Num
dos assíduos contactos com o coordenador Henrique J. C. de Oliveira,
prioritariamente por correio electrónico, chegou ao “teclado” o tema do
"Guia de Portugal" e a coincidência de ambos possuirmos o 3.º vol.
– Tomo I, dedicado justamente à Beira Litoral (segundo creio, Henrique é
o feliz proprietário da colecção completa). Todavia, não havia surgido a
oportunidade de trabalhar este tomo e converter o manancial de
informação, transmutando esses conteúdos em páginas acessíveis e
convidativas (a leitura do original não é particularmente ergonómica
devido ao tamanho de algum texto, podendo propiciar oftalmias!).
Poucos meses volvidos, projecto concluído. O amável
coordenador convidou-me a redigir uma 'nota introdutória'. Aceitei,
agradecendo a confiança depositada. Incumbência que o nosso incansável e
perspicaz arquivista e divulgador raramente delega. É um privilégio para
um seguidor de longa data deste magnífico Arquivo, destarte numa
colaboração mais próxima, poder apresentar as fascinantes páginas que
percorrem a nossa região, disponibilizadas para gáudio de todos os que
apreciam estas paragens…
Optou-se por uma despretensiosa contextualização da
publicação da série, escrutinando alguns aspectos pontuais
relevantes ou apenas curiosos. Como se refere adiante, há um percurso
interessante, da génese às peripécias que acompanharam algumas das
edições, num intervalo de muitas décadas, atravessando diferentes "Portugais".
Elaborado a partir de fontes secundárias facilmente consultáveis e
poupando na redundante descrição deste volume (i.e. intervalo de
páginas) concreto, aqui eficientemente indexado, remetendo para a ficha
técnica, elenco dos colaboradores e índice sequencial.
O Guia de Portugal
“Mas não um comentário morto, um simples roteiro, um
inventário inerte e sêco, antes um livro que ajudasse a sentir a beleza
das paisagens e das obras de arte, a entendê-las, a apreendê-las nas
suas mútuas relações e a situá-las nos seus quadros naturais. O meu
intento, numa palavra, foi fazer dêste Guia a geografia pitoresca de
Portugal, para ser lida com os exemplos concretos em frente dos olhos.
Assim compreendida a obra, creio que a forma que lhe dei foi,
naturalmente, a mais conveniente e adequada.”,
(Proença, Raul – “Prefácio”, Proença, Raul (org.), Guia
de Portugal, Lisboa, Biblioteca Nacional de Lisboa, 1927, Vol. II,
pág. XXXV).
O estro de Raul Sangreman Proença (1884-1941),
«extraordinário bibliotecário e ideólogo pugnaz», segundo Sant'Anna
Dionísio (1),
com a sua introspectiva concepção de “viagem” que é também
"descobrimento", está na génese deste empreendimento. Júlio J. da Costa
Rodrigues da Silva sublinha a dupla natureza desta obra preocupada, por
um lado, em responder às necessidades do turismo em Portugal nos inícios
do século XX e, por outro, em ser um itinerário ou inventário
cultural do País. E acrescenta a singularidade
deste trabalho editorial "pela forma como foi idealizado e realizado por
Raul Proença, mas igualmente pela maneira como foi continuado, depois da
sua morte em 1941, por Sant’Anna Dionísio."
(2)
O projecto germinou na Biblioteca Nacional, então
dirigida por Jaime Cortesão, onde Raul Proença era bibliotecário. A
publicação, iniciada em 1924 só terminou em 1969. Este Guia, que
passou a fazer parte dos nossos "lieux de mémoires" (analogia com os
lugares repositórios das nossas memórias, conceito popularizado pelo
historiador francês Pierre Nora), tem todos os ingredientes dos grandes
enredos: para começar, "atravessou três regimes políticos se entrarmos
em linha de conta com o prefácio de Sant’Anna Dionísio de 1979 e com a
2.ª e 3.ª reimpressões a última dos quais em 1991" (Rodrigues da Silva,
2010: 138), depois o notável reconhecimento internacional, pois os
célebres Guides Bleus da Hachette convidam Proença (então
exilado em Paris por haver combatido a ditadura militar, 1926), em Maio
de 1928, a produzir o volume referente a Portugal; gerou acinte nas
polémicas e diatribes em alguns jornais; concitou quase sempre a
colaboração de um conjunto de literatos, cientistas e artistas do mais
elevado calibre nacional e regional (autêntica "Plêiade"); por fim, o
drama pessoal de Proença, a sua doença (foi cirurgicamente
intervencionado segundo procedimento pioneiro inventado pelo ilustre
médico avancanense Egas Moniz, isto é, António Caetano de Abreu Freire)
e morte precoce. O empenho de Sant'Anna Dionísio, seu “paladino”
incansável (que afirmou ser "o perscrutante e vigoroso espírito de Raul
Proença") perpetua as colaborações e persiste no projecto, mais tarde
agilizado com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian (o 1.º presidente,
Azeredo Perdigão, fora amigo pessoal de Raul Proença e tivera ligações à
Seara Nova).
