Presidente da Assembleia de Escola –
Alcino Carvalho
«Evocar
os 150 anos de uma instituição nunca é tarefa fácil. Evocar os
150 anos de uma instituição cheia de História, na Casa-Mãe da
Democracia local, perante os legítimos representantes do Povo de
Aveiro, será sempre tarefa difícil.
O Liceu de Aveiro nasceu numa época bem diferente da actual. Há
150 o país acabava de sair de um ciclo vicioso de golpes e
contra golpes militares e a Regeneração prometia trilhar os
caminhos do progresso. O marechal Saldanha e Fontes Pereira de
Melo são os estadistas que encarnam esses tempos novos, a que
alguém chamou “o nome português de capitalismo”. Lá por fora
Luís Napoleão Bonaparte fazia o seu 18 de Brumário, Singer
inventava a máquina de costura e Verdi fazia representar o
Rigoletto.
O Palácio de Cristal de Londres impunha o ferro e vidro e Comte
publicava o Sistema de Filosofia Positiva. O comboio ainda não
tinha saído de Santa Apolónia, apesar de haver 30 anos que
circulava por essa Europa fora... Quantas diferenças em relação
aos nossos dias! Mas nestes tempos, aparentemente crepusculares,
em que a mais alta tecnologia ainda obriga à invenção de
eufemismos de guerra, teremos mesmo mudado? Ou quem mudou foi o
mundo e não nós por ele? Seremos assim tão diferentes dos nossos
próceres que há 150 anos fundaram o Liceu de Aveiro? E como era
a cidade nesse ano da graça de 1851? E quem eram os seus
habitantes?
Aveiro, 150 anos atrás, era uma cidade ainda não centenária.
Tinham passado apenas 92 anos desde o dia em que, na sequência
do atentado a de D. José I, e da condenação à morte do donatário
da Vila, esta tinha sido elevada à categoria de cidade. Motivos
mais políticos que sócio-económicos estiveram na origem de tal
decisão. A novel cidade, que D. Pedro mandara amuralhar nos
primórdios de Quatrocentos, vivia então prisioneira de uma
laguna que lhe impedia um acesso rápido ao mar. Aquela que tinha
sido a principal causa do seu acrescentamento nos inícios da
Modernidade, era agora a principal causa da sua perdição. E,
contudo, foi em tempos do marasmo mais absoluto, que,
estranhamente, a Vila foi elevada à categoria de Cidade...
Mas era preciso facilitar a evacuação das fétidas águas da
laguna que, quase paradas, se ligavam ao mar lá para os lados de
Mira (anda errante a barra nos areais de Mira). E foi das
muralhas de D. Pedro que se tirou a pedra que permitiria a
abertura da Barra de Aveiro, na sequência dos trabalhos de
Oudinot e Gomes de Carvalho.
O progresso, apesar disso, não foi de todo visível. A cidade
continuava pequena e a sua barra, se já não errante, era ainda
assim perigosa. Mas se a cidade não se desenvolvia como todos
desejavam, pelo menos nela cresciam vultos que resistiram ao
absolutismo miguelista (lembremo-nos do Desembargador Gravito e
dos seus companheiros que de forma vil foram condenados à morte
após o 16 de Maio de 1828) e nela nasceram alguns dos políticos
mais marcantes de todo o século XIX português: José Estêvão, o
soldado corajoso, o parlamentar brilhante, o sonhador eterno que
hoje patrocina a Escola que aqui evocamos; Mendes Leite, o
companheiro de José Estêvão, que foi um dos paladinos da
abolição da pena de morte em Portugal; Augusto Soromenho, um dos
protagonistas das Conferências Democráticas do Casino
Lisbonense; Jaime de Magalhães
Lima, o admirador e discípulo de Tolstoi; José Luciano de
Castro, o político que mais marcou a parte final da monarquia;
Barbosa de Magalhães (Pai ), o jurista e o político aveirense
que morreu nas vésperas da implantação da República; Homem
Cristo (Pai), o verrinoso vulto do jornalismo local, mas também
político de dimensão nacional. E porque os países se fazem de
homens e de livros estes nossos conterrâneos são,
verdadeiramente, pedras angulares do século XIX português.
