N .R. Ainda não foi desta que se publicaram quadros
de análise de rentabilidade dos Cursos Gerais e Complementares Liceais
Nocturnos. É, no entanto, conveniente dizer que o rendimento destes
cursos é extremamente baixo. Conviria, nesta altura em que se fala em
modificar todo o sistema de ensino para trabalhadores, estudar a actual
situação desses Cursos na escola, quer do ponto de vista do rendimento
quer do ponto de vista de organização ( curricular e não só). A Redacção
do Aliás fica à espera. Publicamos, para começar alguma discussão (e
quem nos dera polémica!) sobre alguns assuntos, o discurso de abertura
das jornadas.
Caros
colegas |
Discurso Directo |
Em nome
da organização destas jornadas, dos Conselhos Directivo e Pedagógico e
da Escola agradeço a V/ presença, desejo-vos uma boa estadia e faço
votos de que os trabalhos decorram da melhor maneira.
Peço-vos
desculpa por vos maçar com algumas considerações a respeito do tema que
saberão tratar melhor do que eu.
Fui
responsável por aceitar, há uns anos, que a escola acolhesse e pusesse a
funcionar, em regime experimental, o Curso Geral Por unidades
capitalizáveis. Na altura, propunha-se a abertura do curso com a
tecnologia de Artes Visuais e, em segunda escolha, Actividades
Económicas. Abertas as inscrições, verificámos que ninguém se inscrevia
nas Artes Visuais, mas todos na área de Actividades Económicas. Na rede
escolar, esta escola, nem nos cursos diurnos nem nos cursos nocturnos, é
vocacionada para a área das Actividades Económicas e no quadro dos
docentes não havia, nem há, lugar para o 6.º grupo. Propusemos, por
isso, imediatamente, que essa área fosse leccionada por docentes do 7.º
grupo, o que veio a ser autorizado e acabou por ser consagrado na
organização geral da docência do curso. Temos consciência que a
experiência aqui encetada, verificada a natureza das inscrições, deveria
ter lugar na Escola Secundária N.º 1, onde trabalham professores das
formações mais adequadas à docência das Actividades Económicas. Mas a
aplicação, em regime experimental, do Curso por unidades capitalizáveis
foi feita nesta escola de Aveiro e é nesta escola que lhe estamos a
fazer um balanço.
Outras
razões poderiam ser apontadas para que a experiência aqui não fosse
aplicada. Uma das mais importantes razões está no facto desta escola ser
frequentada, em regime nocturno, por mais de mil alunos, dos Cursos
Liceais Geral e Complementar e 12.º ano. De facto, a procura da
escolaridade na escola, por um grande número de candidatos, dificulta
todo o trabalho lectivo e, sobremaneira torna difíceis as condições do
trabalho de aplicação experimental. Não só porque lhe falta espaço
físico, como porque lhe falta espaço na alma da escola. Os 1000
estudantes-trabalhadores do regime geral desvalorizam forçosamente uma
experiência que envolve 70 estudantes-trabalhadores. Apesar disso, e com
a consciência de nunca pôr em risco os prioritários pedidos de
escolarização, os Conselhos Directivos não procuraram riscar do seu mapa
a aplicação experimental do curso por unidades capitalizáveis. A
experiência sobreviveu, até hoje, nessas condições de ser uma
preocupação menor no conjunto dos serviços que a escola presta à
comunidade.
Há quem
veja, nestas afirmações de um dirigente da escola, resistência à
inovação ou mesmo reacção a qualquer quebra da rotina. O Conselho
Directivo não vê assim. Dirigir uma escola de grandes dimensões, para
uma comunidade que não pára de crescer, impõe que se trabalhe dentro de
grandes condicionalismos para dar resposta às necessidades primárias da
população. Não estamos arrependidos de ter, à custa do
/
20 / agravamento das condições de trabalho de professores
e alunos, fornecido um serviço mínimo, pobre mas digno, de educação a
todos os que o desejaram.
Em vários
momentos, tive oportunidade de estudar o enquadramento do curso por
unidades capitalizáveis e verificar as debilidades na aplicação
experimental aqui realizada. Do mesmo modo, temos tido consciência dos
problemas do actual ordenamento e do funcionamento do curso geral
liceal. Temos consciência da baixa rendibilidade de todos os programas
de escolaridade dirigidos aos trabalhadores. Não medimos essa
rendibilidade só pelos números de negativas ou reprovações. Mas também
pelo abandono em massa do serviço de ensino por aqueles que o
procuraram. De facto, em Portugal, ao simples direito de ter aulas, não
tem correspondido o simples dever de assistir e participar nelas. É um
problema grave, uma espécie de doença que atravessa as comunidades. Com
extrema leviandade, se pede um serviço ao estado de um país pobre para
logo de seguida o desprezar. Criaram-se condições ideológicas para essa
leviandade. Elas estão nas regras sobre assiduidade, onde se encontram
inúmeras medidas desculpabilizantes e poucas culpabilizantes. Os
estudantes e, porque não dizê-lo, os professores dão faltas, não cometem
faltas. os estudantes acham que têm o direito de faltar, mais do que têm
o dever de não faltar ao serviço que pediram. E os professores
consideram naturais os actos que são incumprimento do dever. É um
fenómeno que se instalou com a massificação da escolaridade e a
incapacidade de estabelecer mecanismos de controle eficazes. (Temos de
admitir que um professor que chega a ter 300 alunos não tem condições
para controlar, mas as concepções ideológicas desculpabilizantes
transformaram-se em postura dos indivíduos e do sistema.)