Fomos, neste momento da nossa contextualização,
conduzidos às peripécias mais “esquivas” pois queríamos ponderar a
originalidade dos textos doravante disponibilizados. Desde já,
tratando-se do 3.º volume, uma edição coordenada por Sant'Anna Dionísio,
pouco havia a “temer”. Mas o leitor curioso pode
apreciar o seguinte esboço das vicissitudes sofridas pelos dois
anteriores volumes, fruto das circunstâncias e sensibilidades. Seguimos
a pertinente exposição de Luís Prista: "Para a edição do Guia de
Portugal" (3).
Aqui, somos informados de que "os exemplares da segunda edição [do 1.º
volume] haviam sido recolhidos em virtude de o seu texto se afastar do
da primeira edição". Por isso, edições posteriores esclarecem no
frontispício que se trata do "texto integral que reproduz fielmente a
1.ª edição...". Em finais de 1927 sai, ainda com a chancela da
Biblioteca Nacional, o 2.º volume ("Estremadura, Alentejo e Algarve").
Este segundo livro da série despoleta polémicas e acesas trocas de
argumentos envolvendo Proença em jornais da época. A orla sul do país
estrebuchou. pois rezaria o roteiro que "não é azul o sol do Algarve;
que não prestam os nossos vinhos; que são feias as mulheres algarvias"
(um farense, anónimo, "Algarve no Guia de Portugal", Correio do Sul,
17 de Junho de 1928, apud Daniel Pires (org.) "Raul Proença –
Polémicas", Publicações Dom Quixote, 1988, pág. 673). Falecido Raul
Proença, foi, como vimos, Sant'Anna Dionísio o editor e coordenador das
edições sequentes. Após o 3.º volume, foi somente na década de sessenta
que a série foi retomada por iniciativa da Gulbenkian. Entretanto,
surgem reedições dos títulos da década original, em edições nas quais
Sant'Anna Dionísio procurará "adequar" passagens segundo uma dinâmica
muito própria de "aggiornamento", nem sempre congruente. Após
aquilo a que Prista chama uma "quase-emissão [edição?] com ortografia
actualizada" (ibid., 275) e simples actualizações de conteúdo, surgem
alterações de acordo com [tipologia é do autor citado: 278, quadro 2]:
novas prioridades; aperfeiçoamento da expressão; exclusão dos deícticos;
restrição da euforia/arrogância; moderação da irreverência linguística
(substituindo, e.g., "Connosco e com a Espanha usou então a
França uma torpe política de burlices" por "Connosco e com a Espanha
usou então a França uma lamentável política de duplicidades"); suposta
"depreciação" de figuras (e.g., "A vida de Afonso Henriques, um
chefe guerrilheiro, decorreu em lutas com Leão e os Sarracenos" por… "A
vida de Afonso Henriques, guerreiro verdadeiramente homérico, decorreu
em lutas com Leão e os Sarracenos"), valorização do movimento liberal,
"condimentação" da perspectiva política, etc. Edita, amiudadamente,
trechos de Proença ou António Sérgio: particularmente os aspectos mais
"eufóricos" do primeiro e o enfoque na relevância da economia nos textos
do segundo. Mas também emendou manuscritos de Aquilino Ribeiro, Afonso
Lopes Vieira ou Eugénio de Castro!
Assumiu o que considerava uma "missão". Adaptou,
por vezes à revelia, editando segundo as suas idiossincrasias e, talvez,
o "politicamente correcto" (como hoje diríamos).
Desconhecemos a amplitude das (improváveis) alterações no "nosso" 3.º
volume, francamente indetectáveis nos detalhes ou na comparação com
publicações coevas. Tudo nos parece pristino (particularmente o material
"efémero", isto é, transportes e vias, mapas e toponímia, indústrias,
estabelecimentos comerciais, feiras e certames, etc.) mas somente uma
comparação de edições nos poderia elucidar. Os volumes mais antigos, em
particular o que contemplava Lisboa e arredores, pela sua idade e
visibilidade, estiveram mais expostos a actualizações e "melhoramentos".
