4 – Isótopos e Radioisótopos
Já vimos no artigo anterior que a estrutura dum átomo fica definida
pelo conhecimento do seu número atómico (número de electrões
planetários) e do número de massa (número de protões e neutrões do
núcleo), e que o átomo se representa escrevendo o símbolo do
elemento, tendo por índice inferior o número atómico e por índice
superior o número de massa. Dissemos também que os electrões se
distribuem em torno do núcleo em camadas sucessivas, sendo o número
por camada dependente de condições bem determinadas que regulam o
comportamento químico dos elementos.
Consideremos o caso do hidrogénio
– o átomo mais
simples que se conhece, constituído por um núcleo com 1 protão, à
volta do qual gira 1 electrão.
Numa determinada quantidade de hidrogénio, podemos encontrar ainda
um reduzido número de átomos de número de massa 2 (1 protão e 1
neutrão) e número atómico 1 (1 electrão). São átomos de hidrogénio
pesado que receberam a denominação de deutério
. Existem
também, em quantidades infinitesimais átomos de massa 3 (1 protão e
2 neutrões), que formam o hidrogénio ultra pesado ou tritério
.
Temos pois três tipos de átomos do mesmo elemento hidrogénio, que
possuem igual número atómico, mas números de massa diferentes.
Os átomos de um elemento que têm o mesmo número atómico, mas números
de massa diferentes, chamam-se isótopos desse elemento.
Na fig. 1 estão representados os modelos dos três isótopos de
hidrogénio: o hidrogénio
,
o deutério
e
o tritério
,
que possuem o mesmo número de electrões planetários e o mesmo número de protões do núcleo:
diferem apenas no número de neutrões.
/
32 / As propriedades químicas dum elemento dependem somente do
cortejo electrónico do seu átomo. Como os isótopos dum elemento têm
o mesmo número de electrões planetários, as propriedades químicas
dos isótopos desse elemento são idênticas.
Por outro lado como os isótopos variam apenas no número de neutrões
do núcleo, apresentam massas diferentes.
Na natureza, a maioria dos elementos
apresentam-se constituídos
por uma mistura de dois ou mais isótopos Assim, o urânio, tal como é
extraído do mineral, é constituído pela mistura de dois isótopos, o
urânio
, mais abundante, e o
.
Os dois isótopos possuem
o mesmo número de electrões (92), mas o número de neutrões é
diferente (136 contra 143). Por sua vez, O cloro é uma mistura de
3/4 partes de átomos de massa 35
e
1/4 parte de átomos de massa
. O peso atómico do
cloro é então:
3/4 x 35 + 1/4 x 37 = 35,5.
Observando o desenvolvimento das famílias radioactivas, verificamos
que há vários elementos com o mesmo número
atómico e números de massa diferentes; são portanto isótopos do
elemento considerado.
Como são isótopos radioactivos denominam-se, por isso, radioisótopos.
Falámos até aqui de radioactividade natural, isto
é, da desintegração espontânea de elementos que se encontram
na natureza.
Porém, em 1934, Irene Curie (irmã de Marie Curie) e seu marido Frédéric Joliot descobriram pela primeira vez a
radioactividade artificial, processo
de obter artificialmente elementos radioactivos, particularmente isótopos radioactivos.
Contam-se por mais de 1000 os radioisótopos artificiais, contudo só uns 13 radioisótopos
têm utilidade prática, pelo razão de que a maioria tem uma vida extremamente
breve, devido ao seu
período de semi-desintegração ser muito curto.
Os isótopos radioactivos artificiais são produzidos em reactores
nucleares, aceleradores e instalações de separação.
A descoberta da radioactividade artificial e por conseguinte
/ 33 /
a aplicação dos radioisótopos, teve uma enorme importância nos
domínios da medicina, biologia, agricultura, indústria, etc.
Os radioisótopos artificiais dum mesmo elemento têm todas as
propriedades químicos desse elemento, constituem os mesmos
compostos químicos e entram
nas mesmas reacções. Esta propriedade tem larga aplicação na
biologia e na medicina.
Introduzido no organismo um composto radioactivo, por
exemplo, o iodo 131, este sofrerá as reacções e transformações
do mesmo composto, mas de iodo não radioactivo, e o elemento iodo fixar-se-á nos órgãos para os quais tem afinidade.
Uma vez introduzido no circulação do sangue, como é radioactivo,
emite partículas que atravessam os tecidos e podem
ser detectados pelo contador de GEIGER (este aparelho tem uma
sensibilidade tal que uma
gota de água radioactiva pode ser identificada em 50 milhões de
litros de água comum; esta extraordinária precisão revolucionou os
métodos de pesquisas em todos os domínios da ciência, o que permite acompanhar o caminho seguido pelo radioelemento e portanto a
duração do percurso, a intensidade das radiações e a quantidade fixada
em cada órgão.
Graças à extrema sensibilidade dos detectores, podem injectar-se no
corpo humano radioisótopos em doses inofensivas.
Por comparação dos resultados obtidos em organismos normais, assim
se poderá fazer o diagnóstico do indivíduo doente.
É actualmente vastíssimo o campo de utilização dos radioisótopos e
a eles se devem enormes progressos no diagnóstico e cura de muitas doenças, no
desenvolvimento da indústria e agricultura, na física, química,
metalurgia, bacteriologia e fisiologia animal e vegetal.
aplicações
Vejamos algumas aplicações
dos radioisótopos.
Comecemos por apresentar alguns exemplos de utilização de
radioelementos em medicina.
