Personagens marcantes
Os
Patronos
Na
memória que a escola tem de si mesma um nome é incontornável: José
Estêvão Coelho de Magalhães. Não por alguma vez ter passado pelas
cadeiras ou bancos do Liceu de Aveiro, mas porque é tido,
consensualmente, como principal responsável pela construção do primeiro
edifício do liceu. E com razão. Foi ele quem requereu, como já vimos,
«(...) que o governo mandasse fazer planta e o orçamento de um edificio
para estabelecer o Iyceu do distrito
/
37 / d'Aveiro.»(30).
Edifício que estaria concluído no final de 1859 e para onde se mudou o
Liceu Nacional a 15 de Fevereiro de 1860, conforme reza a tradição.
(31)
Não
esqueceram o liceu e a cidade o seu ilustre conterrâneo. A 21 de Outubro
de 1866 inaugurou-se o retrato de José Estêvão, que os alunos mandaram
colocar na Biblioteca. Em 1927, o então liceu de Vasco da Gama passa a
chamar-se Liceu de José Estêvão. Apesar de uma iníqua lei de 1947 ter
apagado José Estêvão de patrono do liceu o seu nome, mais uma vez, não
foi esquecido. Quando, no pós 25 de Abril, as escolas puderem livremente
escolher o seu patrono, naturalmente, o antigo Liceu Nacional de Aveiro,
passar-se-á a chamar Escola Secundária de José Estêvão.
Francisco
Manuel Homem Cristo, patrono da escola em cujo edifício funcionou
durante 92 anos o Liceu de Aveiro, foi aluno deste liceu durante a parte
inicial da década de 70 do século XIX. Não se deve à sua ligação ao
liceu a escolha para patrono de uma escola que fora de José Estêvão.
Deve-se, antes, à sua importância para a história de Aveiro. Desde 1882,
do alto do seu jornal “O Povo de Aveiro”, «vai zurzir em toda a gente:
no poder, nos correlegionários do Partido Republicano e
nos adversários
e inimigos, que tinha um pouco portodo o lado.»(32) Também essa
pena verrinosa foi utilizada para defender os interesses do Liceu de
Aveiro. Em 1887 participa activamente na campanha contra a mudança de
instalações do liceu, pois o «caso apaixonou a opinião pública e a
imprensa local. Homem Cristo, no Povo de Aveiro, abriu
violenta campanha
contra a mudança, e esta não se fêz.)»(33)
Dois Reitores
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Foi
Francisco Augusto da Fonseca Regala reitor do Liceu de Aveiro durante 15
anos, nomeado por decreto de 24 de Outubro de 1895 e demitido do cargo
logo após o 5 de Outubro, por decreto de 17 do mesmo mês, que demitia
todos os reitores dos liceus. Oficial da Marinha aposentado, deu novo
impulso a um liceu algo parado no tempo, em virtude da degradação física
de um edifício agora exíguo para uma população escolar em crescimento
exponencial. É o reitor que faz a transição para o regime de classes,
com a Reforma de Jaime Moniz. Durante o seu reitorado começa a
publicação dos Anuários, que, quase ininterruptamente, se hão-de
publicar até 1963. É ainda durante o seu reitorado que o liceu toma
posse definitiva de algumas salas até então ocupadas pela Administração
Pública. É, finalmente, durante a sua chefia que se começam a fazer
obras de adaptação e ampliação de que o liceu tanto necessitava.
Era, no
dizer de José Pereira Tavares, um Reitor.
(34)
José Pereira Tavares, natural da
Bemposta, concelho de Oliveira de Azeméis, mas aveirense por opção, é em
nossa opinião figura cimeira e emblemática da história do liceu. Aluno
(ilustre), durante cinco anos (entre 1902 e 1907) estuda no liceu de
Aveiro. Deixa a cidade para prosseguir estudos, primeiro no Porto e
depois em Lisboa, onde frequenta o Curso Superior de Letras durante os
primeiros anos do novo regime. Terminado o curso inicia a carreira
docente em
/ 38 /
Viseu, como agregado, mas passados poucos meses consegue colocação em
Aveiro, onde entra a 1 de Novembro de 1916. No ano seguinte efectiva em
Angra do Heroísmo, tem uma passagem virtual por Portalegre, mas uma
complexa permuta permite-lhe não sair de Aveiro, onde entra como
efectivo a 17 de Outubro de 1917 para só sair a 30 de Janeiro de 1957,
no dia em que, perfazendo os 70 anos, foi jubilado por limite de idade.