Também se verificam, em reedições, algumas diferenças no
estilo de paginação, no papel, troca de tipos e de palavras, ausência
dos anúncios que apareciam em folhas sobrantes,
et caetera.
Voltando às linhas iniciais, o audacioso projecto
inseriu-se numa tendência abrangente (Portugal, ainda na 1.ª República,
enviou delegações aos congressos transnacionais que então se
realizaram). O despertar para as oportunidades e
interesse do turismo reflecte-se na boa
recomendação do pretérito
"Guia de Évora" (espécie de esboço preparatório para o que virá a
seguir) e do sequente Guia de Portugal por
parte da
Repartição de Turismo e da Sociedade de Propaganda
(4). Proença
esclarece o desiderato:
“Não poderia êle pensar em fazer do Guia de Portugal um
album esplenderosamente ilustrado, com sua encadernação magnífica, para
ter o fútil destino de ornamentar as estantes e os móveis das saletas, e
servir, quando, muito, de diversão nos longos serões familiares. Não lhe
sorriu nunca êste destino de bonzo doméstico. Antes, pelo contrario,
quis fazer dêle um comentário vivo, um companheiro de viagem, um fácil e
constante colaborador, pronto a ser consultado a cada momento, diante de
cada trecho de arte ou de paisagem, e a guiar mesmo os portugueses nos
seus passeios e peregrinações. Como é evidente que ninguem viaja com uma
edição monumental, êle tinha, pois, de ser concebido e realizado como um
livro portátil que se pudesse folhear a todo o instante – ante cada
pedra, cada escultura, cada quadro, cada panorama, cada aspecto novo
duma estrada.”
Proença, Raul, “Prefácio”, Proença, Raul (org.), Guia de Portugal,
Lisboa, Biblioteca Nacional de Lisboa, 1927, Vol. II, pág. XXXIV-XXXV).
Resumindo a exposição de Rodrigues da Silva (2010: 141),
os antigos Guides Joanne e Baedeker, iniciados ainda no
século XIX, evoluiriam da descrição dos itinerários acessíveis por
ferrovia ou estrada (numa perspectiva paisagística) para a
descrição sistemática de regiões históricas e naturais (como virá a
acontecer nos conhecidos Guides Bleus). Mas Proença vai para além
do "esquema" convencional e opta por uma estrutura mais fragmentária e
dispersa que evita o básico e simplesmente utilitário (todavia suportada
por introduções gerais), naquilo a que chamou o "film pitoresco
do país". Como o citado autor judiciosamente refere (ibid., 140), o
projecto pretendia, preferencialmente, ser
um meio de conhecimento de Portugal pelos
portugueses,
promovendo uma visão "...que hoje nos parece arcaica pela oposição que
estabelece, de forma pouco clara, entre o viajante e o turista, mas que
corresponde às designações internacionais da época e à evolução da
concepção do turismo desde o século XIX." Daí, conclui, a reiterada
utilização dos termos “viajante”, “viajor” ou “viajeiro” para designar o
itinerante português. Proença previa futuros resumos noutros idiomas
para utilização por parte dos turistas estrangeiros.
Vítor André Leitão de Sá, “Guias de turismo:
perspetivas sobre Portugal entre os séculos XIX e XX”
(5),
refere as pretenções de Proença (1924,
pp. LIX–LX), que, sendo influenciadas, vão mais além das do célebre
Baedeker alemão. Elenca-as:
a) – Um minucioso roteiro do país;
b) – Um repertório artístico do país;
c)
– Uma sóbria literatura descritiva;
d) – Uma antologia da literatura
pitoresca;
e) – Um testemunho dos estrangeiros sobre
Portugal;
f) – Bibliografia escolhida do que se tem
escrito sobre Portugal.
Tudo isto nos primórdios do desenvolvimento do turismo no
nosso País. Demais, como Leitão de Sá verifica (ibid., pág. 206), "esta
obra procura também glorificar a pátria portuguesa, a paisagem e as suas
gentes e tradições, ficando plasmado também em muitas passagens ao longo
dos textos que a compõem":
"Só por si, o maravilhoso céu de Portugal justificaria
uma viagem de turismo."
(Proença, 1924, pág. 119).
Avançando para os anos 40, a publicação do 3.º volume do
Guia de Portugal pela Biblioteca Nacional de Lisboa deveu-se em
parte à acção de Júlio Dantas (Inspector Superior das Bibliotecas e
Arquivos), colaborador desta obra desde os primórdios
e António Luís Gomes (Director Geral da Fazenda Pública) e do próprio
Director da Biblioteca Nacional de Lisboa, o Tenente-Coronel Costa Veiga
(6). A sua
actual descrição bibliográfica, por exemplo na Rede BLX das
Bibliotecas Municipais de Lisboa (Proença, R., & Dionísio, S. (1944).