É por ter filhos como estes que Aveiro passa, pela Reforma
Administrativa de 1835, a ser capital de distrito. Não pela sua
grandeza, pelo número dos seus habitantes ou pelos seus
pergaminhos. Somos plebeus e orgulhamo-nos do facto. Não temos
grande património construído, não temos a História que outros
têm. Mas isso não nos apouca. Antes pelo contrário.
Foi para esta cidade, tal como para todas as capitais de
distrito, que o visionário Passos Manuel previu a construção de
um Liceu. Mas o tempo do setembrismo foi de tal forma curto, que
tempo não houve para executar a obra prevista. Teríamos que
esperar que Costa Cabral publicasse novo decreto e que a
Regeneração o levasse à prática. Mas façamos um breve resumo da
criação do ensino liceal.
O ensino liceal tem as suas origens nas “escolas régias” criadas
em 1759, precisamente no ano de elevação da Vila a Cidade, pelo
Marquês de Pombal, após a expulsão dos Jesuítas. É uma primeira
tentativa de laicização do ensino no nosso país. Mas, como é
usual acontecer em Portugal, em Aveiro, como noutras cidades, as
escolas régias não funcionaram de facto, e ter-se-ia que esperar
pelo liberalismo para que alguma coisa mudasse. Continuou a
vigorar o velho sistema das “aulas” ainda por muitos e bons
anos.
Seguiram-se a “viradeira” e o Intendente, o Príncipe D. João e a
fuga para o Brasil, os franceses e os ingleses, a revolução e a
contra-revolução, e o ensino, continuava, “grosso modo”, o mesmo
do tempo dos Jesuítas.
Só a 17 de Novembro de 1836 se publica o Plano dos Liceus
Nacionais, elaborado por José Alexandre de Campos e integrado na
reforma geral de Passos Manuel. Pretendia afastar-se daquilo que
chama a “erudição estéril “ e orientava-se, explicitamente, para
todos os cidadãos que “não aspiram aos estudos superiores”.
Criava um Liceu em cada capital de distrito e fazia os de
Lisboa, Porto e Coimbra dependentes das respectivas Academias.
Era uma reforma profunda, maximalista, e, como muitas outras
medidas do Setembrismo, pecava por algum desajuste com a
realidade. E, assim sendo, mais uma vez a criação de uma
verdadeira rede de escolas de ensino secundária era adiada.
A 20 de Setembro de 1844, durante o consulado de Costa Cabral,
vai ser publicada nova reforma geral da instrução pública, que
inclui a reorganização dos Liceus. Aligeira-se a carga lectiva,
diferenciam-se os alunos em duas categorias: ordinários e
voluntários, mas mantém-se a estrutura organizativa dos Liceus:
O Conselho de Escola e o reitor. Mas também esta reforma estava
condenada a ter de esperar alguns anos para se efectivar: a
Maria da Fonte e Patuleia estavam à porta.
Tal como outros Liceus do país, também o Liceu de Aveiro teve
que esperar por uma conjuntura mais favorável. Será só um 1851,
e já em plena Regeneração, que o Liceu de Aveiro viria a ser
organizado. Foi mesmo um dos últimos Liceus do plano de Costa
Cabral a ser instalado.
A instalação provisória deu-se no dia 14 de Junho de 1851, no
Paço Episcopal, aqui perto mas que já não existe, conforme reza
a acta do Conselho Escolar, sendo seus primeiros professores o
Dr. João de Moura Coutinho, primeiro Reitor do Liceu e
Comissário dos Estudos do Distrito, Luiz Cipriano Coelho de
Magalhães, pai de José Estêvão, professor de Filosofia Racional
e Moral e Manuel Joaquim d’Oliveira Santos, professor de
Retórica. Foi instalado, provisoriamente, para “se proceder aos
exames dos Preparatórios dos Ordinários”. A Isto é: o Liceu
começou por funcionar no Paço Episcopal e a sua primeira função
foi fazer exames de natureza eclesiástica. Só em 20 de Outubro
do mesmo ano, e por força de uma Portaria do Conselho Superior
de Instrução Pública, de 27 de Setembro, é que se declarou
"definitivamente constituído” o Liceu de Aveiro.