São pois 40 anos ao serviço da mesma escola, de que foi reitor durante
mais de metade desse tempo. Uma vida consagrada à mesma escola! Autor de
livros didácticos, organizador de textos científicos e literários,
criador e encenador teatral, pedagogo e dirigente da revista “Labor”,
divulgador das coisas da sua terra adoptiva no Arquivo do Distrito de
Aveiro, de tudo um pouco fez José Pereira Tavares. As escolas da cidade
de Aveiro homenagearam-no há pouco dando o seu nome ao Centro de
Formação de Escolas do Concelho de Aveiro.
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Fundadores de revistas de interesse nacional
Juntamente com José Pereira Tavares, fundou Álvaro Sampaio a revista
“Labor”, cujo primeiro número saiu em 18 de Janeiro de 1926. Da
importância da revista se tratará noutro lugar e, por isso, e só por
isso, o nome de Álvaro Sampaio pode parecer diminuído. Professor
do Liceu de Aveiro desde Outubro de 1919, foi Presidente da Câmara
Municipal de Aveiro a partir de 1944. Regressou ao Liceu em 12 de Maio
de 1957, por ter sido exonerado, a seu pedido, das funções de Presidente
da Câmara Municipal de Aveiro. Tinha organizado o 1.º Congresso da
Associação dos Professores, em 1927, como já se viu. Aposentou-se em 1
de Setembro de 1957.
Francisco
Ferreira Neves,
natural da freguesia da Vera-Cruz, concelho de Aveiro, fundou,
juntamente com José Pereira Tavares e António da Rocha Madaíl o “Arquivo
do Distrito de Aveiro”, obra imprescindível onde foi sendo publicada ao
longo de décadas parte importante das fontes, da memória e dos estudos
sobre a região de Aveiro. Francisco Ferreira Neves, bacharel em
Matemática, foi, ao mesmo tempo, ilustre professor do liceu de Aveiro,
que serviu desde 1918 até ao dia 1/10/1961, data em que requereu a
aposentação. Uma enormidade de 43 anos... Mas a sua ligação ao liceu é
bem mais profunda. Iniciou os seus estudos liceais em 1905, no liceu de
Aveiro, onde viria a concluir a 2.ª secção do curso geral em 1910, tendo
sido agraciado com o Prémio Governador Civil, Nicolau Anastácio
Bettencourt, instituído pela Caixa Económica de Aveiro, por ter sido
aprovado com distinção, no exame da 2.ª secção.
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Um professor de passagem
Teve breve (1933/35) passagem pelo Liceu
de Aveiro George Agostinho Baptista da Silva. Breve, mas que nem
por isso deixou de ser marcante. Quer pelas marcas pedagógicas que
deixou, quer pelo interesse que demonstrou pelo associativismo juvenil
(foi ele quem dinamizou a Associação Escolar) e proferiu a Oração de
Sapiência na sessão solene de abertura do ano lectivo de 1933.
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39 /
Apesar de
não ser isso que reza no registo biográfico da escola, diz José Pereira
Tavares que Agostinho da Silva «foi demitido do cargo de professor
liceal (…) por se negar a assinar a declaração, exigida a todos os
funcionários, de não pertencer a qualquer associação secreta!»(35)
Dois
ilustres alunos
O
bairradino
Arlindo Augusto Pires Vicente, natural do Troviscal,
Oliveira do Bairro, onde nasceu a 5 de Março de 1906, fez todo o seu
liceu em Aveiro. O futuro candidato à Presidência em 1958, nas suas
próprias palavras, há-de reconhecer mais tarde a importância da sua
passagem pelo liceu: «Aveiro, a vinte quilómetros da minha aldeia, é uma
cidade limpa, arejada e liberal, religiosa e politicamente. (…) Ali fui
educado – grandes professores e notáveis exemplos humanos!