Guia de Portugal: Beira. Biblioteca Nacional de Lisboa), revela-nos
que se tratava de cartapácio com 1006 páginas que abrangia toda a vasta
região Beirã. Este volume, por ser especialmente volumoso, viria a ser
repartido em dois tomos nas edições a partir da década de 1980.
É a partir daqui que chegamos ao “nosso” volume, impresso
pela Gulbenkian (ver ficha técnica). Novamente dado à estampa (doravante
o Tomo I de dois que são dedicados às Beiras) e apresentado pelo
mesmo Sant'Anna Dionísio, volvidas quatro décadas. Mas será uma
apresentação? Antes um pequeno ensaio algo distante, minucioso nas
peripécias de alguns percursos de manobras bélicas (em particular do
contexto das invasões napoleónicas) nas Beiras, desfasado de qualquer
celebração do novo formato, talvez entediado pela circunstância de tudo
já estar explicado, pois é o que acontece aos "clássicos".
Sentem-se, por vezes, ecos retrospectivos. Estamos nos
anos 40 e ainda há memórias das "escaramuças" entre monárquicos
("rebeldes") e republicanos que aconteceram na nossa região (já depois
da I Grande Guerra, foram os tempos da "Traulitânia" e de figuras
incontornáveis como Paiva Couceiro, que ainda hoje habitam a nossa
memória colectiva). Interessante e peculiar é a detalhada evocação
(ainda mais longínqua) de curiosos ou dramáticos episódios da Guerra
Peninsular. Algumas referências políticas contemporâneas, somente
institucionais, sem excessos laudatórios.
O vade mecum acautela os aspectos práticos no seu
desenho, do formato à utilização de convenções como os asteriscos
(já utilizados no pioneiro Baedeker) para identificar os mais
exímios exemplos paisagísticos ou patrimoniais. [Código de asteriscos
adoptado: (*) notável,
(**) muito notável,
etc.].
A mancha de texto é densa, dois tamanhos de fonte,
povoada de abreviaturas. O recurso às estampas ou fotografias é reduzido
ao essencial, incluem-se mapas desdobráveis. O "formato" e expedientes
gráficos não podem ser dissociados da funcionalidade específica e, por
outro lado, dos imperativos técnicos da respectiva impressão. A
informação é diversificada e actualizada (alojamentos, tipologia das
vias e estradas, localização, distâncias e até o lado da via em
que o viajante encontrará a próxima estação ou apeadeiro).
Na vanguarda do seu tempo, temos a acção "turistizadora"
e de propaganda (no sentido coevo, sem pejoração). Um magnífico acervo
de contributos, pontuando alguns dos nossos melhores escritores e
descritores de paisagens e quotidianos (Raul Brandão, Ferreira de Castro
e tantos outros). Também digno de referência o interpolado enfoque
científico e técnico (geológico, biológico, económico e estatístico),
decerto datado, como é da essência destas disciplinas. Obviamente a
etnografia, a arqueologia e a história por notáveis e ousados
inquiridores (e.g., Alberto Souto, Rocha Madahil): das origens
dos nossos povoados a remotas influências mediterrânicas, de misteriosas
orlas descritas por Avienus à localização da furtiva Talábriga.
Sem esgotar este tímido desvelar do variegado conteúdo,
refiram-se as eruditas descrições, tantas vezes gráficas e vivazes, dos
mais conspícuos monumentos de que podemos desfrutar aqui tão perto. E
valerá a pena, na próxima visita, levar connosco
essas descrições!
Guia e documento cativante, ponte para a nossa memória. Prosa magnífica
que descreve este chão que sobe da macia planície de esteiros e “cales”
até às lâminas xistosas e granitos intemporais das imponentes terras
altas do nosso Distrito.
E assim se estaciona no intervalo entre as páginas 464 e
623, confinando o que na nossa região se situa na Beira Litoral.
Material cuidadosamente interpretado e convertido para um formato
digital acessível e interactivo. Profusão de textos, algumas fotografias
e mapas (edição de imagem pelo coordenador do Arquivo), servidos pela
múltipla e funcional indexação a que já estamos habituados. Vale a pena
ler. Há coisas perenes neste "livrinho" e, hiperbolizando, nada se lhe
compara em minúcia, densidade, interesse e, aqui e além, no sentido do
maravilhoso!
