Sacramento e outros alunos publicam a “Voz Académica”, a voz 
                livre de uma academia que não suportava viver amordaçada. É por 
                esta altura que Fidelino Figueiredo, Luís Carrisso, Jaime 
                Magalhães Lima, Joaquim Carvalho, Hernâni Cidade, Bento Carqueja 
                e tantos outros, honram o Liceu com a sua presença. 
                 
                O período do Estado Novo também é marcado pela construção de um 
                novo edifício para o Liceu de Aveiro. Durante os anos 30 e 40 o 
                Liceu debate-se com falta de espaço e decide-se a construção de 
                um novo edifício. 
                 
                Entre a decisão política e a efectivação da mesma mediaram ainda 
                longos anos. O Governo exigia à Câmara Municipal contrapartidas 
                (como sempre): a aquisição do antigo edifício pelo preço de 1500 
                contos e a compra do terreno para a o novo edifício. O projecto 
                fica concluído em Agosto de 1947, ano em que a Câmara Municipal 
                aprovou um empréstimo de 920 contos para a compra da Quinta das 
                Agras. 
                 
                As obras iniciaram-se a 16 de Agosto de 1948 e concluíram-se em 
                Abril de 1952. A entrega oficial veio a fazer-se no dia 25 de 
                Maio, hoje dia da Escola. A 13 de Outubro de 1952, foi 
                solenemente inaugurado o edifício, ao mesmo tempo que se 
                iniciava um novo ano lectivo. Edifício em tudo semelhante ao 
                actual, com excepção da ala sul, posteriormente construída, 
                ainda que muitos espaços tenham hoje uma utilização muito 
                diferente daquela que foi a inicialmente prevista. 
                 
                No ano lectivo de 1947/48 tinha sido criada a secção Feminina, 
                secção essa que durante anos funcionará no mesmo edifício que o 
                Liceu propriamente dito, sem possibilidade de autonomização, 
                mesmo no novo edifício. É o que reconhece Pereira Tavares no 
                Relatório respeitante ao ano de 1953/54 onde afirma que "[d]esde 
                a primeira hora (...) se mostra que o número de salas é 
                insuficiente para a perfeita e rigorosa instalação da Secção 
                Feminina. Com mais seis salas desapareceriam todos os 
                inconvenientes”. Isto numa Escola inaugurada havia dois anos.... 
                Mas reconheça-se o crescimento da população escolar: 685 alunos, 
                dos quais 314 raparigas. Não tardaria muito que os rapazes 
                estivessem em minoria. 
                 
                Continuava a ser reitor do Liceu José Pereira Tavares, natural 
                da Bemposta, concelho de Oliveira de Azeméis, mas aveirense por 
                opção, figura cimeira e emblemática da história do Liceu. Aluno 
                brilhante durante cinco anos (1902 a 1907), regressa a 1 de 
                Novembro de 1916 como professor do Liceu Central de Aveiro para 
                só sair... a 30 de Janeiro de 1957, no dia em que, perfazendo 70 
                anos, foi jubilado por limite de idade. Autor de livros 
                didácticos, organizador de textos científicos e literários, 
                criador e encenador teatral, pedagogo e dirigente da revista 
                Labor, divulgador das coisas da sua terra adoptiva no Arquivo do 
                Distrito de Aveiro, de tudo um pouco fez José Pereira Tavares. 
                Aveiro homenageou-o há pouco dando o seu nome ao Centro de 
                Formação de Escolas do Concelho de Aveiro: o Centro de Formação 
                José Pereira Tavares. Homem íntegro como poucos, escreverá, 
                lapidarmente, num relatório oficial a propósito de uma homenagem 
                “Ao Sr. Presidente do Conselho” : “Fez-se, cumprindo ordens 
                superiores”. 
                 
                O último reitor foi Orlando de Oliveira e dele se lembrarão 
                certamente muitos dos presentes. Nascido em Viseu em 1908, 
                aparece pela primeira ligado a Aveiro em 1930, quando aqui é 
                colocado como professor provisório. Há-de regressar em 1946 e 
                será reitor entre 1957 e 1974. A cidade deve-lhe importantes 
                benefícios: a criação de uma secção do Instituto Comercial do 
                Porto, futuro ISCAA; a criação e instalação do Conservatório 
                Regional Calouste Gulbenkian e, acima de tudo, a campanha pela 
                criação da Universidade de Aveiro, em artigos inflamados na 
                imprensa local. O Liceu deve-lhe importantes melhoramentos como 
                a ampliação do edifício principal, a construção do Pavilhão 
                Gimnodesportivo e a recuperação do edifício da Praça da 
                República. O ensino deve-lhe o empenho na criação das secções 
                liceais de Oliveira de Azeméis, Ovar, Vila da Feira e Águeda. O 
                país deve-lhe a organização do VI Congresso do Ensino Liceal, no 
                Liceu Nacional de Aveiro, entre 14 e 17 de Abril de 1971, sendo 
                Orlando de Oliveira Presidente da Comissão Executiva. 
                 
                Com o 25 de Abril de 1974 alterações profundas se dão na 
                direcção do Liceu. A 30 de Abril, na reunião do Conselho 
                Disciplinar, o reitor informa da sua intenção de apresentar 
                atestado médico, "pelo que entregava a direcção da escola ao seu 
                legal substituto”. Mas, na mesma tarde, "deu entrada na 
                secretaria do Liceu um requerimento do senhor reitor a pedir a 
                exoneração do cargo”. 
                 
                Ficava o poder entregue ao vice-reitor, José Gomes Bento, que, 
                na reunião de 1 de Agosto do Conselho Escolar, já aparece com o 
                cargo de Presidente da Comissão de Gestão, comissão homologada 
                por ofício de 9 do mesmo mês. Na reunião de 10 de Setembro José 
                Gomes Bento fala do seu pedido de demissão e declara já não dar 
                aulas "em Outubro próximo". 
                 
                Terminava assim, em definitivo, o velho modelo de gestão dos 
                Liceus. É então o tempo das Comissões de Gestão. Aproximava-se o 
                tempo em que os próprios Liceus iriam estar em causa.  
                 
                É este também o meu Liceu. Fui seu aluno nos anos quentes da 
                Revolução em que as RGAs se sucediam e os saneamentos eram 
                vulgares. Fui dos últimos alunos do Liceu de Aveiro que pouco 
                depois seria extinto, dando lugar a uma Escola Secundária. Esta, 
                honrando o seu passado, escolheu para patrono, naturalmente, 
                José Estêvão Coelho de Magalhães.  
                 
                No final dos anos 70 e inícios dos anos 80 a Escola assistiu, 
                finalmente, à democratização do acesso ao ensino e foi um dos 
                mais concorridos estabelecimentos de ensino secundário em 
                Portugal. 
                 
                Desses tempos recorda-se a gigantesca mole humana, que no fim de 
                cada turno entrava e saía da Escola. Foi o tempo dos Conselhos 
                Directivos e o início da Gestão Democrática. 
                 
                Agora novos tempos se perfilam. Já não é o número mas a 
                qualidade que nos deve nortear. São os desafios do novo século 
                aqueles a que temos que responder. Saibamos honrar a memória 
                daqueles que nos precederam e numa relação cada vez mais 
                estreita com a cidade e os seus representantes, pensemos em 
                comum uma “Escola” que se quer sempre nova.» 
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