Num mundo em que cada pessoa traz consigo uma mala de máscaras e
usa-as constantemente ao comunicar com o exterior, quem se
consegue encontrar a si próprio? Após tantos anos de máscaras, o
Homem já não se distingue a si próprio no meio delas. Quem sou
eu? Onde me posso encontrar?
Precisamos de outra dimensão, de um outro mundo para não cairmos
num desconhecimento total de nós próprios. E encontramo-lo
naquela sala onde despimos as máscaras, onde aprendemos a
mostrar-nos sem receio, e onde vestimos personagens com
personalidades características. Perguntam se não é vestir uma
máscara outra vez? Não, nada nos é imposto, não há pressões
nessa sala; cada personagem que adoptamos é uma parte de nós, é
algo que nos toca no fundo, atravessando os nossos muros
levantados para impedir que alguém chegue cá dentro. É como um
música que nos desperta, que abre uma arca do sótão da nossa
mente, onde uma parte de nós está fechada.
E
nascemos mais uma outra vez.
Por vezes até o que nós descobrimos choca tanto com o que damos
a ver ao mundo, que é difícil chegarmos ao fundo.
Interiorizar a personalidade de outrem, que nós
inconscientemente escolhemos por nos vermos projectados nela, é
como uma completa reaprendizagem da vida. Sim, é radical! Este
mundo mutila-nos os braços do "Eu” livre, que se querem estender
a tudo o que os rodeia, proíbe-nos de ser verdadeiros.
Não sei qual o inicio e qual o fim desta reaprendizagem, na
qual, através de Expressão Dramática, podemos contar uma
história... sem falar. – Sem falar?! Claro que sim! Um dos
pontos mais altos da comunicação é quando ela se faz sem as
barreiras da palavra. Sem querer, reparamos que o toque é tão
importante... que é tão necessário exprimirmo-nos, como
respirar, como amar.
E
quando pomos um pé num palco... não é só o pé que entra. Nele
pomos também a nossa alma, como uma entrega total a um amante
que nos envolve e hipnotiza; deixamo-nos enlevar, como num
sonho, tentando entrar numa fantasia, numa vida que não a deles.
E como é bom satisfazer esses desejos, como é bom envolvê-los
com uma seda de sonho, como é bom fazê-los sair dos seus
corpos-prisões e fazê-los entrar nos corpos-vida, sem proibições
nem recalcamentos, sem individualismos, numa partilha de emoções
tão infinitas e profundas como verdadeiras. Aí, cada um funde-se
e empenha-se numa procura insaciável de si próprio. E o que não
consegue fazer no mundo cá fora, faz no palco ou numa cadeira à
frente de um. Por mais incrível que à primeira vista pareça, ele
consegue! E vê uma parte de um "Eu” esquecido.
É
uma viagem a si próprio.
E
só ao entrar naquela sala de teatro, melhor, de ARTE, é que
compreendemos que a nossa existência de máscaras não é um viver,
mas um simples sobreviver.
Sandra Vieira,
13/06/91 |