Até se instalar em edifício concebido para o efeito, andaram
professores e alunos numa roda viva. No momento da sua
instalação foi edifício-sede do Liceu o Paço Episcopal, como já
vimos. Pouco tempo depois, em Janeiro de 1852, encontra-se
instalado em local que as actas não referenciam, mas ainda no
mesmo ano decidiu-se arrendar uma casa na antiga rua de Santa
Catarina, para, em 1856, já estar instalado nas dependências do
convento de Santo António. Por essa altura já estavam em curso
as diligências que haviam de levar à construção do edifício da
antiga Praça do Município (hoje Praça da República).
Foi com a sua intervenção na sessão parlamentar de 16 de Julho
de 1853, que José Estêvão começou a sua campanha pela construção
de um edifício de raiz para o Liceu de Aveiro, o primeiro que se
construiu para o efeito em Portugal.
As obras iniciam-se durante o ano de 1855. Uma portaria de
Fontes Pereira de Melo, de 5 de Março, ordena a construção das
obras, referindo um orçamento de 16.800$000 e destina-lhe as
ruínas da Albergaria de S. Bráz. Para atenuar a despesa foi
autorizada a demolição da parte antiga da muralha de Aveiro. Da
marulha quatrocentista, só restaram pequenos troços que o tecido
urbano foi lentamente engolindo.
As obras estarão terminadas no final de 1859, tendo sido
inaugurado o novo edifício a 15 de Fevereiro de 1860, no dizer
da Marques Gomes e de Rangel de Quadros. Curiosamente, O
“Campeão” é mudo a este respeito. Talvez um primeiro sinal de
divórcio entre a Comunicação Social local e as instituições de
ensino...
Mas pelas salas e corredores deste magnífico edifício não
circulavam apenas alunos e professores.
O Liceu de Aveiro, pouco depois da sua inauguração, teve novos
inquilinos. Um incêndio ocorrido no Paço Episcopal, a 20 de
Junho de 1864, teve o condão de fazer transferir as repartições
do Governo Civil e da Fazenda para o primeiro pavimento do
edifício. Medida naturalmente transitória, que se prolongou por
43 anos.... Este edifício, que hoje alberga a Escola Secundária
Homem Cristo, foi objecto de profundas obras de reestruturação
interior, bem como de acrescentos vários que permitiram ao Liceu
de Aveiro aí funcionar até ao ano lectivo de 1951/52.
Parece-nos que estes primeiros anos da vida do Liceu não foram
particularmente edificantes. Um exemplo disso mesmo é-nos dado
pela referência telegráfica que o Almanaque para 1884 faz ao
Liceu de Aveiro. Na parte sobre educação, que refere 4 cadeiras
para instrução primária, 2 colégios masculinos e 2 colégios
femininos, nada. A única referência ao Liceu aparece na rubrica
edifícios públicos: Transcreve-se: "O Lyceu Nacional, inaugurado
em Fevereiro de 1860. Importou em grande soma e foi mandado
fazer a pedido de José Estevam Coelho de Magalhães”. E a José
Estêvão resolveram os estudantes da cidade de Aveiro honrar,
quando, a 21 de Outubro de 1866, inauguraram o retrato que foi
colocado na Biblioteca do Liceu. No dizer de Marques Gomes, foi
“o primeiro monumento levantado à memória do grande tribuno”,
descerrado com pompa e circunstância ao som de cinco bandas de
música, enquanto no ar iam subindo girândolas de foguetes.
Participou activamente também o Liceu na construção do monumento
a José Estêvão, que domina a Praça da República, sendo a Escola
Secundária de José Estêvão a actual depositária de toda a
documentação relativa à construção da estátua.
Apesar das sucessivas reformas da 2ª metade do século XIX,
particularmente a Reforma de 1860, que de algum modo introduz o
ensino científico e obriga à contratação de mais docentes, o
estado do ensino liceal em Aveiro não é propriamente o melhor.
Só a Reforma de Jaime Moniz de 1894/95, que introduz o regime de
“classes” e prevê que o reitor possa ser um elemento exterior ao
Liceu, vai começar a alterar este estado de coisas. Esta reforma
“representa um marco decisivo na evolução do ensino liceal. Ela
constitui a primeira tentativa de construção, segundo preceitos
científico-racionais, de um currículo global para o ensino
liceal e, simultaneamente, de uma organização e administração
para este tipo de estabelecimento de ensino”, no dizer do
professor João Barroso. Foi nestas circunstâncias nomeado reitor
o oficial da Armada, em inactividade temporária, Francisco
Regala, antigo aluno, que havia de estar à frente dos destinos
do Liceu de Aveiro até ao Outubro de 1910 e deixar marcas que
perduraram muito para além do seu tempo.
