OPINIÕES
PESSOAIS
SOBRE O INCESTO
Sara Dias Santos
Como cidadã terei de perspectivar o incesto em dois
níveis de análise:
1 – O incesto sob a forma de assédio sexual a
menores, aqui a minha posição é de condenação absoluta;
2 – O incesto entre adultos, consentido por ambas as
partes.
Antes de expressar a minha opinião, gostaria de
observar o seguinte:
▪ verifica-se que a sociedade naturalmente evita o
incesto e, legalmente, o proíbe;
▪ na mitologia ocidental, o caso de incesto entre
humanos tem um fim trágico.
Σ Grandes realizadores que abordaram o tema,
Bertolucci em La Luna e John Cassavetes em Lover's Dreams.
No primeiro, os sentimentos são expressos por comportamentos de
posse e de propriedade sobre o outro, mãe e filho, mas não
assumidos; no segundo, o sentimento é a paixão entre irmãos de sexos
opostos, mas assumida: contornam a situação e a saída da mesma é a
fuga.
Apesar de, ao nível teórico, não ter uma posição
moralista, na prática parece-me haver neste tipo de relação,
excessivamente concentracionária, por pressões de vária ordem
difíceis de serem libertadas, comportamentos de frustração, de
morbidez...
Parece-me que o preço a pagar é demasiado pesado para
a relação ter estabilidade emocional.
Por outro lado, não posiciono o incesto nos Direitos
à Diferença, já que é esse o tema da área escola. A diferença é a
'originalidade limitada' e o incesto, na minha perspectiva, sai fora
dos seus limites.
De um ponto de vista pessoal e meramente teórico,
considero a proibição do incesto como um comportamento que assume
uma dimensão marcadamente cultural. Não defendo qualquer posição
moralizante relativamente à prática do incesto, excepção feita a
situações que envolvem menores.
De um ponto de vista mais pragmático, considero que é
difícil, uma relação incestuosa não conduzir a situações de grande
sofrimento psicológico. A “Lei” universal da proibição do incesto
'inscrita' ao longo do processo de socialização é demasiado forte
para que a sua interdição não provoque problemas.
A relação incestuosa pode ser consentida e, até,
suportada por sentimentos de amor entre as pessoas envolvidas.
Porém, atendendo a que, no interior da Família, existem relações de
dependência mais ou menos intensas, ela pode, muitas vezes, ser
forçada.
Além disso, cria-se uma transformação nas relações
afectivas que tende a dar origem a conflitos (por rejeição ou
preferência de membros do grupo familiar). Quando, da prática do
incesto, surgem filhos, estes herdam a possibilidade de vir a ter
problemas (físicos ou/e psíquicos).
Considero que cada pessoa tem o direito de escolher a
orientação a dar à sua vida, mas não o tem quando os direitos dos
outros ficam ameaçados
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pela sua opção. Nesse sentido, embora aceite que possam existir
razões que justifiquem a prática do incesto, tendo em conta o outro,
defendo a existência da lei que o proíbe. A lei enquanto regra que
regula as relações entre as pessoas, com vista a garantir o bem
comum (e não dum só), e não enquanto mandamento divino – que leva a
ver o violador da lei como um monstro ou, mesmo, possuído pelo mal.
A proibição do incesto foi atravessando a história,
as gerações e as culturas, instituindo-se em norma universal, pelo
menos, no que respeita à civilização ocidental.
Como norma universal, ela obedece a um imperativo que
ordena e impõe um código de conduta implicitamente assumido por
todos quantos pertencem ao seu espaço de intervenção; as
representações e as imagens sedimentadas pelo homem e pelas
culturas, ao longo do tempo, deixaram a sua marca do 'pecado', do
'interdito', do 'sagrado'; são estas marcas da sexualidade
interiorizadas e institucionalizadas pelas culturas, e, portanto,
elevadas à categoria de norma de conduta social, que sancionam a
profanação do espaço familiar no que respeita à satisfação do desejo
sexual.
