N.R. Pela sua importância para os ensinos básico e
secundário, transcrevemos a resolução do 5.º Encontro Nacional da SPM:
1.
O 5.º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de
Matemática, realizado em Aveiro, de 27 a 29 de Abril de 1992, abordou,
entre outras, as questões do ensino não superior de Matemática em
Portugal.
A Sociedade Portuguesa de Matemática organizou já um
Encontro Nacional exclusivamente dedicado às questões dos novos
programas, em Abril de 1990, e depois disso tem considerado um espaço de
reflexão sobre o assunto em todos os Encontros Regionais e no seu
Boletim. À discussão dos programas em si, tem vindo a acrescentar-se
toda a discussão que a aplicação experimental propicia, até porque
explicita, em actos e em omissões, as limitações da "Reforma" em curso.
A Sociedade Portuguesa de Matemática tem acompanhado, com
expectativa, o desenrolar da aplicação experimental dos novos programas
e, em diversas alturas, deu corpo e voz às preocupações do conjunto dos
professores de Matemática sobre as deficientes condições em que se está
a desenvolver a aplicação experimental. Estas deficiências na aplicação
experimental, a falta de iniciativas sérias para as superar e a não
existência de qualquer plano minimamente organizado e coerente para a
generalização dos novos programas, bem como a instabilidade da decisão
política a respeito da Reforma Educativa, têm feito crescer a
insatisfação e a desconfiança dos professores e de todos os interessados
na melhoria do ensino da Matemática.
As redacções da "Reforma" e, também, dos novos programas
de Matemática, introduziram algumas expectativas justas em relação a uma
nova visão e melhoria do ensino não superior da Matemática. Já a prática
dos órgãos de decisão do Ministério da Educação e do Governo, quer na
forma como não considera as diversas posições, por exemplo desta
Sociedade, quer na forma deficiente e pouco séria como construiu (ou não
construiu) as condições de execução e de acompanhamento da experiência
dos novos programas, não tem feito mais do que transformar expectativas
positivas em perplexidade, temor e desconfiança.
A Sociedade Portuguesa de Matemática acompanha os
professores na sua insatisfação e considera como suas preocupações
muitas das preocupações dos professores dos diversos graus de ensino
sobre a actual situação. Do mesmo modo, toma como suas muitas das
propostas e sugestões que têm sido feitas para procurar inverter o curso
dos acontecimentos.
A actividade dos professores experimentadores e a
reflexão que têm produzido constituem provas da capacidade dos
professores e denúncia sistemática dos erros e limitações, que não sendo
corrigidos e superados, se reproduzirão e farão da reforma generalizada
uma caricatura das intenções proclamadas. Várias vezes tem sido
anunciada a catástrofe que isso representará para o ensino da Matemática
e para a Matemática.
Os pontos desta proposta de resolução devem servir como
base para uma actividade sistemática, tanto quanto possível, no que
respeita às questões relacionadas com a generalização dos novos
programas e, especialmente, para a actividade de 91/92, em que ainda não
estão generalizados os programas do ensino secundário e começa a
generalização caótica dos programas do 1.º, 5.º e 7.º anos.
2.
A Sociedade Portuguesa de Matemática considera que há
aspectos, alguns deles "científicos", dos programas e da sua aplicação
que podem e devem ser revistos durante ou ainda antes da generalização
dos novos programas.
Para o estudo desses aspectos e das alterações que têm de
ser consideradas deve ser criada, com urgência, uma Comissão que,
incluindo membros da equipa técnica do Ministério, deve integrar
professores do ensino superior, membros das Sociedade Portuguesa de
Matemática e Associação de Professores de Matemática. A Comissão do
Ministério não tem querido, ou não tem sido capaz, de considerar as
opiniões, as correcções e as sugestões dos segmentos da sociedade
envolvidos e interessados no ensino da Matemática. E nem sempre as
questões envolvidas se podem reduzir a diferenças entre "opiniões
plausíveis".
A Sociedade Portuguesa de Matemática considera que todos
os estudos e todas as decisões devem ser tomadas relativamente aos
programas de cada ciclo e da articulação entre os diversos ciclos do
ensino básico, bem como da articulação desses programas do ensino básico
com o ensino secundário e com outros segmentos do sistema educativo. A
Sociedade Portuguesa de Matemática considera que é inaceitável a
situação de segregação sistemática a que é votado o ensino, e em geral a
educação matemática, pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico, sempre
baseadas em considerações que não têm a ver com o ensino da Matemática.
Relacionado com este aspecto, a Sociedade Portuguesa de
Matemática sempre tem defendido que a formação inicial destes
professores em Matemática é incompleta e que as condições de ingresso
nos cursos de formação de educadores e professores, com desprezo total
pela formação básica em Matemática dos candidatos, não permite
vislumbrar qualquer futuro melhor para a fundamental educação matemática
da infância.
3.
Nas condições de deficiente aplicação prática da reforma,
em especial, dos escassos recursos postos à disposição da generalidade
dos professores, os manuais escolares vão ganhar uma definitiva
importância.
A Sociedade Portuguesa de Matemática considera
absolutamente necessária a apreciação (ou avaliação) dos manuais
escolares com critérios de rigor "científico" e pedagógico, não só pelos
professores das escolas com base na grelha de "malha larga" prevista em
lei, mas também por elementos independentes (pelas Sociedade e
Associação, por exemplo) utilizando apreciações mais "finas", sem
esperar por especiais denúncias
/
20 / A Sociedade considera ser este um
processo de protecção dos professores de Matemática e da qualidade do
seu serviço, bem como de dignificação da actividade editorial, pública
ou provada, virada ou vocacionada para o ensino e apoio dos professores.