É no reitorado de Francisco Regala que, sinal dos tempos, as
primeiras alunas começam a frequentar o ensino público liceal em
Aveiro. Estava-se em 1903 e os seus nomes merecem ser evocados:
Maria das Dores Monteiro Rebocho e Maria Clementina Monteiro
Rebocho.
Duas notas finais sobre Francisco Regala. O seu interesse pelo
ensino prático que o leva a dinamizar visitas de estudo, que
estavam previstas numa circular da Direcção Geral da Instrução
Pública, de 25 de Outubro de 1896, a fábricas, jardim público,
salinas, ria, farol, alto de Travassô e bacias hidrográficas da
região. Estas visitas surgem e passo a citar "com programmas
redigidos, de accordo, entre a reitoria e os professores, e
previamente explicados nas aulas, para servirem de guia aos
alumnos, nas observações e estudos a fazer”. Notável, sem
dúvida, a modernidade da prática... A outra nota tem a ver com o
seu interesse pela ginástica. Era Francisco Regala um "fanático"
da educação física, a que não será estranho à sua formação
militar. Na sessão solene de abertura das aulas de 1908, afirma
:"Acho ocioso gastar tempo em demonstrar a necessidade da
educação physica, para o robustecimento da nossa definhada raça,
porque hoje ninguém a contesta, e está vulgarizada, entre nós,
pela imprensa periódica em persistentes campanhas". Para criar
condições para a prática desportiva, além de permitir um
melhoramento geral do Liceu, vai Francisco Regala encetar uma
luta sem tréguas para a aquisição de espaços para onde o Liceu
se possa alargar. Isto numa instituição que, ainda há pouco
tempo, ocupava só parte do edifício que lhe estava destinado.
Tinha então o Liceu 213 alunos (201 rapazes e 12 raparigas).
A Primeira República comete um acto de clara injustiça ao
exonerar de funções Francisco Regala. Não transparece da leitura
das actas ou dos Anuários qualquer animosidade contra o antigo
reitor, vulgar em tempos de ruptura política. Antes pelo
contrário. O novo reitor tece rasgados elogios a Francisco
Regala no seu relatório relativo ao ano de 1910/11.
O período da Primeira República é marcado pela passagem do Liceu
a Central. O que significa que, finalmente, podiam leccionar-se
os dois últimos anos do ensino secundário. Depois de muitas
solicitações nesse sentido e dos esforços de Barbosa de
Magalhães, deputado aveirense e futuro Ministro da Instrução, é
elevado o Liceu de Aveiro a Liceu Central de Aveiro, tendo que
para isso custear as despesas as 17 câmaras municipais do
distrito. Como estas não se entenderam de imediato, ficou a
decisão governamental sem efeito, por mais um ano.
Em 1919 passou a ser Vasco da Gama patrono do Liceu, não tendo o
ilustre navegador nada a ver com a história da cidade. Uma
decisão claramente política e tomada sem a audição do Conselho
Escolar.
Na parte final da 1ª República cresce a importância do Liceu de
Aveiro a nível nacional. Os acasos da história fizeram com que
um conjunto raro de professores de elevada qualidade pertencesse
aos quadros do Liceu. Desde 1916 era seu professor José Pereira
Tavares. Em 1918 entra para a escola Francisco Ferreira Neves.
José Barata chega em 1919 e em 1920 Álvaro Sampaio. Mais tarde
hão-de chegar Armando Dias Coimbra (1923), Fernando Morais
Zamith(1924), Pedro Gradil(1926), Luís Tavares de Lima (1926) e
Alberto Martins de Carvalho (1926). No princípio dos anos 30
há-de chegar Agostinho da Silva que, segundo José Pereira
Tavares, "foi demitido do cargo de professor liceal (...) por se
negar a assinar a declaração, exigida a todos os funcionários,
de não pertencer a qualquer associação secreta!” Naturalmente,
não é isso que reza na sua ficha biográfica... Enfim, uma
plêiade de professores reunidos como raramente há-de acontecer
ao longo da história de um Liceu. Estavam lançadas as bases para
o "período de ouro" do Liceu de Aveiro, que havia de ser a parte
inicial do Estado Novo. É também por esta altura que a primeira
professora lecciona no Liceu de Aveiro, Deolinda Armanda da
Cruz, licenciada em Filologia Clássica, durante o ano de
1929/30.
