Era uma tarde quente do mês de Agosto de 1990.
Entorpecido pelo calor, pálpebras semi-cerradas frente a um jornal,
eis-me quase entregue à plena vivência vegetativa. Mas um título mais
destacado rompe subitamente a letargia – "A morte de Skinner".
Como que numa homenagem íntima deixo desfilar pela minha
mente aquele Autor e a sua "teoria do condicionamento operante"... e,
então, voluntariamente, de olhos bem fechados entrego-me ao exercício de
encadear cronologicamente algumas teorias de aprendizagem...
O primeiro objectivo de aprendizagem, acima e além do
prazer que nos possa dar, é o que deverá servir no presente e valer-nos
no futuro.
Aprender não deve apenas levar-nos até algum lugar, mas
também permitir posteriormente, ir além dum modo mais fácil.
Desde o século XVII desenvolveu-se a Ideia que o Homem
pelo uso da "Observação" e da "Razão" poderia descobrir as leis da
Natureza. Pelo aperfeiçoamento da "observação" e dos "métodos"
utilizados na recolha de dados poderia obter-se um crescente
conhecimento das leis da Natureza.
Skinner desenvolveu uma tecnologia de ensino, organizando
a aprendizagem de modo a proporcionar aos alunos um "conjunto de
estímulos" planeados para "um resultado pré-determinado".
Com as experiências realizadas na conhecidíssima
"Skinner's Box" estabeleceu uma série de princípios. Muitos psicólogos
educacionais apresentaram-se defensores desta "Teoria E-R
(estímulo-resposta)".
Para
estes behavioristas ou teóricos do condicionamento, a aprendizagem
ocorre através de estímulos e respostas. Os estímulos ou causas que
originam a aprendizagem são agentes ambientais actuantes sobre o
organismo, que desencadeiam ou aumentam a probabilidade de reacção do
organismo: A Resposta. Perpassa-nos meteoricamente pela mente a"
Aprendizagem por Objectivos (APO)" e muitos Autores: Landsheere, Mager,
Gronlund, Elsner, Gagné, etc.
A abordagem comportamentalista do ensino e as Pedagogias
de Objectivos foram alicerces no desenvolvimento de novos projectos
curriculares: Physical Science Study Commitee (P.S.S.C.), Biological
Sciences Curriculum Study (B.S.C.S.), Earth Science Curriculum Project
(E.S.C.P.), School Mathematics Study Group (S.M.S.G.).
Entre nós e apenas a partir dos meados da década de 1970,
assiste-se à exaustiva aplicação do "método científico" no campo do
ensino-aprendizagem.
Connant tinha expressado a opinião de que os "Métodos da
Ciência" teriam uma melhor compreensão com a selecção das condições em
que os cientistas haviam efectuado as suas investigações: Transferência
da ênfase da "Análise do Método Cientifico" para a "História das
Descobertas Científicas".
Karl Popper em "Logic of Scientific Discovery" (1959)
descreve o papel da instrumentação, protocolos de pesquisa e processos
lógicos de inferência científica à medida que se vai das observações
para as conclusões.
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Nesta
posição de Popper são enfatizados os métodos de análise e minimizada a
"estrutura conceitual" do cientista. "Assistimos a uma diferença
posicional entre Popper e Kuhn e essas diferenças poderiam ser apenas de
interesse esotérico não fosse o facto de que muitos dos currículos terem
sido feitos como se Popper estivesse certo e Kuhn errado. Os trabalhos
de Kuhn(1962,1970) e Toulmin (1972) dão uma maior dimensão à natureza
dos conceitos e seu papel no pensamento humano" (Novak).
Estas opiniões têm Implicações extremamente importantes
para a educação. A descrição do carácter evolutivo dos conceitos na
sociedade e o papel essencial que estes desempenham na compreensão
humana contrastam com as Ideias kantianas sobre a busca do Homem por
verdades "absolutas", expressas nos trabalhos de Francis Bacon (1620),
Karl Pearson (1900) e Karl Popper (1959).
Várias formas de "psicologias associonistas" ou de
"estímulo-resposta (E-R)" estão baseadas nestas epistemologias
absolutas. Psicologias Skinnerianas e outras psicologias associonistas
continuaram a dominar a psicologia educacional. Felizmente surge uma
alternativa...
Assim a excessiva aplicação do "método científico" no
campo do "ensino-aprendizagem" cede lugar à nova concepção de Kuhn:
Transferência dos "conhecimentos e métodos" para as "estruturas
conceptuais".
Escreveu Thomas Kuhn (1962,1972): «A história da ciência
mostra que as modificações ocorreram nos "óculos conceptuais" através
dos quais os cientistas observaram a realidade.» Kuhn realçou o papel
destes "visores conceptuais" – os PARADIGMAS – na orientação do trabalho
dos cientistas.
