Notícia sobre a Associação Humanitária dos

Bombeiros Voluntários da Feira

«João António de Andrade»


Por Roberto Vaz de Oliveira

A primeira tentativa, que conheço, para a fundação de um corpo de bombeiros, na Vila da Feira, data de 1845.

Neste ano, a Câmara Municipal, da presidência de Bernardo José Corrêa de Sá, em sessão de 16 de Abril, aprovou o orçamento para o ano económico 1845-1846, averbando 120.000 réis «Para a compra de uma bomba para apagar incêndios».

Não encontrei semelhante previsão em orçamentos anteriores, como não vi exarada, nos livros das suas actas, do registo de contas ou de mandados de pagamento, qualquer referência à compra, ou lançamento, que titulasse a aquisição, ou pagamento, de material para a extinção de incêndios.

Entretanto, a mesma Câmara, tomava providências cautelares para os evitar, fazendo incluir, nas posturas aprovadas em sessão de 16 de Março de 1849, um capítulo referente a «chaminés», com disposições muito severas, restritas porém aos dois maiores centros urbanos do concelho.

«São obrigados os habitantes desta villa e Arrifana a limpar e expurgar todos os meses as chaminés das casas em que habitam, sob pena de que, ateando-se incêndio nas mesmas chaminés, por falta de limpeza, serão multados em quatro mil reis».

Salienta-se neste preceito, além do exagero nos prazos, a dureza da penalidade, tomando-se em conta o valor da moeda no século passado, o que reflecte um angustiante estado de espírito, talvez por estar bem viva a memória de grande calamidade.

Idêntica matéria só se repetiu na postura número 2 sobre «Incêndios e chaminés», aprovada pela Comissão Administrativa da Câmara Municipal em reunião de 7 de Agosto de 1937, cujas disposições ainda estão em vigor.

É curioso notar que, no código de posturas aprovado em sessão extraordinária da mesma Câmara Municipal de 29 de Maio de 1883 (o único que mediou entre as de 1849 e a de 1937), não se incluíram disposições tendentes a evitar os incêndios ou providências para acautelar a limpeza das chaminés, o que é para estranhar.

Na sessão da Câmara Municipal de 8 de Janeiro de 1876 − o Dr. Joaquim Vaz de Oliveira, na qualidade de seu vice-presidente, apresentou uma série de propostas que ficaram célebres nos anais do município.

Entre elas figura uma (número XXV) pedindo para «se tomar em consideração a necessidade da compra de uma bomba para incêndios» sendo nomeada uma comissão para o seu estudo, formada pelo proponente e pelos seus colegas, advogados e vereadores, Dr.s António Augusto de Araújo e Melo e Francisco Correa de Pinho, inscrevendo-se, no orçamento de 1876-1877, a rubrica «Despesa com uma bomba de incêndios e aprestes respectivos e com o pessoal: 300.000 rs».

Presidia ao município o advogado Dr. Manuel Augusto Correa Bandeira.

Nada resultou de útil, salientando-se que, desta vez, além do custo da aquisição de material já se vê o gasto com bombeiros.

A população continuou a albergar-se no cómodo adágio de que só se lembra de St.ª Bárbara quando troveja.

Talvez porque tivesse trovejado com força, em 1888 agita-se, de novo, a ideia da organização do corpo de bombeiros nesta vila.

Repetiu-se o insucesso, continuando a contar-se, em momentos de perigo e de desgraça, apenas com a heróica coragem e a abnegada dedicação do povo.

Com o decorrer do tempo alertava-se mais a consciência pública, melhor estruturada no cumprimento das suas obrigações sociais e humanitárias e, cada vez mais, sacudida por terríveis espectáculos de dor e sofrimento.

Concorria favoravelmente o exemplo da criação de corporações de bombeiros nos concelhos vizinhos.

Podemos até lembrar que a vila de Espinho, quando ainda pertencia administrativamente ao concelho da Feira, em 1895, fundou a sua Associação de Bombeiros Voluntários, para a qual a Câmara Municipal da Feira concorreu com um auxílio monetário. / 38 /

Os acontecimentos desenrolados nesta vila e na vizinha freguesia de Fornos, durante a segunda década deste século, decidiram os feirenses a organizar a sua Associação de Bombeiros.

Em Dezembro de 1914 ardeu totalmente a casa da Quintã, na referida freguesia de Fornos, pertencente à ilustre família Correa de Pinho: perdeu-se grande parte do seu precioso recheio.

