Escola Secundária José Estêvão, n.º 19, Maio de 1997

 

Autonomia

 

Autonomia, o que é? A prática do auto-governo por parte das escolas, através da transferência de competências dos organismos centrais e regionais para as comunidades educativas. Mas também... O exercício das competências próprias de cada um dos actores do processo educativo, sejam eles alunos, professores e restante parte do funcionalismo, sejam a comunidade envolvente (famílias, autarquias, empresas, ...).

A autonomia em relação à tutela é sempre relativa – ao Estado, nos diversos subsistemas do ensino público caberá sempre a definição dos para o ensino público. Às escolas caberá criar os mecanismos necessários à concretização dos objectivos definidos superiormente, mas também a definição de objectivos próprios.

A autonomia deve ser contratualizada, por isso mesmo entende-se que deve haver diferentes graus de autonomia nas diferentes escolas secundárias do país. O contrato obriga cada escola, mas também exige da parte da tutela um constante acompanhamento que deve ser, acima de tudo, construtivo.

A autonomia é uma construção progressiva – entende-se não haver lugar para uma autonomia decretada, até porque a ordenação jurídico-política foi criando modelos de autonomia sem adequação com a realidade. A autonomia é sempre um ideal a atingir. E nesta perspectiva ela nunca estará completa, porque estaria, então, cristalizada.

A autonomia depende também do sistema de gestão que vier a ser implementado, passada que estiver esta fase de indefinição É conveniente que um novo modelo de gestão, que forçosamente vier a tomar o lugar dos dois actualmente em vigor, seja suficientemente flexível para se adaptar a realidades diferentes. Esse novo modelo de gestão deve possibilitar o reforço da capacidade dos órgãos de cúpula, para lhes permitir exercer uma autonomia diferenciada consoante os casos, mas deve sobretudo reforçar as lideranças intermédias, principalmente no caso dos directores de turma. A sua posição deve ser sobrevalorizada, devendo-se caminhar para director de turma e alunos terem uma hora comum no respectivo semanário-horário.

A autonomia passa também pela formação de melhores gestores, quer ao nível das direcções das escolas, quer ao nível intermédio. Reconhece-se que, particularmente ao nível da direcção, se possa passar por um certo constrangimento da gestão democrática, isto é, pode passar pela possibilidade de restringir o direito de candidatura à existência de certos requisitos. Ao nível das lideranças intermédias supõe-se a existência de mais e melhor oferta de formação nestas áreas.

Finalmente, nestes considerandos iniciais, reconhece-se a necessidade de caminhar a passos largos para uma certa cultura de escola. Sendo um conceito proveniente do universo empresarial, a / 17 / sua adopção pelas comunidades escolares pode não ser fácil. Mas temos que reconhecer que, implicitamente, as escolas têm vindo a adquirir uma cultura própria que as diferencia e que as põe, por vezes, em competição. O que nem sempre é positivo.

Uma cultura de escola deve ter um rosto, uma imagem para o exterior, o seu projecto educativo. Este, cuja construção não é fácil mas deve ser urgentemente assumida, tem vários aspectos a considerar:

– em primeiro lugar, é um projecto a médio prazo que deve envolver a comunidade local e deve obrigar a um novo conceito de escola: a escola como comunidade educativa;

– em segundo lugar, deve estabelecer uma filosofia de escola, estabelecendo estratégias para atingir objectivos propostos;

– em terceiro lugar, deve suportar todos os pequenos projectos de que se faz uma escola.

Por último, nunca esquecer que o projecto educativo deve criar as condições para o sucesso e será sempre o modo adequado para o exercício de uma verdadeira autonomia: a autonomia construída.

 

Vejamos agora como se têm (ou não) exercido diferentes aspectos da autonomia das escolas. E deve salientar-se que já há espaços para o exercício da autonomia.

 

autonomia administrativa – Pondo em relação a escola com os serviços centrais do Ministério e com as direcções regionais, ela será sempre mitigada. Há, no entanto, possibilidades de desburocratizar procedimentos e nem sempre estar a perguntar para Lisboa ou Coimbra como agir.

 

autonomia financeira – Verdadeiro óbice para o exercício das autonomias pelo espartilho a que as escolas estão submetidas. Urge transferir competências ao nível da gestão orçamental; possibilitar gerar e gerir receitas próprias; possibilitar, em certos aspectos, a gestão autónoma do seu património.

 

autonomia cultural – Este será um dos níveis em que escolas têm, de facto, gerido as franjas de autonomia que a lei lhes confere. Mas também este é um dos níveis de actuação em que a (falta de) autonomia financeira limita a acção das escolas.

 

autonomia a nível dos "currículos" – Pensamos que a nível das formações geral e específica não há grandes razões para promover a autonomia. As escolas, através dos seus departamentos ou dos seus grupos disciplinares, já têm autonomia suficiente a nível da execução programática. É desejável, por outro lado, que na formação técnica e na área escola haja uma crescente autonomia das escolas.

 

autonomia a nível dos recursos humanos – Pensamos que urge desburocratizar a contratação /  18 / de pessoal não docente não pertencente aos quadros, para atender a necessidades transitórias de recursos humanos parcerias com o exterior. Verificam-se a este nível grandes dificuldades de relacionamento com o mundo do trabalho, com efeitos nefastos a todos os níveis, mas com efeitos devastadores a nível dos cursos tecnológicos. A abertura a este nível não é fácil. Mais uma vez o projecto educativo, envolvendo toda a comunidade, pode ser uma das maneiras mais frutuosas de trazer as empresas à escola e de levar a escola lá para fora. Mais fáceis de criar têm sido as parcerias na área educativa e científica. Os protocolos com as universidades ou mesmo com outras escolas secundárias devem ser convenientemente estimulados, ainda que uma vez mais o espartilho financeiro não dê muita margem de manobra.

 

achegas finais

Podendo ser muito, tudo o que se disse até agora pode ser nada, caso não haja uma verdadeira mudança das mentalidades a nível de todos e de cada um dos actores do processo educativo. Essa mudança das mentalidades deve levar à melhoria das competências de todos os intervenientes no processo.

Sendo causa necessária para a melhor ia das nossas escolas secundárias, ela será contudo insuficiente se as escolas não forem dotadas de melhores meios humanos e materiais; se a diminuição do número de alunos, quer por turma quer por escola, não for um facto; se a escola não for capaz de competir com o meio envolvente relativamente à ocupação dos tempos mortos no horário do aluno.

Por todas estas razões há que concordar que a autonomia sendo importante estará longe de ser a panaceia que todos os males resolve. E caso não seja bem aplicada, pode mesmo vir a ser um dos cancros do próprio sistema de ensino.

(Alcino Carvalho, moderador/relator)

 

 

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