No caso do iodo radioactivo 131, verificamos que
a sua maior parte
fica retida na glândula tiróide e, conhecendo-se a dose fixada em
indivíduos normais, fica a saber-se se há anomalia de funcionamento.
O iodo radioactivo permite-nos, pois, determinar o estado de
funcionamento do glândula tiróide.
O sódio radioactivo é aplicado para medir a velocidade da corrente
sanguínea e a permeabilidade dos vasos, o que revela o
comportamento do sistema cardiovascular.
O tratamento dos cancros inoperáveis tem beneficiado muito com a aplicação intersticial do
tântalo 182 e do cobalto 60.
/ 34 / O fósforo radioactivo, quando
ingerido ou introduzido no organismo por via endovenosa, fixa-se
muito lentamente nos tecidos cerebrais, devido ao
baixo índice de metabolismo
para com o fósforo. Porém,
quando existe um tumor cerebral, os tecidos degenerados fixam aquele
elemento em proporção muito mais elevada, o que permitirá
diagnosticar o tumor e precisar mesmo a sua posição e volume.
O fósforo radioactivo emprega-se ainda no tratamento de tumores e
outros doenças superficiais da pele, tais como
eczemas, angiomas capilares, etc.
A agricultura tem feito progressos importantes com a utilização dos radioelementos nas
suas pesquisas. Seguindo o caminho duma matéria radioactiva no
solo, nas plantas ou nos animais, os técnicos puderam
resolver certos problemas apresentados pela utilização eficaz dos adubos, doenças dos vegetais,
alimentação dos animais, etc.
Os fisiólogos e os biólogos têm podido estudar os fenómenos que se
desenrolam numa
folha, o metabolismo do carbono nas plantas, a repartição do
fósforo nas folhas, fazer investigações com o fim de descobrir os
segredos da fotossíntese nas plantas – síntese dos hidratos de
carbono a partir do anidrido carbónico e da água, efectuada pelas
células possuidoras de clorofila, sob a influência
da luz. Verificaram-se
detalhes importantes nos estados sucessivos das transformações do
carbono assimilado no decurso da fotossíntese.
Pela irradiação de microrganismos, os
biólogos descobriram novos microrganismos,
produzindo quantidades elevadas de antibióticos preciosos
(penicilina, biomicina, etc.). Por outro lado, as mesmas radiações
dos isótopos radioactivos aplicados em diferentes doses, matam os
microrganismos, quando se pretendem esterilizar instrumentos,
recipientes, produtos
alimentares (como, por exemplo,
a esterilização de conservas).
Utilizam-se os raios gama
do cobalto radioactivo para reter a germinação dos legumes durante
longos períodos de conservação.
Pela irradiação de grãos das
plantas, criaram-se novas espécies de maior porte (destinados a
forragens) e aumento de produtividade.
A ciência dos radioisótopos aplicados na indústria tem permitido
economias consideráveis de tempo e de dinheiro. Ensaios ou testes mecânicos que requeriam outrora dias ou meses de observação,
podem agora ser feitos em alguns minutos.
A utilização dos isótopos radioactivos na indústria é extremamente
variada. Com eles controlam-se mais fácil e /
35 / economicamente as fases da fundição dos aços, a velocidade do fluxo dos gases nos
altos fornos, observam-se as alterações na estrutura das
ligas metálicas.
Os isótopos permitem determinar o desgaste das ferramentas de corte ou de peças de máquinas, mesmo em funcionamento, sem
necessidade de os parar ou desmontar.
A gama-radiografia de peças metálicas e juntas soldadas revela-nos a
existência de fissuras dissimuladas ou outros defeitos.
Podemos fazer também um controlo contínuo da espessura da laminagem
dos aços durante a fabricação.
Os radioelementos permitem igualmente detectar
a menor fenda nos reservatórios e nas canalizações.
A importância dos isótopos radioactivos no desenvolvimento da ciência
moderna encontra uma nova demonstração num processo baseado sobre a
medida do carbono 14.
Este processo, utilizada para conhecer a idade de todos os objectos
contendo carbono, baseia-se no facto de que o ácido carbónico do ar
contém uma
determinada quantidade de carbono 14.
Logo que este ácido carbónico é assimilado, por uma
árvore, por
exemplo, a proporção de C14 que ela contém
decrescerá, porque este isótopo é radioactivo; não restará mais do
que a sua metade ao fim
de 5000 anos, um quarto após 10000, etc.
Basta, pois, estabelecer (com
o contador de GEIGER) a relação entre o carbono radioactivo e o
carbono estável (carbono 12), para calcular a época em
que a árvore assimilou este ácido carbono.
Métodos idênticos permitem calcular a idade de um sarcófago egípcio,
de uma pirâmide mexicana, etc.
Pôde-se avaliar mesmo a idade do Universo (cerca de 8
biliões de
anos).
Os exemplos apresentados para a utilização dos radioisótopos
constituem uma pequena parte das enormes possibilidades desta nova ciência. O extraordinário desenvolvimento de que se reveste na actualidade o
estudo dos isótopos radioactivos, as inúmeras aplicações que tem
nos mais diversos campos da actividade humana, deixam-nos antever um
futuro brilhante. Os benefícios já trazidos no combate dos males que
afligem a humanidade, fazem esquecer de certo modo que os radioisótopos são
um produto consequente da fabricação da bomba atómica.
Há males dos quais resultam alguns bens.
No próximo número: A BOMBA ATÓMICA
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