Em educação, como em qualquer outra área, CONCEITOS são
aquilo com que pensamos. Se não tivermos conceitos claros e organizados,
o nosso pensamento será confuso e não teremos êxito nem para solucionar
problemas, nem para gerar outros conceitos que nos ajudariam a
solucioná-los.
Na "Aprendizagem Por Descoberta" (APD), a característica
essencial (Formação de Conceitos) é que o conteúdo principal que vai ser
aprendido não é fornecido. É descoberto pelo aluno antes de ser
"incorporado significativamente" na sua estrutura cognitiva. Este é o
ponto-chave da teoria de Bruner: "A Descoberta".
Escreve Bruner em "The process of Education": «A
actividade Intelectual é a mesma em toda a pane, quer nas fronteiras da
sabedoria, quer numa classe do terceiro ano.»
O que um cientista faz à sua mesa ou no seu laboratório;
o que um crítico literário faz ao ler um poema, são de ordem idêntica ao
que fará qualquer aluno quando envolvido em actividade semelhante, se
pretende chegar a compreender. A diferença é de grau, NÃO de natureza.
Ao estudar Física, o aluno é um físico. Discussões em
classe e compêndios em que se fala de conclusões em um campo de
investigação correspondem a uma tarefa de dominar "meia língua".
Nesta perspectiva, a física, a biologia,... na escola
secundária (e não só), pouco se parecem com a
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são vistos desligados dos problemas da vida e da sociedade, como
vulgarmente são abordados e a matemática escolar, frequentemente perde
contacto com o que está no âmago do assunto, a Ideia de ordem. Quando o
aluno "aprende por si próprio" deve-lhe ser dado conhecimento do fim a
atingir, para que possa escolher conscientemente as alternativas
orientadoras das direcções desejáveis.
O melhor meio de despertar Interesse por um assunto é
tornar valioso o seu conhecimento, Isto é, tornar o conhecimento válido
na mente de quem o adquiriu em situações posteriores àquelas em que
ocorreu a aprendizagem.
O conhecimento adquirido sem suficiente estrutura é um
conhecimento fadado ao esquecimento. Um conjunto desconexo de factos não
tem senão uma vida extremamente curta na memória. Organizar os factos em
termos de princípios e Ideias, a partir dos quais possam ser Inferidos,
é o único meio conhecido de reduzir a alta proporção de perda da memória
humana.
Bruner sugere que se devem planear currículos, de modo a
reflectirem a estrutura básica dum campo do conhecimento, exigindo a
mais profunda compreensão desse campo. É tarefa que não pode ser levada
a cabo sem a participação activa dos estudiosos mais capazes. Será
necessário multo maior empenho na preparação de material curricular, na
preparação de professores e em pesquisas básicas, se pretendermos que a
melhoria nas nossas práticas educacionais permitam enfrentar os desafios
da revolução científica e social que atravessamos.
Os currículos devem ser estruturados por forma que o
aluno tenha oportunidade de revisitar a matéria já aprendida, mas num
outro nível de profundidade. Essa progressão nas matérias é uma ajuda ao
aluno na descoberta de novas relações, à medida que vai avançando em
nivele sucessivamente mais complexos. Esta Ideia é conhecida por
currículo em espiral.
Ao professor pertencerá apenas, durante aquela
progressão, um apoio atempado aos alunos, pertencendo a estes da forma
mais Independente possível, a procura da solução. Ao professor competirá
uma subtil Intervenção, proporcionadora de eventuais reforços ou
sugestões de alternativas, mas essa Intervenção deve acautelar a
desmotivação do aluno. Desmotivação que pode surgir com um "apoio
tardio", em que já se verificaram desvios dos objectivos pretendidos ou
um reforço antecipado, proporcionando um "conhecimento prévio", também
ele factor de desmotivação. É para mim esse "savoir faire" que
caracteriza o professor que integrou esta teoria de aprendizagem por
descoberta e que possibilitará ao aluno o desenvolvimento de uma
autonomia, que deverá estar implícita à sua formação global. O
professor, "agente transmissor de conhecimentos" terá de se transformar
em professor recurso neste processo de aprendizagem (APD). O professor
que não viva apaixonadamente a sua área de especialidade, dificilmente
poderá despertar nos outros uma vivência entusiasta para aquele assunto.
Igualmente o professor inseguro, que teme continuamente o erro, não
poderá constituir o apoio neste processo de ensino.
Bruner parte do principio que qualquer assunto pode ser
ensinado com eficiência em qualquer estágio de desenvolvimento. Mas
apesar de aceitar que esta é uma hipótese arrojada, afirma que não há
qualquer evidência a contradizê-la. pelo contrário, muitas provas foram
acumuladas para a comprovar. A tarefa de ensinar determinada matéria a
uma criança, em qualquer Idade, é a de representar a estrutura da
referida matéria em termos de visualização que a criança tem das coisas.
Pode ser encarada como um trabalho de tradução. A hipótese apresentada
tem como premissa que toda a ideia pode ser representada nas formas de
pensamento em Idade escolar e que essas primeiras representações podem,
posteriormente, com maior facilidade, ser desenvolvidas graças a essa
aprendizagem anterior.