"(...) Começam a luzir no céu e na ria ao mesmo tempo
miríades de estrelas. Vida livre dalguns dias, de que fica um resíduo de
beleza que nunca mais se extingue. É a ria também sítio para os que
querem descobrir novas terras à proa do seu barco e para os que amam a
luz acima de todas as coisas. É este talvez o ponto da nossa terra onde
ela atinge a beleza suprema. Na ria o ar tem nervos. A luz hesita e
cisma e esta atmosfera comunica distinção aos homens e às mulheres, e
até às coisas, mais finas na claridade carinhosa, delicada e sensível
que as rodeia. A luz aqui estremece antes de pousar..."
Brandão, Raul, “Impressão Geral da Ria” (excerto);
Dionísio, Sant'Anna (org.), Guia de Portugal, Fundação Calouste
Gulbenkian, 1984, Vol. III, pp. 505-6.
P.S. – Atendendo ao nosso indissimulável
interesse neste Guia, decidimos a publicação online da
"prequela", introdução abrangente que nos convida a conhecer as Beiras
no seu todo, diverso e plural. A contextualização explora a simbiose
entre o território e o elemento humano.
A seguir a uma descrição geográfica,
nomeadamente «fito-geográfica» e morfo-geológica, o roteiro envereda
pela etimologia, esboço histórico, manifestações artísticas e artesanais
e pelo inventário do mais prestigiado património beirão. Os conteúdos,
respeitando o propósito de uma publicação deste jaez, devem ser
evidentemente contextualizados na década de 1940 (sendo alguns
respaldados em notícias e resumos ainda mais antigos, como somos
informados numa nota acerca da resenha geográfica do Prof. Silva Teles,
por sinal dificilmente obsoleta na sua tempestiva exposição das
disposições geológicas e climáticas). Noutro capítulo, requintes
etimológicos acerca da origem da designação "Beira", que desconhecíamos
constituir tão misterioso arcano. Mais adiante ("Alfarge"),
assinalamos algumas opiniões expendidas que decerto exageram na
atribuição de tantas manifestações de artesania decorativa à inspiração
mudéjar, num quase "pan-alfargismo" (perdoem-nos o desajeitado
neologismo). Refira-se ainda o rigoroso estudo de Reinaldo dos Santos
acerca da pintura de origem beirã a partir da figura pivotal de Grão
Vasco.
Num segundo conjunto de excertos,
adicional de informação acerca do castiço e pitoresco da Beira Litoral.
Aqui encontramos devotados testemunhos do "ethos" da nossa região.
Textos pungentes, de Raul Brandão, que nos envolvem nas labutas
quotidianas (dos almocreves e vendedeiras ao frémito da pesca de
arrasto com barcos em meia-lua) e um inestimável contributo de
Rocha Madahil tocando o trajar e coloridos fragmentos dos costumes e
folclore.
Sant'Anna Dionísio, o exigente editor (e
co-autor), encontra, numa rara confidência, oportunidade para lamentar
(sem ambages) as «limitadas disponibilidades de material de composição
tipográfica disponíveis para este volume» (relativamente aos dois
pretéritos), e como este poderia ser mais completo nas opções de
consulta e referenciação cruzada (pág. 44). Como veria Sant'Anna uma
implementação interactiva, como esta a que o benevolente leitor agora
acede?
Aveiro,
11 de Março de 2023
Rui Teixeira
________________________________
(1)
– Dionísio, Sant'Anna
–
"Guia de Portugal"; 1979, Fundação Calouste Gulbenkian, pág. III)
(2)
– Silva, Júlio Joaquim da Costa Rodrigues da
–
"À Descoberta de Portugal": o "Guia de Portugal"
de Raul Proença"; comunicação, Universidade Lusíada, 2010.
(3)
– Prista, Luís
–
"Para a edição do Guia de Portugal", Dissertação
de Mestrado em Linguística Portuguesa Histórica, Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, 1992, policopiado.
(4)
– Cfr. Proença, Raul
–
Guia de Évora e seus Arredores. Espécimen do Guia de
Portugal, Lisboa, Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional, 1923,
(capa interior).
(5)
– Leitão de Sá, Vítor André
–
“Guias de turismo: perspetivas sobre Portugal entre os
séculos XIX e XX” (2020); [tese de doutoramento, DEGEIT -
Departamento de Economia, Gestão, Engenharia Industrial e Turismo,
Universidade de Aveiro].
(6)
– Cfr. Silva, Júlio Joaquim da Costa Rodrigues da
–
"À Descoberta de Portugal": o "Guia de Portugal" de
Raul Proença", Op. cit., p.138.
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