De igual modo, a Sociedade Portuguesa de Matemática
considera absolutamente necessário que as bibliotecas de todas as
escolas sejam apetrechadas com o material bibliográfico imprescindível
aos professores e aos alunos. Uma lista bibliográfica completa, que leve
em conta as diferentes propostas já existentes, deve ser fornecida às
direcções de todos os estabelecimentos de ensino,
4.
A Sociedade Portuguesa de Matemática considera uma
"burla" a generalização dos programas, tal como estão, para cargas
horárias de 4 horas semanais, quando, na aplicação experimental, em
alguns casos utilizando 5 horas semanais, só metade do programa foi
abordado.
A Sociedade Portuguesa de Matemática considera
absolutamente legítimo que os professores exerçam o seu direito de
escolher os seus próprios roteiros, mas considera que não são aceitáveis
"cortes" dos programas sem outro critério que não seja a falta de tempo
para a sua leccionação. A Sociedade Portuguesa de Matemática considera
que os programas têm uma extensão conteúdal acompanhada de exigências
metodológicas, incompatível com cargas horárias de 4 horas semanais. A
manter-se esta carga horária, a Sociedade Portuguesa de Matemática
considera que devem ser reformulados os programas, no sentido de, sem
ferir a liberdade de roteiro de cada escola e professor, garantir que
são leccionados (e não sejam "cortados" sem critério) todos os aspectos
fundamentais e interessantes do ponto de vista científico e formativo.
A este respeito, a situação já é hoje perfeitamente
clara, e a Sociedade considera que não é aceitável esperar alguns anos
até uma tomada de decisão, porque não é aceitável que se sacrifiquem os
interesses fundamentais dos alunos na sua educação matemática no altar
do "livre arbítrio", que não é senão o altar da irresponsabilidade ou da
incapacidade de tomar decisões já exigidas pela realidade da aplicação
experimental.
5.
A Sociedade Portuguesa de Matemática considera que a
melhoria do ensino da Matemática depende sempre da melhoria das
condições de trabalho e de vida dos professores. Tal como para qualquer
outra profissão, nas condições de mudanças rápidas em que vivemos, a
formação permanente dos professores de Matemática pode não ser condição
suficiente mas é condição necessária de adaptação às mudanças que se
querem operar. A ser verdadeira esta proposição para toda a vida, são
irreparáveis os erros que a contrariam em períodos de mudança
institucional.
A Sociedade Portuguesa de Matemática considera que a
situação neste domínio da formação dos professores de Matemática é de
catástrofe. Nem para os professores em aplicação experimental, a
formação institucional prevista foi promovida, de acordo com planos
sérios.
A Sociedade Portuguesa de Matemática considera que é
inaceitável a situação actual, mas que é possível alterar esta situação
e toma como suas algumas das propostas de planos já avançadas por alguns
dos seus membros.
Neste campo, toda a improvisação e toda a leviandade
devem ser castigadas pela denúncia frontal.
A Sociedade Portuguesa de Matemática denuncia o abismo
que tem separado as declarações sobre a formação contínua de professores
e a prática institucional que tem vindo a ser seguida pelo Ministério da
Educação. Denunciam-se, com veemência, todas as tentativas de fazer
passar por formação necessária dos professores de Matemática (ou de
qualquer outra disciplina) conjuntos de informações sobre a natureza e
intenções da reforma ou dos reformadores de papel.
A formação necessária para operar as mudanças, até a esse
nível de compreensão do "espírito" da reforma, deve passar pela formação
nos novos programas – conceitos matemáticos, metodologias para o ensino
e aprendizagem, avaliação, etc.
A este respeito ainda, a Sociedade Portuguesa de
Matemática denuncia que o acompanhamento da aplicação experimental não
tem tido condições para mais do que fazer controles burocráticos e para
a observação (sem qualquer eficácia formativa, embora talvez com alguma
eficácia "inspectiva" no pior sentido do termo). A Sociedade Portuguesa
de Matemática considera que o acompanhamento por formadores, actuando de
acordo com planos sérios, pode realizar actividades de formação
dirigidas à aplicação dos novos programas.
6.
A Sociedade Portuguesa de Matemática empenha-se, com os
seus meios, na defesa do património universal da Matemática e na
divulgação da cultura matemática, para que lodos os cidadãos a possam
usufruir como beleza, propiciadora de prazer, base e companheira de
outras ciências e, por isso, ciência básica de todo o desenvolvimento e
progresso. Mais do que nunca é preciso denunciar e inverter a situação
de insensibilidade de lodos os cidadãos que a consideram só como o
instrumento aceitável e privilegiado de selecção social.
A Sociedade Portuguesa de Matemática deve desenvolver
esforços no sentido do esclarecimento do papel da Matemática e dos seus
cultores, devendo interferir civicamente, na sociedade, em sua defesa. É
absolutamente necessário ganhar o contributo de todos os investigadores
e professores de Matemática para a intervenção cívica esclarecedora e
para a defesa da melhoria da educação e do ensino básico, secundário e
superior, bem como da investigação fundamental pura e aplicada.
A Sociedade Portuguesa de Matemática deve, pois,
continuar a trabalhar no sentido da colaboração com a Associação de
Professores de Matemática, com as outras sociedades científicas e
associações de professores.
Aveiro, 29 de Abril de 1992
A Comissão de Organização
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