Não falo,
claro, do direito de faltar, quando tal é necessário.
Nesta
escola, temos procurado cumprir a lei dos trabalhadores estudantes,
interpretando-a nos dois sentidos – num, de garantir o direito de
estudar a todos os trabalhadores; noutro, o de retirar o direito a quem
dele abusa. Mas temos de reconhecer que estamos longe de ter efectuado o
combate que, todos juntos, comunidade e sistema educativo, temos de
travar. Tentamos que a assiduidade, ou as faltas dela, influenciem a
avaliação do rendimento escolar e retiramos as regalias de trabalhador
estudante a quem não cumpre o mínimo estabelecido.
No curso
por unidades capitalizáveis, em que se pretende respeitar os saberes
adquiridos e o ritmo de aprendizagem de cada um, não se marcam as
faltas, mas as presenças. E também não se estabelecem ritmos mínimos de
aprendizagem. Na aplicação experimental, o curso por unidades
capitalizáveis criou uma bolsa de trabalhadores-estudantes em que se
maximizaram as condições de acesso ao sistema sem contrapartidas de
deveres. Pode acontecer que os estudantes caminhem a ritmo nulo ou
desencorajante e que quadros docentes permaneçam, então, sem ter a quem
prestar serviço, por largos períodos. Como se mede a rendibilidade de
tal sistema? Como aplicar, aos seus utentes, a lei geral dos
estudantes-trabalhadores?
Não
podíamos deixar de colocar este problema nesta sede do tempo em que se
procura generalizar a aplicação do curso por unidades capitalizáveis.
Não podíamos deixar de desafiar para este combate.
Um outro
problema queremos levantar: a aplicação experimental do curso por
unidades capitalizáveis implicou percursos de aprendizagem
individualizados, apoios individualizados, arquivo para consulta de
processos individuais incluindo as baterias de testes sobre as diversas
unidades. A aplicação experimental baseou-se, também por isso, sempre em
pequenos agrupamentos de alunos maiores de 18 anos.
A
constatação destes factos relativiza, até ao ridículo, todas as
tentativas de estudos comparados de rendibilidade (numérica) entre o
sistema geral e o sistema experimental. Valerá a pena fazê-los em tempo
de aplicação plena do novo modelo. E mesmo assim, a não serem tomadas
medidas sérias a respeito do sistema de avaliação, sobrará sempre a
dúvida sobre os saberes adquiridos e, a primeira consistirá, para além
da "manta de retalhos" que pode acontecer, na possibilidade da massa dos
estudantes aprender a responder a testes (que são sobre pequenas
unidades e não podem ser infinitamente variados) em vez de adquirir
realmente "saberes", Para não falar dos defeitos de um sistema de
avaliação que não admite outras fontes de classificação, para além dos
testes.
Os mesmos
factos referidos levantam outro tipo de preocupações, estas
especialmente técnicas. Como poderá uma escola manter a oferta de
escolaridade a largas massas, coma generalização do sistema por unidades
capitalizáveis? Que tipos de organização fornecerão resposta adequada à
prestação do serviço nos moldes novos, mantendo o mesmo número de salas
e a mesma capacidade de armazenar registos e documentos?
Uma das
respostas pode ser encontrada já nas tentativas, até agora frustradas,
de levar o ensino para dentro de algumas empresas. Em Aveiro, poucas
empresas têm dimensão para criar uma turma. E as que têm as dimensões
requeridas são aquelas que já não admitem trabalhadores sem a formação
geral que pretendemos fornecer e em que os trabalhadores, que dela
carecem, começam a formar uma ilha a caminho da reforma.
Ainda um
outro problema: Nos cursos gerais normais continuamos a admitir os
estudantes que só muito recentemente deixaram os cursos diurnos, isto é,
que têm menos de 18 anos. Na generalização da aplicação do sistema por
unidades capitalizáveis, como se vai resolver o problema destes que são
incapazes de traçar o seu percurso individualizado, incapazes de manter
por iniciativa própria um ritmo de aprendizagem, incapazes de procurar
os apoios que o sistema fornece? Parte-se do princípio que no sistema
educativo do futuro (escolaridade obrigatória de 9 anos) eles deixam de
existir?
Levantei
alguns problemas. Não tive qualquer objectivo de levantar
problemas/obstáculos à vossa reflexão. Bem pelo contrário, procurei
trazer algumas das preocupações daqueles que têm de adquirir
competências técnicas para resolver problemas que a aplicação dos cursos
por unidades capitalizáveis acarreta. Certos de que a actual situação do
sistema de ensino para trabalhadores não pode continuar, esperamos que
este encontro contribua para abrir novas perspectivas. Os problemas que
levantei são essencialmente de administração do sistema. Podem estar
descansados que não vou levantar, neste momento, os problemas que mais
me preocupam e esses estão nos programas de ensino/aprendizagem e na
inexistente formação dos professores de trabalhadores-estudantes.
Volto a
desejar-vos um trabalho proveitoso. Lamento não poder acompanhar
completamente os trabalhos. Farei os possíveis por perder o mínimo.
E
convido-vos a visitar a escola. Vejam as nossas exposições, bisbilhotem
os nossos armários. Vejam os trabalhos dos nossos dias. Vale a pena.
Sintam-se
em casa. Muito obrigado.
Arsélio Martins,
Presidente do Conselho Directivo |