Em 1918 ardeu, nesta vila, a casa localizada defronte das escadas da Igreja Matriz, de Júlio Fernandes Pinto que, reconstruída, pertence hoje aos herdeiros de Manuel Pinto da Silva: apenas se salvou parte dos bens móveis.

Em 22 de Agosto de 1920, outro pavoroso incêndio consumiu um prédio da rua Direita (hoje do Doutor Guilherme Moreira), perto da Igreja da Santa Casa da Misericórdia, pertencente a D. Angélica e D. Edwiges Correa Leal, de Paços de Brandão. Desta vez acudiram os bombeiros de Ovar, que nada puderam fazer por terem chegado tardiamente.

Estava habitado pelo escrivão-notário, que foi desta vila, José da Silva Carrelhas e por sua família: pouco se salvou dos bens móveis, perdendo-se parte do seu cartório aí instalado.

Felizmente, em nenhum destes incêndios houve desastres pessoais, embora as vidas dos seus moradores tenham corrido grave risco.

Este último acontecimento, que relembrou, com amargura, os que o precederam, está na origem directa da fundação da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Feira.

Na sessão da Câmara Municipal de 9 de Novembro desse ano, o vereador João António de Andrade apresentou uma exposição para justificar o pedido que fez da aquisição de uma bomba e dos utensílios indispensáveis para a criação do serviço de extinção de incêndios no concelho, prevendo, para tal efeito, um gasto de 1.219$00.

Foi deliberado que esta proposta fosse considerada no primeiro orçamento a fazer e que o proponente se entendesse com as agências de seguros existentes no mesmo concelho a fim de concorrerem para aquela despesa.

Era presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal, o advogado Dr. Vitorino Joaquim Correa de Sá.

Abriu-se uma subscrição que, acarinhada com 'grande entusiasmo por todo o concelho, alcançou grande êxito, elevando a Câmara Municipal a sua comparticipação para 2.225$00.

Também se recolheram as assinaturas para a inscrição dos associados fundadores que, em número de 74, em assembleia-geral de 1 de Maio de 1921, aprovaram os seus estatutos e elegeram a Comissão Instaladora, formada por aquele João António de Andrade e Manuel Soares Correa, proprietários, Dr. Domingos Simões Trincão, advogado, e notário, Alberto Coimbra, proprietário e comerciante e Manuel Marques, professor do ensino primário.

Assim se fundou a «Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Feira», que tomou o nome de «João António de Andrade».

Desde logo se iniciaram os respectivos exercícios com os bombeiros inscritos e providenciou-se na aquisição do material. Quis o destino que a primeira incorporação dos bombeiros, com seu uniforme e bandeira, estivesse reservada para a homenagem prestada à memória daquele seu patrono na missa do sétimo dia, por sua alma, em Junho seguinte.

Com o produto da subscrição adquiriu-se, no Porto, o material imprescindível que, festivamente, deu entrada na Vila da Feira em 1 de Janeiro de 1922, o que tudo se processou por intermédio do instrutor da jovem corporação − coronel A. de Laura Moreira.

Compunha-se de um carro com uma bomba braçal, escada de ganchos e alguns acessórios, como mangueiras e um cabo destinado a Salvamento, além do equipamento para 16 bombeiros.

O carro era puxado por uma parelha de muares / 39 / pertencente a José Nunes de Azevedo, respeitável ourives da freguesia de Santa Maria de Arrifana, deste concelho.
O cortejo, acompanhado por aquele instrutor, pelos bombeiros Joaquim Gomes da Cruz, Viriato Mota, Alberto de Oliveira Bastos e Germano Marcos da Costa e muitas pessoas, deteve-se na praça de Camões (hoje Largo do Doutor Oliveira Salazar) tendo-se realizado, então, o ataque a um incêndio simulado na já aludida casa fronteira às escadas da Igreja Matriz, reconstruída por Júlio Fernandes Pinto.

Em 26 do mesmo mês, realizou o seu primeiro exercício no largo das Escolas (topo poente da rua do Dr. Cândido de Pinho) sob a direcção do seu primeiro comandante Óscar Rodrigues, fiscal dos impostos.

Em 1924 foi agregada à Associação uma banda de música, fundada e regida por António Martins Soares Leite: hoje tem, apenas, uma fanfarra.

O seu primeiro quartel esteve instalado no largo das Eiras (Praça da República).