O incesto constitui um comportamento que a sociedade
olha com violência e, portento reprovado a sancionado; ele introduz
um factor de desequilíbrio e de instabilidade social e afectiva, já
que se trata de uma relação vista como 'moral e humanamente
chocante'; também porque, em torno do problema do incesto se
construiu todo um conjunto de imagens que passaram,
inconscientemente, a simbolizar o espaço familiar como um espaço
sagrado, assente em regras preservadoras da sua estabilidade e
sobrevivência, sendo uma delas a “proibição do incesto"; daí a
legitimação da regra que impõe o dever da 'não sedução' sexual, no
interior das fronteiras da família, entre pais-filhos-irmãos; daí,
também, que a sua transgressão implique, aos olhos da sociedade como
aos olhos de quem comete tal transgressão, a reprovação e,
eventualmente, a exclusão social.
Um apontamento final: há sempre uma necessidade
implícita de compatibilizarmos o nosso comportamento com o
comportamento instituído da nossa cultura; é uma questão de
conformação aos imperativos sócio-axiológicos da cultura a que
pertencemos; a sobrevivência ético-social obriga.
A minha opinião pessoal sobre o assunto é que somos
herdeiros actualmente de várias opções individuais, consoante o
credo religioso, a tradição familiar ou do país e os movimentos
evolutivos epocais, típicos de cada geração, agrupando-se em
mentalidades umas mais permissivas – aceitando e praticando
facilmente o incesto e o adultério/o aborto; outras irredutíveis,
considerando-os uma aberração e um crime; outros ainda mais
compreensivos, mais humanos, quiçá mais esclarecidos – tentando, com
medidas preventivas, acautelar situações de risco, sempre com o
objectivo de ajudar, prestar apoio e deixar-se apoiar, evitando
traumas, tratando todos como seres humanos numa caminhada difícil,
com quedas, encontrões e ascensões, sem humilhar, sem violentar,
deixando-os, contudo, livres e responsáveis por si e por outrem.
Eu procuro enquadrar-me na última conduta, em
especial face aos adultos, com maturidade e em pé de igualdade uns
com os outros. Quando os adultos escolhem crianças, prefiro os
procedimentos terapêuticos e legais.
Eu, logo à partida, declaro que sou contra a prática
do incesto.
Acho que quando um indivíduo assume uma relação com o
outro deve ter uma responsabilidade e um voto de fidelidade ou então
não assume nenhum compromisso.
O incesto é contra a moral e os bons costumes, moral
e costumes que muitas vezes são retrógrados, mas neste assunto eu
considero que a finalidade de uma verdadeira relação e vida a
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dois não tem nos seus horizontes o incesto (principalmente quando
este é realizado e consumado só por luxúria e uma satisfação
carnal).
O que acho correcto é que quando alguém estiver com
esse problema, se é que se lhe pode chamar assim, deve falar
abertamente, numa conversa franca com o seu par e discutir o
assunto, compreender e 'visualizar' as causas e consequências
tentando achar uma solução (se possível em conjunto) para a atitude
a tomar a partir desse momento. Depois desta conversa, mas só depois
disto, eu aceito a solução obtida, seja ela qual for e tento
compreendê-la. Já não faço grandes julgamentos, pois foi tendo em
conta as norma de vida e princípios do casal que a decisão foi
tomada.
O INCESTO SOB A PERSPECTIVA DA:
BIOLOGIA
Sob o ponto de vista biológico, existe um certo
fundamento para o ditado «filhos de casais primos, são tolos»
porque:
existem determinadas anomalias genéticas sucessivas
que se vêm a manifestar quando existe um casamento co-sanguíneo e,
se for entre parentes próximos, essas anomalias são mais intensas.
Sob o ponto de vista sociológico põe em causa um
conjunto de valores, designadamente:
O conceito de família e as relações efectivas
(aspecto que não há em animais) e a relação infernal
valores de ordem religiosa
valores morais
o conceito de sexualidade/amor.
SOCIOLOGIA
Irei apresentar, apenas, alguns aspectos muito
superficiais sobre o 'lado sociológico' do incesto, dada a
insuficiência e a escassez de elementos que possuo sobre o assunto.
