Mas aquela falta de corrimão era a demonstração visível de
quanto custam obras da construção de uma sede de bombeiros e
quanta dedicação e tenacidade são precisas para conseguir
levá-las a bom termo. Mas era também um símbolo: o símbolo
do risco a que está sujeita, por sua natureza, a missão do
bombeiro.
A
propósito de risco apetece-me contar uma pequena história.
Creio que ela terá cabimento aqui.
Era uma
companhia de circo, um destes circos ambulantes que correm
as cidades e, debaixo de enormes tendas armadas, dão
espectáculos que constituem o gáudio da gente pequena e da
grande... E não apenas o gáudio. Às vezes dão ocasião também
a uns arrepios na assistência, quando o trapezista, como se
fosse uma pena ou já não sentisse o peso do corpo, realiza
acrobacias do maior arrojo e perigo. Por momentos o
espectador suspende a respiração e só volta a respirar fundo
quando o artista, atirado para o ar à aventura, consegue
apanhar do outro lado a pega do trapézio ou cair com jeito
em cima da rede, depois de fazer cabriolas, que não se sabe
se irão dar para cair de pé ou cair de cabeça, partindo a
espinha pelo meio. Não é a primeira vez que tal acontece.
Pois uma
companhia de circo quis dar um espectáculo na presença do
Papa João Paulo II. E o Papa aceitou e agradeceu.
Antes da
exibição uma das trapezistas fez uma pequena saudação ao
Santo Padre e disse assim:
«Santo
Padre, nós, os trabalhadores do circo, somos semelhantes a
vossa Santidade. Está a perguntar-nos em quê? Pois eu direi:
assim como acontece a Vossa Santidade, também nós pomos em
risco todos os dias a nossa vida, no cumprimento da nossa
missão.» A alusão ao risco que corre a vida do Papa nas suas
viagens apostólicas era uma alusão discreta mas
suficientemente clara.
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O Papa não deve ter ficado descontente por se
ver comparado a um artista de circo...
Quando li
a notícia, logo pensei nos bombeiros.
Um
bombeiro poderia repetir palavras semelhantes. Só que o
bombeiro não arrisca a vida por desporto ou para gáudio e
divertimento do público ou para ganhar uns tostões. Arrisca
a vida por motivos mais nobres.
Foi dito
na sessão em que eu tomei parte que, quando toca a sirene e
o bombeiro acorre ao quartel e veste à pressa a farda e põe
o capacete e parte à desgarrada para ir ao encontro do
sinistro, não pensa se a pessoa sinistrada é um conhecido ou
alguém que nunca viu; se é um amigo ou pessoa que não é das
suas simpatias. Naquele momento e no exercício da sua
função, para o bombeiro o sinistrado é apenas um irmão
carecido de ajuda.
É aqui
que está a grandeza moral do bombeiro.
Também
ele – mais ainda que o trapezista – teria direito de assim
falar ao Papa: «Santo Padre, eu sou um bombeiro. A minha
missão é parecida com a vossa. Vós arriscais a vida (assim
vai o mundo e assim é a loucura e a maldade dos homens...)
para levar a palavra do Evangelho aos lugares e aos povos
mais distantes. Quando partis para uma viagem de bem-fazer,
não há ninguém no mundo (nem talvez o vosso anjo da guarda)
que saiba ao certo se conseguireis voltar. Nós, os
bombeiros, também somos assim. Acreditai, Santo Padre, que
nos sentimos honrados por tão boa companhia. Se vivêsseis em
Aveiro, estou certo de que a direcção da minha corporação
vos convidaria para fazer parte dela. A vossa missão de
autêntica "salvação pública" bem mereceria de uma corporação
como a nossa um diploma de, pelo menos, "bombeiro voluntário
honorário".»
Acaba
aqui o discurso do bombeiro. Agora digo palavras minhas.
Estou certo de que a Direcção da corporação dos "Bombeiros
Novos" – e o mesmo diria dos "Velhos" – estaria de acordo
com a proposta do seu filiado. Uma boa companhia ajuda a
fazer um homem bom; e, quando o ideal do companheiro é
semelhante, embora mais elevado e transcendente, ajuda
também a fazer de um homem bom um bombeiro destemido, capaz
de sacrificar a vida pelos outros. "Não há melhor prova de
amor do que dar a vida pelo irmão". Quem terá dito estas
palavras?
Felicidades para os "Bombeiros Novos" da cidade de Aveiro! |