Mas ter-se-ia de esperar 20 anos até haver uma professora
efectiva.
Coincide com o princípio da Ditadura a entrada de José Pereira
Tavares para a reitoria do Liceu, ele que já fora reitor
interino durante alguns meses, no ocaso da República. Uma das
primeiras acções do novel reitor será, logo em 1926, como
fervoroso admirador de José Estêvão, diligenciar para que o
Liceu se passe a chamar Liceu de José Estêvão, o que acontece a
12 de Maio de 1927, designação que viria a cair em desuso na
década de quarenta, passando então a chamar-se Liceu Nacional de
Aveiro: Salazar proíbe os patronos em localidades que não
tivessem mais que um Liceu.
Aquilo que designamos por "período de ouro" da história do Liceu
de Aveiro acontece entre 1926 (admitimos que esta data poderia
ser anterior) e o início dos anos 40, altura em que a Mocidade
Portuguesa começa a estar omnipresente nos Liceus e a cercear a
criatividade e a liberdade de professores e alunos. Durante esse
período a actividade cultural do Liceu é de rara importância. É
o Liceu que organiza o 1º Congresso da Associação dos
Professores dos Liceus, de que foi máximo dirigente e
secretário-geral Álvaro Sampaio. É no Liceu que funciona a sede,
redacção e alma da revista “Labor”, por muitos considerada a
mais importante revista ligada à educação, pelo menos
durante este período. É durante a década de 30 que Mário
Sacramento e outros alunos publicam a “Voz Académica”, a voz
livre de uma academia que não suportava viver amordaçada. É por
esta altura que Fidelino Figueiredo, Luís Carrisso, Jaime
Magalhães Lima, Joaquim Carvalho, Hernâni Cidade, Bento Carqueja
e tantos outros, honram o Liceu com a sua presença.
O período do Estado Novo também é marcado pela construção de um
novo edifício para o Liceu de Aveiro. Durante os anos 30 e 40 o
Liceu debate-se com falta de espaço e decide-se a construção de
um novo edifício.
Entre a decisão política e a efectivação da mesma mediaram ainda
longos anos. O Governo exigia à Câmara Municipal contrapartidas
(como sempre): a aquisição do antigo edifício pelo preço de 1500
contos e a compra do terreno para a o novo edifício. O projecto
fica concluído em Agosto de 1947, ano em que a Câmara Municipal
aprovou um empréstimo de 920 contos para a compra da Quinta das
Agras.
As obras iniciaram-se a 16 de Agosto de 1948 e concluíram-se em
Abril de 1952. A entrega oficial veio a fazer-se no dia 25 de
Maio, hoje dia da Escola. A 13 de Outubro de 1952, foi
solenemente inaugurado o edifício, ao mesmo tempo que se
iniciava um novo ano lectivo. Edifício em tudo semelhante ao
actual, com excepção da ala sul, posteriormente construída,
ainda que muitos espaços tenham hoje uma utilização muito
diferente daquela que foi a inicialmente prevista.
No ano lectivo de 1947/48 tinha sido criada a secção Feminina,
secção essa que durante anos funcionará no mesmo edifício que o
Liceu propriamente dito, sem possibilidade de autonomização,
mesmo no novo edifício. É o que reconhece Pereira Tavares no
Relatório respeitante ao ano de 1953/54 onde afirma que "[d]esde
a primeira hora (...) se mostra que o número de salas é
insuficiente para a perfeita e rigorosa instalação da Secção
Feminina. Com mais seis salas desapareceriam todos os
inconvenientes”. Isto numa Escola inaugurada havia dois anos....
Mas reconheça-se o crescimento da população escolar: 685 alunos,
dos quais 314 raparigas. Não tardaria muito que os rapazes
estivessem em minoria.
