Abatido pelo sopro do vento suão
bufando de horizontes raivosos
olho o velho espelho embaciado
donde emergem indistintas imagens
atoladas numa névoa fria, magenta
e dançando sem regra ou nexo:
figuras espectrais, zombies,
palhaços,
rostos improváveis, maquinaria de
guerra,
corpos decepados ou mutilados,
sangue, ruínas, fogo, fumo e cinzas,
vidas em botão banidas do futuro
muitas outras segadas sem compaixão
enquanto se forjam uns versos
tentando esconder lamentações,
o perecível alimento da ventura
perseguida por esquadrões de barbárie
à margem da multidão de embiocados
abraçados à gramática da indiferença.
No espelho, agora mais nítido
aparece um fugaz ponto de encontro
traçado com o compasso das lágrimas
e é nesse então que vejo com nitidez
a quentura dos abraços estreitados
irmanando tristezas, dores, alegrias
e a mental perturbação das perdas.
Tudo foi sendo coberto sem tempo
pela sinistra nuvem do luto pesado
onde saudade, esperança, e crença
são as pétalas de luz da mesma flor
e a certeza de só quando o fogo
destruir a natureza do incenso
se lhe pode arrancar o perfume.
Abril 2022 |