▪ Pode dizer-se que Lévi-Strauss, que a proibição do
incesto, de uma norma institucionalizada na nossa civilização,
constitui o 'primeiro acto de organização social', ao mesmo tempo
que supõe a existência de uma 'regra de reciprocidade', que preside
às trocas humanas nas sociedades arcaicas, regra que é objecto de
uma apreensão 'imediata e intuitiva' pelo homem social. Esta regra
da reciprocidade exprime-se, socialmente através de exogamia
(procura do parceiro sexual fora do circulo de parentesco).
▪ A exogamia é uma regra que exprime o desejo do
grupo de fazer alianças e de sair do seu isolamento; esta regra
afirma a existência social de outrem, reconhece o outro como ser
social autónomo; não se trata tanto de um perigo biológico ligado ao
casamento consanguíneo, mas porque o casamento exogâmico arrasta um
benefício social, pela expansão e o alargamento que abre ao 'grupo
biológico', ou seja, as regras de parentesco e do casamento foram
elaboradas, inconscientemente, pelo 'homem primitivo' para assegurar
a integração das famílias biológicas no seio do grupo social.
▪ Pode dizer-se que a função social do incesto
consiste, fundamentalmente, na introdução de um ciclo de
reciprocidade, o que nos permite avançar a ideia de que a proibição
do incesto se reveste de significações sociais nas trocas
estabelecidas e desenvolvidas no seio dos grupos humanos; a
reciprocidade estabelece a comunicação e alarga os espaços de trocas
e alianças sociais e culturais.
▪ Sociologicamente, a proibição do incesto resulta da
institucionalização e interiorização da regra 'não desposarás irmão
ou irmã, pai ou mãe, filho ou filha'; trata-se da apropriação
normativa de uma regra que as nossas culturas integram nos seus
códigos de conduta (ética, social, cultural) e nos seus rituais,
forçando os seus membros e adoptá-la como padrão de conduta sexual
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▪ Como regra de conduta sexual, transforma-se em
regra de conduta social e, por isso, sujeita às sanções explícitas
ou implícitas, nos casos de transgressão.
▪ Trata-se pois, de um espaço normativo-social que se
impõe a todos os membros e serve de princípio estruturante e
estruturador do processo de socialização e, consequentemente, de
conformação social.
FILOSOFIA
Em Filosofia não há uma opinião sobre o incesto
precisamente porque não há respostas universais para os diferentes
problemas. Elas dependem dos princípios que cada filósofo aceita e
de que parte para desenvolver as suas reflexões, e da forma como
organiza os dados da realidade.
PSICOLOGIA
Não há de facto um corpo de teorias psicológicas
explicativas do incesto. Esta é de uma questão mais estudada pela
Antropologia, onde existem várias teorias que fundamentam (ou põem
hipóteses sobre) o evitamento e a proibição do incesto. Para os
psicólogos de orientação psicanalítica o aproveitamento da mitologia
efectuado por Freud pode constituir um referente sobre esta matéria
e permitir entender o mito como uma forma de estruturar o conflito e
as relações na família. É bem conhecida a importância que o
“Complexo de Édipo" joga na teoria psicanalítica. Não se pode
contudo encará-la como única e exclusiva e muito menos
representativa das teorias psicológicas sobre esta questão.
Considero que a problemática do incesto levanta
dúvidas e interrogações em relação às quais a psicologia pode dar o
seu contributo, mas que deve ser estudada em termos
multidisciplinares. Há todo um conjunto de factores de natureza
biológica, psicológica e sócio-cultural que não podem ser ignorados.
LITERATURA
A Literatura como qualquer outra arte – Pintura,
Música, Escultura – é sempre um documento de uma época e da
mentalidade do seu próprio povo ou país. Como tal, vive em função do
evoluir da Humanidade, estando atenta aos problemas sociais, mesmo
os de maior delicadeza, polémica, ou «tabu».
O incesto, o adultério, o ciúme, a vingança, a
inveja, a traição, a avareza, a ambição do poder não fugiram à regra
e são tão velhinhos como o Mundo, porque inerentes à condição humana
e ao binómio Sentir/Pensar.
Remontando aos Gregos, seres cheios de
sensibilidades, imaginação e também capazes de tudo racionalizar,
constatamos que criaram curiosos mitos para explicar o talvez
inexplicável universo. Assim, inventaram deuses à sua imagem,
antropomórficos, porém imortais, a quem era permitido gozar
aventuras, umas virtuosas, outras vividas de vícios e defeitos, de
modo nenhum modelares para os Homens.