Continuava a ser reitor do Liceu José Pereira Tavares, natural
da Bemposta, concelho de Oliveira de Azeméis, mas aveirense por
opção, figura cimeira e emblemática da história do Liceu. Aluno
brilhante durante cinco anos (1902 a 1907), regressa a 1 de
Novembro de 1916 como professor do Liceu Central de Aveiro para
só sair... a 30 de Janeiro de 1957, no dia em que, perfazendo 70
anos, foi jubilado por limite de idade. Autor de livros
didácticos, organizador de textos científicos e literários,
criador e encenador teatral, pedagogo e dirigente da revista
Labor, divulgador das coisas da sua terra adoptiva no Arquivo do
Distrito de Aveiro, de tudo um pouco fez José Pereira Tavares.
Aveiro homenageou-o há pouco dando o seu nome ao Centro de
Formação de Escolas do Concelho de Aveiro: o Centro de Formação
José Pereira Tavares. Homem íntegro como poucos, escreverá,
lapidarmente, num relatório oficial a propósito de uma homenagem
“Ao Sr. Presidente do Conselho” : “Fez-se, cumprindo ordens
superiores”.
O último reitor foi Orlando de Oliveira e dele se lembrarão
certamente muitos dos presentes. Nascido em Viseu em 1908,
aparece pela primeira ligado a Aveiro em 1930, quando aqui é
colocado como professor provisório. Há-de regressar em 1946 e
será reitor entre 1957 e 1974. A cidade deve-lhe importantes
benefícios: a criação de uma secção do Instituto Comercial do
Porto, futuro ISCAA; a criação e instalação do Conservatório
Regional Calouste Gulbenkian e, acima de tudo, a campanha pela
criação da Universidade de Aveiro, em artigos inflamados na
imprensa local. O Liceu deve-lhe importantes melhoramentos como
a ampliação do edifício principal, a construção do Pavilhão
Gimnodesportivo e a recuperação do edifício da Praça da
República. O ensino deve-lhe o empenho na criação das secções
liceais de Oliveira de Azeméis, Ovar, Vila da Feira e Águeda. O
país deve-lhe a organização do VI Congresso do Ensino Liceal, no
Liceu Nacional de Aveiro, entre 14 e 17 de Abril de 1971, sendo
Orlando de Oliveira Presidente da Comissão Executiva.
Com o 25 de Abril de 1974 alterações profundas se dão na
direcção do Liceu. A 30 de Abril, na reunião do Conselho
Disciplinar, o reitor informa da sua intenção de apresentar
atestado médico, "pelo que entregava a direcção da escola ao seu
legal substituto”. Mas, na mesma tarde, "deu entrada na
secretaria do Liceu um requerimento do senhor reitor a pedir a
exoneração do cargo”.
Ficava o poder entregue ao vice-reitor, José Gomes Bento, que,
na reunião de 1 de Agosto do Conselho Escolar, já aparece com o
cargo de Presidente da Comissão de Gestão, comissão homologada
por ofício de 9 do mesmo mês. Na reunião de 10 de Setembro José
Gomes Bento fala do seu pedido de demissão e declara já não dar
aulas "em Outubro próximo".
Terminava assim, em definitivo, o velho modelo de gestão dos
Liceus. É então o tempo das Comissões de Gestão. Aproximava-se o
tempo em que os próprios Liceus iriam estar em causa.
É este também o meu Liceu. Fui seu aluno nos anos quentes da
Revolução em que as RGAs se sucediam e os saneamentos eram
vulgares. Fui dos últimos alunos do Liceu de Aveiro que pouco
depois seria extinto, dando lugar a uma Escola Secundária. Esta,
honrando o seu passado, escolheu para patrono, naturalmente,
José Estêvão Coelho de Magalhães.
No final dos anos 70 e inícios dos anos 80 a Escola assistiu,
finalmente, à democratização do acesso ao ensino e foi um dos
mais concorridos estabelecimentos de ensino secundário em
Portugal.
Desses tempos recorda-se a gigantesca mole humana, que no fim de
cada turno entrava e saía da Escola. Foi o tempo dos Conselhos
Directivos e o início da Gestão Democrática.
Agora novos tempos se perfilam. Já não é o número mas a
qualidade que nos deve nortear. São os desafios do novo século
aqueles a que temos que responder. Saibamos honrar a memória
daqueles que nos precederam e numa relação cada vez mais
estreita com a cidade e os seus representantes, pensemos em
comum uma “Escola” que se quer sempre nova.»
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