Tem edifício próprio, muito amplo, inaugurado em 20 de Janeiro de 1941, com as dependências necessárias para a recolha do material, para os serviços administrativos, para as suas actividades recreativas e vivenda para o quarteleiro e sua família: margina-o, pelo nascente, um vasto pátio onde se ergue a casa da escola para exercícios.

A sua brilhante actuação, em tempo que já se abeira do meio século, o espírito de sacrifício dos seus dirigentes e a coragem e dedicação dos seus bombeiros e comandantes em muitas emergências, algumas de grande e iminente risco, mereceram-lhe as seguintes distinções:

a) − Medalha de prata do Mérito Municipal, concedida pela Câmara Municipal da Feira na reunião de 16 de Janeiro de 1941, em atenção aos altos serviços prestados em defesa das vidas e das propriedades dos habitantes do concelho;

b) − Medalha de ouro, também do Mérito Municipal, concedida pela mesma Câmara e pelos mesmos motivos, na reunião de 3 de Dezembro de 1960;

c) − Grau de oficial da Ordem da Benemerência, por decreto de 1 de Outubro de 1932.
Foi ainda considerada «Instituição de Utilidade Pública», por despacho publicado no “Diário do Governo”, n.º 79, 2.ª Série, de 10 de Abril de 1928.

São, presidente da sua direcção e comandante dos bombeiros, respectivamente, António Lamoso Regal de Castro e António Neves Ferreira Brandão, que à corporação têm dedicado o melhor do seu esforço, com sacrifício e manifesto proveito.

O corpo activo é formado por 64 bombeiros, alguns em serviço de soberania no Ultramar.

A corporação possui as seguintes viaturas:

a) − Prontos-socorros: um carro de nevoeiro, um Land-Rover, um Bedford fechado e um Chevrolet aberto.

b) − Ambulâncias: uma Wolkswagen, uma Peugeot e uma Mercedes-Benz.

Tem ainda um carro de comando aberto.

Depois de uma brilhante parada de viaturas de muitas Associações de Bombeiros Voluntários, aquele carro de nevoeiro e a ambulância foram inaugurados e benzidos numa expressiva cerimónia realizada no quartel dos Bombeiros, no passado dia 28 de Junho, recebendo os nomes, respectivamente, de «Coronel Alexandre Guedes de Magalhães» e «Condes de Fijó», descerrando-se, então, uma lápide comemorativa da visita ministerial.

Seguiu-se uma sessão solene que foi presidida por Sua Excelência o Senhor Ministro do Interior, com a presença dos Senhores Governador Civil de Aveiro, Presidente da Câmara Municipal da Feira, Conselheiro Dr. Albino Soares dos Reis, Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Inspector do Serviço de Incêndios da Zona Norte, Reverendo Vigário-Pároco da Vila, deputado pelo Círculo de Aveiro e de outras individualidades, além de uma distinguida assistência, onde se destacavam muitas senhoras.

Nesta festa foi também inaugurada e benzida uma viatura da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Oliveira de Azeméis, a que foi dado o nome de D. Olinda Pereira de Carvalho, bela expressão da fraternidade que une as Associações de Bombeiros Voluntários do distrito que, naquela sessão, foi exaltada pelo senhor Governador Civil como prova da «unidade do voluntariado no distrito de Aveiro».

Na mesma sessão foram distribuídas muitas condecorações aos elementos do corpo activo, galardoado o valor e a dedicação manifestados em continuado serviço, durante longos anos.

Podemos distinguir, entre elas, as concedidas ao actual comandante − referido António Neves Ferreira Brandão, medalha dos serviços distintos de 2.ª classe da Liga dos Bombeiros Portugueses e ao subchefe, aludido Germano Marcos da Costa, medalha de prata do Mérito Municipal da Câmara Municipal da Feira.

Neste concelho existem mais duas Associações de Bombeiros Voluntários: a de Arrifana (1927) e a de Lourosa (1968).

Penso que me desculparão por não ter alcançado / 40 / a desejada síntese, tão necessária em trabalho condicionado a uma limitação de espaço.

Finalizo, como homem, como feirense e como um dos poucos sobreviventes dos associados fundadores, lembrando com saudade os que já morreram e saudando a nossa Associação e todos os que nela trabalham, desejando-lhes as melhores prosperidades e os maiores êxitos na nobre missão a que estão vinculados, com votos para que vejam satisfeitos, cada vez mais, os seus generosos anseios de solidariedade humana.

Vila da Feira − Casa das Ribas, Julho de 1970
 

 

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