URANO e GEA (Céu e Terra) geraram SATURNO que, com
RHEA, deu origem a ZEUS, HERA, POSElDON E HADES (Júpiter, Juno.
Neptuno e Plutão). O 1.º tentou enganar a irmã que lhe exigiu
casamento.
O fruto do seu matrimónio chamou-se HEFESTOS
(Vulcano), deus feio, disforme e coxo, possivelmente a forma que os
helenos descobriram para apontar os males da consanguinidade.
Por sua vez, HEFESTOS casou com AFRODITE (Vénus), sua
tia. se acreditarmos no mito que a faz descender de SATURNO e da
espuma do mar; ela, todavia, preferiu ser amante quer de ARES
(Marte), de quem nasceu EROS (Cupido), quer de HERMES (Mercúrio),
seu sobrinho, de cuja relação surgiu HERMAFRODITO.
Quanto a ZEUS, pai dos deuses, dado os ciúmes de
HERA, foi um adúltero em segredo, pois usava de diversos disfarces a
fim de seduzir
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Sémele, cujo descendente foi DIÓNISOS (Baco), Maia que deu à luz
HERMES, Latona que gerou APOLO e ÁRTEMIS (Diana), esta,
aparentemente, a mais casta, apesar de sair de noite do céu para
visitar o pastor ENDIMIÃO...
Aliás, o senhor dos raios e trovões, não acabou aqui
a lista de seduções. Logrou ainda ALCMENA, fazendo-se passar por
Anfitrião, seu marido legítimo.
O teatro agarrou o tema para o parodiar através da
comédia. Foi assim com Plauto em 'Anfitrião', com MoIière
'Les deux sosies', com António José da Silva, 'O Judeu',
caricaturando o rei D, João V no seu Anfitrião, como o brasileiro
Guilherme de Azevedo na peça Um Deus dormiu lá em casa. Até
Gil Vicente castigou o costume do adultério no 'Auto da Índia',
ridicularizando a mulher do embarcadiço – Constança – por sinal não
muito constante...
Nota-se, portanto, na Grécia Antiga, que os deuses
eram respeitados apesar das suas aventurazitas, mas aos homens as
mesmas atitudes eram alvo de chacota pública, em dramas satíricos de
ataque pessoal (por isso não aprovadas) ou eram dignas se serem
divulgadas nas escolas como exemplos didácticos a não seguir, por
declamação de trechos de profetas como Homero e Hesíodo.
Vejamos o caso de Tiestes, filho do herói olímpico
Pélops e de Hipodamia e irmão de Atreu: da sua relação incestuosa
com a filha Pelopeia nasceu Egisto, que foi sempre uma ameaça para o
pai; pela sua relação de incesto (não casta) com a cunhada Érope,
devorou os seus dois filhos inconscientemente, servidos num banquete
apresentado por Atreu. O tema foi incluído na tragédia 'Agamémnon'
de Ésquilo, por meio do oráculo da profetiza Cassandra, qual
instrumento de justiça de Zeus, como o castigo para a culpa de
insolência, da impiedade, isto é, audácia de o homem querer
ultrapassar a sua condição e medir-se com os deuses.
Foi, então, na tragédia grega que o incesto ganhou
raízes de intensidade dramática.
No 'Rei Édipo', de Sófocles, cumpriu-se o
oráculo terrível de que o rei de Tebas havia de matar o pai (Laia) e
desposar a mãe (Jocasta). E, na verdade, inconscientemente,
assassina o verdadeiro pai numa encruzilhada, descobre o segredo da
Esfinge e, como prémio, casa com Jocasta. Ao saber, no entanto, da
sua real identidade junto do pastor que o salvara de morrer exposto
na montanha, em criança, «um abismo de desgraça caiu sobre ele –
Jocasta suicida-se, Édipo cega-se e parte para o exílio, a fim de
que Apolo retire a peste que grassava nos Tebanos por culpa do seu
crime. Cruel fatalismo!