Aprendi a
amar a liberdade e a respeitar o próximo e a defender os humildes.»(36)
Se a faceta política é possivelmente a mais conhecida, não deixa Arlindo
Vicente de ser um notável homem das artes plásticas. Pelo 3.º ano do
liceu obteve uma classificação de 20 valores pelo seu desenho de uma
"Vénus de Milo". Pinta, a pedido do reitor, um Vasco da Gama, patrono do
liceu e ilustra para José Pereira Tavares um livro escolar, quando
contava apenas 14 anos. Dele dirá Eduardo Cerqueira, o jornalista
aveirense de quem foi íntimo, que «(…) ganhara entre os condiscípulos e
jovens amigos, e entre os próprios mestres um singular prestígio pelos
seus natos predicados artísticos.»(37)
Mário
Emílio de Morais Sacramento,
ilhavense de nascimento mas aveirense de adopção, médico abnegado,
ensaísta lúcido e lutador democrático que a morte ceifou sem "saber qual
a cor da liberdade". Foi um antigo aluno do liceu de Aveiro, onde
dirigiu a Academia e deu luz a um jornal que a censura não tardou a
amordaçar. Refere-se assim, na sua obra póstuma à sua passagem pelo
Liceu José Estêvão, de que foi aluno durante grande parte dos anos 30:
«É certo eu estava no 7.º ano do liceu e era presidente da Academia, 10
de Junho de 1938. Íamos comemorar mais uma vez o dia de Camões. (…) Como
também era director do “A Voz Académica”, que foi suprimido pela Censura
e ecoava as tendências progressistas da época, representadas pelo
“Diabo” e pela “Seara”, o meu nome era já vagamente conhecido nos meios
estudantis (...).»(38) Por este motivo, foi parar aos calabouços
da P.V.D. Era a sua primeira prisão.
Um funcionário quase eterno
Entre os
dez nomes que decidimos escolher para, de alguma forma, personificar o
Liceu de José Estêvão, gostávamos que estivesse alguém que normalmente
não deixa rasto nos livros de registo: um representante daquilo que se
costumava chamar os "empregados menores". A tarefa não foi naturalmente
fácil e os traços que vamos deixar não passam de um esboço. Mas José
Nascimento Correia, o José Pardal bem o merece. Os livros
escolares referem-no como funcionário do liceu desde 1866 até 1920.
Sempre são 54 anos a merecer o nosso
/
40 /
reconhecimento. E em discursos proferidos durante as comemorações do 1.º
centenário do Liceu, José Pardal, decerto há muito falecido, volta a ser
falado, quer pelo próprio reitor, José Pereira Tavares, quer por
Fernando Magano, antigo aluno e vice-reitor da Universidade do Porto.
Este último refere-se-lhe assim: «Estou a ouvir a sineta, ali ao dobrar
da escada... e a ver o José Pardal, alto, esguio e tão alto como a
vara
do badalo: uma, duas... nove horas na «torre da cadeia» e logo, a sineta
a dobrar; primeira classe, primeira turma...»(39) Enfim, mais
pontual que qualquer campainha eléctrica de tempos mais recentes!
_______________________________
(30)
– José Estêvão, citado por Marques Gomes, Memórias de Aveiro, Aveiro,
1875, p. 201.
(31)
– Ver nota 25, anterior.
(32)
– Carlos Costa, Percursos de Homem Cristo [...}, Lisboa, 1996
(tese de mestrado policopiada).
(33)
– José Pereira Tavares, História do Liceu de Aveiro, “Arquivo do
Distrito de Aveiro”, Aveiro, vol. lll, p.147.
(34)
– Idem, p. 221.
(35)
– José Pereira Tavares, Exame de Consciência, Aveiro, 1999, p.
125.
(36)
– Arlindo Vicente, citado por António Pedro Vicente, “Revista da
História das Ideias”, «Do Estado Novo ao 25 de Abril», Coimbra, 1995, p.
611.
(37)
– Litoral, Aveiro, 2 de Dezembro de 1977.
(38)
– Mário Sacramento, Diário, Porto, 1975, pp. 16-17.
(39)
– Fernando Magano, citado por José Pereira Tavares, Livro Comemorativo
do 1.º Centenário do Liceu, Aveiro, 1951, p. 74.
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