A obra de Piaget sugeria que se podiam distinguir,
"grosso modo", três estágios no desenvolvimento Intelectual da criança:
O primeiro estágio, característico da criança
pré-escolar, finda por volta dos 5 a 6 anos. O trabalho mental consiste
sobretudo em estabelecer relações entre a experiência e a acção. A
criança está
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preocupada com a manipulação do mundo através da acção. Este estágio vai
do desenvolvimento inicial da linguagem até ao ponto em que a criança
aprende a manipular símbolos. No entanto, o mundo simbólico da criança
não estabelece uma separação clara entre motivos internos e sentimentos,
por um lado, e a realidade exterior, por outro.
O segundo estágio do desenvolvimento (e aqui a criança já
está na escola) é conhecido por estágio de operações concretas. Operação
é um tipo de acção que pode ser executada directamente, pela manipulação
de objectos, ou Internamente, manipulando mentalmente os símbolos que
reapresentam coisas e relações. Portanto a operação é um meio que
permite abastecer a mente com dados sobre o mundo real e ali
transformá-los, de modo que possam ser organizados e utilizados
selectivamente na solução de problemas. As operações concretas, embora
guiadas pela lógica das classes e pela lógica das relações do meios de
estruturar apenas a realidade imediatamente presente.
Entre os 10 e os 14 anos, a criança passa por um terceiro
estágio: "Estágio das operações formais". Então a actividade Intelectual
da criança parece basear-se antes numa capacidade para operar com
proposições hipotéticas, do que em permanecer restrita ao que já
experimentou ou que tem diante de si. Pode então deduzir relações
potenciais que, mais tarde, serão objecto de transferência. Mas
contrariamente àquela perspectiva piagetiana, o desenvolvimento
Intelectual da criança não é uma sequência cronométrica de
acontecimentos.
Davld Page, experiente professor de Matemática, escreveu:
«Ensinando desde o jardim de Infância até à pós-graduação, surpreendi-me
com a semelhança intelectual dos seres humanos em todas as idades, multo
embora as crianças sejam talvez mais espontâneas, criativas e cheias de
energia do que os adultos. Até onde posso julgar as crianças, quase
sempre aprendem tudo mais depressa do que os adultos, desde que lhe seja
apresentado em linguagem compreensiva. Para tal devemos dar a matéria em
termos que entendam, de modo suficientemente interessante e... quanto
melhor for a formação do professor, melhor a poderá ensinar.»
O Professor incapaz de dar vazão à sua própria intuição,
dificilmente poderá despertar intuição nos seus alunos. Matemáticos,
físicos, biólogos, etc., acentuam o valor do pensamento intuitivo nas
suas áreas. Um indivíduo poderá intuitivamente quando, tendo trabalhado
por muito tempo sobre um problema, encontrar de súbito a solução, para a
qual, porém, terá de descobrir uma prova formal. Muitos professores já
consideram objectivo fulcral do ensino, o desenvolvimento da eficiência
em pensar intuitivamente. No entanto, na generalidade dos currículos,
pouca atenção é dada ao desenvolvimento da compreensão intuitiva e assim
o ensino é comummente dedutivo e analítico. Por isso foi sugerida a
necessidade de melhorar o uso do pensamento Intuitivo pelos
professores... e também pelos alunos.
É certo que dispomos de muitas mais coisas concretas a
dizer sobre o pensamento analítico. O pensamento analítico
caracteriza-se por caminhar passo a passo. Esses passos do explícitos e
podem ser convenientemente relatados por aquele que assim pensa. Tal
pensamento analítico processa-se com plena consciência das Informações e
das operações que implica. Pode envolver raciocínio cauteloso e dedutivo
ou pode envolver um processo gradativo de Indução e experimentação. Em
contraste, o pensamento Intuitivo não progride por passos cuidados e bem
definidos. Comummente, o pensamento intuitivo repousa sobre a
familiaridade com o campo do conhecimento implicado e com a estrutura
desse conhecimento, permitindo nessa forma de pensamento dar saltos. Uma
vez conseguidas soluções por métodos intuitivos, essas soluções deverão,
se possível, ser verificadas por métodos analíticos.
Reconhecida a natureza mutuamente complementar dos
pensamentos intuitivo e analítico, Bruner sublinha a primordial
importância em estabelecer uma compreensão intuitiva da matéria, antes
dos alunos serem expostos a métodos mais tradicionais e formais de
dedução e prova.
Nesta APD de Bruner parece-me ter ficado bem dedutível a
sua afirmação: «Aprender é aprender a aprender».
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(A continuar com "Aprendizagem por descoberta versus
Aprendizagem por recepção")
* Manuel Ferreira
– professor do quadro de nomeação definitiva do 11.º B, orientador do
estágio pedagógico da Licenciatura em Ensino de Biologia e Geologia da
Universidade de Aveiro. |