Noutro trágico – Eurípides – a paixão condenável de
Fedra, a mulher de Teseu, pelo seu enteado Hipólito, merece da parte
deste indignação, desdém e o afastamento do palácio, Só que Fedra
enforca-se e numa tabuinha acusa o jovem. O pai Teseu manda-o exilar
e pede a Poseidon que o castigue – os cavalos do carro assustam-se
com um monstro marinho, o carro vira-se e o príncipe agoniza.
A força divina é cega e inflexível!
Mais tarde, entre os Judeus, a mulher adúltera será
apedrejada. Eles só permitem casamento do cunhado com a viúva do
primogénito, por questão de ser mantido o nome de família na sua
descendência.
Cristo veio pregar a tolerância e permitir às pessoas
com 'vícios' –por exemplo, Madalena – tempo para se redimirem,
tomando consciência do 'erro' e sublimando-se. Não admitia que se
exercesse marginalização sobre quem quer que fosse.
Esta perspectiva acompanhou a Roma Cristã, e a Idade
Média.
Na época clássica, divinizou-se a mulher e, sob os
românticos, tornou-se numa imagem angelical. No século XIX, os
realistas, recusam tal espiritualismo e, dentro do seu objectivo de
fazer crítica social, salvaguardando a VERDADE, a justiça e o BEM
das falsas aparências, das meias-tintas, da corrupção de costumes no
seio da gente burguesa da alta roda – a 'hight life',
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equiparada ao 'jet-set! de hoje – tocam, mordaz e
ironicamente, toda a degradação do relacionamento interpessoal e a
nível das instituições. Com perícia e motivações estéticas, puseram
«o dedo nas feridas».
O nosso artista e artífice da linguagem, Eça de
Queirós, atraiu-nos e continua a encantar-nos com o seu monóculo
assestado nas 'chagas' sociais da capital lisboeta, nos 'dandies'
ociosos, ignorantes, volúveis, sem personalidade, nem autenticidade,
pois que nem sequer assumiam abertamente as suas atitudes menos
consentâneas, as suas 'aventuras românticas', fruto do mero intuito,
ao sabor do prazer e do devaneio, em suma, resultado da atracção
pela 'Mulher-Diabo'.
Precisavam de uma «Villa Balzac», fora da zona
habitacional ou de convívio quotidiano, de uma «Toca» nos Olivais,
então subúrbios de Lisboa, ou de fugas com intuitos menos louváveis
para a bela Sintra, um paraíso oxigenado!
Eça não os poupa, portanto, expondo-os ao ridículo, à
caricatura, sem mesmo encontrar uma tese invulnerável para explicar
tais comportamentos – a educação, a hereditariedade, o meio
ambiente, o destino.
O próprio protagonista – Carlos da Maia – em quem
depositara o autor as suas esperanças de Naturalista, desilude-o,
como se pode provar pelas palavras duras, fustigantes e sinceras do
amigo Ega, 'arrepiado' face ao incesto (na altura já conscientemente
reconhecido) com a irmã Maria Eduarda, facto que viria a vitimar o
avô – Afonso da Maia, «um grande roble resistente aos anos e
vendavais familares»:
«é horrível» - «certeza monstruosa» - «de
consequências pavorosas» - «sordidez de pecado» - «Dois animais,
nascidos do mesmo ventre, juntando-se a um canto, como cães sob o
impulso bruto do cio» - em suma, «UMA INFÂMIA!»
E num lance positivista, de «barão» confortavelmente
instalado na vida, vai passear pela Europa, pela América, pelo
Mundo, alheio ao mal provocado.
De «animal saciado», com uma repugnância material,
carnal, à flor da pele, «num indizível horror de um nojo físico»,
Carlos Eduardo, após reconhecer que «a morte do avô é o seu castigo,
viver esmagado para sempre», como expiação do seu crime, e cai «na
doçura da inércia».
Em resumo, não se pode ser «romântico» – «um ser
inferior que se governa na vida pelo sentimento e não pela razão».
Para sobreviver há que adoptar alguns princípios de base: «nada
desejar, para nada recear», «não ter apetites para não ter
contrariedade».
Só que a psiché (psiché = alma) humana, é muito
complexa e da teoria à prática entra-se célere na contradição
(correndo para 'o americano' a fim de jantar lautamente com os
amigos)!
Sara Dias Santos
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